Participação laboral feminina quase dobrou na América Latina em 40 anos
Quatro décadas após criação do Ano Internacional da Mulher, percentual de mulheres economicamente ativas na América Latina e no Caribe passa dos 55%. Mas desigualdade de salários e oportunidades persiste.
Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a participação feminina no mercado de trabalho latino-americano "quase dobrou desde 1975", quando foi celebrado o Ano Internacional da Mulher.
"Foi um aumento notável, quase duplicou. A taxa na região era cerca de 30% no início dos anos 1970 e ultrapassou os 55% atualmente. Se considerarmos as mulheres entre 20 e 40 anos, a taxa é de quase 70% hoje", diz Maria Elena Valenzuela, especialista em gênero e emprego da OIT. O ano de 1975 também marca a criação do Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março.
Apesar do aumento da participação feminina no mercado de trabalho, os progressos na região são considerados lentos e desiguais por especialistas.
"No ritmo mundial de progresso, serão necessários 81 anos para conseguir a igualdade de gênero no local de trabalho, 75 anos para alcançar paridade salarial e 30 anos para ter equilíbrio entre mulheres e homens nos cargos de chefia. Isso é inaceitável", afirma a diretora regional da ONU Mulheres para as Américas e o Caribe, Luiza Carvalho.
No mundo, as mulheres ganham, em média, 23% a menos que os homens. A diferença salarial na América Latina e no Caribe é de aproximadamente 17%, segundo a ONU.
"As mulheres continuam concentradas em poucas ocupações, mal remuneradas e pouco valorizadas socialmente, como o ensino, a saúde, os serviços sociais e o cuidado das pessoas. Um exemplo disso é o trabalho doméstico, composto por mais de 90% de mão de obra feminina", aponta Valenzuela.
Ela defende que a raiz do problema é de ordem cultural. "As sociedades latino-americanas valorizam menos as atividades desempenhadas majoritariamente pelas mulheres. Isso ocorre ainda que um terço dos lares sejam sustentados apenas por elas," diz.
Atualmente, uma em cada três mulheres na América Latina e no Caribe não tem renda própria, enquanto apenas um em cada dez homens se encontra nessa situação, de acordo com um relatório da Cepal (Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe).
Dentre elas, 51,6% afirmam que a falta de remuneração está ligada à necessidade de realizar tarefas domésticas. O tempo que as mulheres gastam com esse tipo de trabalho, não remunerado, é o dobro das horas dedicadas pelos homens. No caso do Brasil, Costa Rica e Equador a diferença chega a ser quatro vezes maior.
"As mulheres continuam sendo as principais responsáveis pelo cuidado da família, o que limita as suas opções laborais e representa uma sobrecarga de trabalho. Com isso, passam a sofrer de 'pobreza de tempo'", explica Valenzuela.
Pobreza
Na América Latina e no Caribe, para cada 100 homens vivendo na pobreza, há 117 mulheres. As desigualdades impactam com maior força as indígenas e afrodescendentes. Um estudo da Cepal concluiu que, caso as mulheres tivessem o mesmo acesso a emprego que os homens, a pobreza na região diminuiria 14 pontos percentuais.
O desemprego também é 1,4 vezes maior entre mulheres do que em homens na região (8,2% e 4,4%, respectivamente). E afeta principalmente as mais jovens, que constituem 70% das pessoas que não estudam e nem trabalham, segundo dados de 2014 da OIT.
As latino-americanas ultrapassaram o sexo oposto em estudo são 9,5 anos contra 8,7 dos homens , e a região tem a maior proporção de pesquisadoras acadêmicas do mundo (45,2%), seguida da Europa (43%). No entanto, a qualificação feminina ainda é pouco reconhecida no mercado de trabalho.
"Um dos avanços mais significativos nos últimos 40 anos foi a educação, especialmente no número de mulheres matriculadas no ensino primário, secundário e superior", aponta Carvalho. Entretanto, em um levantamento da Cepal com 72 grandes empresas na região, somente três eram comandadas por mulheres, ou seja, 4,2%.
Valenzuela ressalta também a extinção de leis discriminatórias contra as mulheres como um importante passo, além da criação de novas legislações. "Existe, na maioria dos países da região, leis proibindo o assédio sexual e o teste de gravidez como condição para o emprego. Alguns, como o Chile, até criaram a licença parental, que permite que o pai ou a mãe compartilhem os últimos 45 dias de licença", diz.
Ela destaca também mudanças culturais positivas: "Hoje já se reconhece o direito de uma mulher alcançar autonomia e independência econômica através de uma ocupação".
Femicídios
A América Latina é a região do mundo de que se tem informação com mais assassinatos de mulheres por número de habitantes. Segundo um relatório de 2012 da organização suíça Small Arms Survey, dos 25 países com as mais altas taxas de femicídio, mais da metade se encontra na América Latina e no Caribe. Entre eles El Salvador, Guatemala, Honduras, Colômbia, Bolívia, Venezuela, Brasil, Equador e República Dominicana.
A pesquisa indica que, na maioria das vezes, as mulheres são mortas por homens que elas conhecem bem, como parceiros, amigos ou familiares.
Para Carvalho, as atitudes culturais e os altos índices de impunidade impedem um combate efetivo da violência contra a mulher. "Apesar disso, esta região foi pioneira na legislação na área e colocou o tema do femicídio no debate internacional", destaca.
Na America Latina e no Caribe, uma em cada três mulheres já sofreu violência física ou sexual ao longo de suas vidas, de acordo com a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Mulheres latino-americanas com idade entre 15 e 44 anos têm mais chance de morrer ou sofrer ferimentos por violência de gênero do que por câncer, malária, acidentes de trânsito e guerras.
Ainda segundo a Opas, 38% das mulheres no Equador e 23% no Paraguai acreditam que o marido tem o direito de bater na esposa em determinadas circunstâncias.
Para a chefe da ONU Mulheres no Brasil, Nadine Gasman, os números são alarmantes, mas houve consideráveis melhorias nas últimas quatro décadas. "A noção de que a violência contra a mulher é um delito cresceu muito. No Brasil, por exemplo, 98% das pessoas conhecem a Lei Maria da Penha", diz.
Representação política
Gasman afirma que o grande desafio dos países latino-americanos é a implementação e o financiamento de leis e políticas públicas em prol das mulheres. "A legislação avançou, mas falta vontade política", critica.
Entretanto, tais dificuldades não se explicam simplesmente pela falta de mulheres na política. A região da América Latina e do Caribe tem o maior número de chefes de Estado e de Governo mulheres são cinco e com maior porcentual de parlamentares do sexo feminino (25,2%), segundo a ONU.
"Há, sim, uma maior presença feminina, mas ela ainda não é majoritária. As mulheres que chegam a ter cargos políticos sofrem com muitas limitações. Por exemplo, elas nem sempre ocupam os escritórios mais decisivos ou são incluídas em discussões orçamentárias", explica Gasman.
Autor: Marina EstarqueEdição: Francis França