Em busca da consciência sustentável na sociedade
A diretora global de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do grupo grego Titan, Maria Alexiou, esteve de passagem no Ceará e conservou com O POVO
01:30 | Set. 16, 2019
Passou-se o tempo em que mercado e sustentabilidade ambiental dificilmente estariam inseridos no mesmo contexto. Uma mudança que começou lenta e agora ganha novos ritmos com as transformações do comportamento do consumidor contemporâneo, que pressiona os investidores, cobram das empresas, exigem dos fornecedores. Um movimento cíclico chamado economia circular. Novos modelos de negócios surgem e antigos se adaptam. Para a diretora global de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do grupo grego Titan, Maria Alexiou, evitar um colapso ambiental é papel dos governos, da academia, da sociedade e do setor privado. Todos precisam aprender por meio de uma cultura de conscientização, inclusive os políticos.
A Titan Cement Group mantém joint-venture com a cearense Companhia Industrial de Cimento Apodi Brasil, tendo 50% do controle da empresa que pertence à família Dias Branco. Alexiou viaja o mundo para conhecer experiências na área da sustentabilidade e visitou a cimenteira em Quixeré, no Vale do Jaguaribe. A partir da visita, a empresa fará seu primeiro relatório de sustentabilidade, a ser lançado em 2020.
O POVO - Aqui no Ceará, o Grupo M. Dias Branco tem autonomia ou depende da Grécia? Quais decisões predominam?
Maria Alexiou - A Titan e M. Dias têm uma ótima joint venture (união de duas empresas), estão juntos na operação e estabelecem objetivos de longo prazo. É o processo necessário para construir todo mapeamento de longo, aprendendo um com o outro e desenvolvendo nosso futuro juntos, sempre chegando a consensos. Cada um sabe que o outro lado trabalha dessa forma, em valores familiares. Por isso, nós estamos constantemente interagindo com as famílias, desenvolvemos os valores, as visões. Os dois acreditam nisso, algo que é muito importante para a sustentabilidade. Estamos criando para a sociedade algo que é muito valoroso no sentido de transformar o contexto social por meio da infraestrutura, criação de abrigos paras as famílias. Ao fazer isso, nós criamos valores e também somos valorizados. Todas as partes interessadas ganham. Valorizamos as pessoas que trabalham para o nosso produto, clientes, fornecedores e, claro, a comunidade que vive em nosso entorno.
OP - Há um consenso de que a sustentabilidade é algo imprescindível para as empresas, principalmente, no momento em que governos de diversos países olham com mais cuidado para o meio ambiente. No entanto, o conceito de sustentabilidade não está sendo usado em demasia e interpretado de forma superficial no ambiente corporativo brasileiro?
Maria Alexiou - Sustentabilidade é uma filosofia que transforma a direção em relação às empresas e sociedade. Até o começo dos anos 1990, esse conceito não estava nem na nossa agenda. Algo que, mesmo entre pessoas que tinham mais estudo, não era muito bem compreendido. Isso podia ser observado entre universitários e representantes de direitos humanos, por exemplo. Não se entendia propriamente o que era sustentabilidade. Até hoje nós ainda estamos aprendendo sobre esse tema, constantemente. É preciso destacar que cada país explica a sustentabilidade de acordo com sua cultura, história. Temos diferentes definições de sustentabilidade. O importante é ver o que é valoroso e o que tem valor para cada caso... Se puder falar sobre a experiência que tenho na Grécia, em relação ao acirramento das discussões sobre sustentabilidade, para tentar traduzir a nossa experiência e a forma de fazer, não tem tanta diferença do que é feito aqui, no Brasil. O que é mais importante, nesse sentido, é traduzir a sustentabilidade com ações importantes para determinado lugar, comunidade. O mais importante é como é feita a colaboração.
OP - E como essa tradução pode ser feita?
Maria Alexiou - A gente não alcança nada se não colaboramos um com o outro. Nenhuma empresa, independentemente de onde esteja, sejam qual for o país, não consegue implantar uma cultura de sustentabilidade. A palavra-chave é colaboração, é colaborar para transformar. É é isso que as Organização das Nações Unidas (ONU) está tentando extrair sobre os objetivos de sustentabilidade para 2030. É uma coisa importante. Os líderes são aqueles que estão mudando através da colaboração, engajamento e, de verdade, estão mais abertos e transparentes na forma de limitação do negócio em prol da sustentabilidade.
OP - E o que a senhora define como sustentabilidade?
Maria Alexiou - Eu visitei a fábrica de cimento em Quixeré. Normalmente, uma fábrica de cimentos é cheia de cercas com intenção de proteger as pessoas de acidentes. Isso é uma defesa e, claro, nós estamos numa sociedade em que inúmeras pessoas trabalham dentro de fábricas. É preciso alguns cuidados. A sustentabilidade é mudar essa cultura, abrir essas cercas... Pensar para além do negócio, aproximando as pessoas. Dentro da de Quixeré, por exemplo, foi criado um centro de educação ambiental que foi aberto para aproximar a comunidade. A partir daí, foi criado um ambiente onde todos, inclusive as crianças que vivem no entorno da fábrica, podem ir e aprender o que esse planeta significa para nós, seres humanos. E como precisamos nos comportar não apenas para proteger o planeta, mas para proteger nós mesmos por meio da proteção do planeta. Porque nós não sabemos ao certo, em termos conceituais, o que é a sustentabilidade do planeta, mas sabemos o que é preciso para nos sustentar. Para desenvolver essa cultura nas pessoas, é muito importante dar a elas acesso à educação, para entenderem como isso funciona e por que é importante ações visando tornar o planeta um lugar sustentável. Para mim, sustentabilidade é isso. Você constrói projetos, condições para uma ajuda mútua, atraindo pessoas para aprender, conhecer e ser responsável.
OP - Quais são os principais valores para a sustentabilidade?
Maria Alexiou - Se eu pudesse dizer os valores mais importante para a sustentabilidade, são: colaboração, compromisso, abertura e transparência. São as característica que, sem elas, você não tem as ações de como definir algo que é parte da sustentabilidade.
OP - Como vocês praticam essas iniciativas sócio-sustentáveis no Ceará?
Maria Alexiou - O que faz diferença é a forma como a empresa entende o seu próprio impacto no planeta e na sociedade. No Brasil e em todos os outros países que visito, vejo projetos diferentes. Porque você tem condições diferentes em cada lugar, mas o importante, como eu disse, é procurarmos desenvolver e entender nossas pessoas, quem está perto da gente. Vejo que a Apodi tem entendido o que realmente é mais importante para encontrar soluções. Nós importamos um programa que desenvolve os jovens, novas habilidades, programas que ajudam eles a começar as carreiras. É o melhor que podemos fazer para garantir um futuro sustentável para eles. Um dos grande problema que temos na atualidade, no mundo todo, é com o lixo. Temos que ser educados a gerenciar esse lixo, pois isso também é uma questão de saúde pública. Aqui, estamos estimulando esse pensamento entre esses jovens, mostrando os caminhos possíveis para a a sustentabilidade. Gerenciar o lixo, por exemplo, é uma forma de construir um bom ambiente e viver melhor. Nos processos de produção, precisamos olhar não apenas para o material necessário à manutenção do negócio, mas o que vai gerar menos impacto no meio ambiente. E isso é o que começamos a trabalhar aqui também, entre eles. A gente vê que filantropia já está sendo feita, mas isso é algo que acaba. Não estamos falando apenas de filantropia, mas também de negócios sustentáveis. Sustentabilidade para os negócios e para as pessoas. É isso que estamos trabalhando juntos com a Apodi. Além da comunidade, trabalhamos também com nossos parceiros, sejam fornecedores ou clientes. Como vamos educar nossos consumidores, por exemplo, qual a melhor forma de utilizar nosso produto de forma sustentável. O mundo está mudando, se desenvolvendo. Isso que fazemos são exercícios que vamos devotando, repetindo...
OP - Como a senhora enxerga a fábrica daqui a dois anos?
Maria Alexiou - Em dois anos, quando eu estiver aqui de volta, vamos discutir sobre outros projetos. Porque vão ser outros problemas, nós podemos ter encontrado a solução de alguns problemas críticos que temos hoje, mas alguns novos podem aparecer e nós devem os tomar conta disso. Como vamos fazer isso no futuro? Isso nunca termina, as respostas vão sendo encontradas ao longo do caminho. A não ser que todos os indivíduos estejam tão conscientes e se comportem de uma forma totalmente sustentável. Esse nosso projeto de educação, por exemplo, busca gerar esse conhecimento desde novo. Por isso temos foco nas crianças, estimulando a consciência sobre sustentabilidade.
OP - Vocês reaproveitam o calor para transformá-lo em energia, usam biomassa no processo de produção. Além disso, como vocês envolvem os recursos humanos nesses processos de cultura sustentável?
Maria Alexiou - É fantástico. Preciso ressaltar que nossas fábricas têm um design e tecnologia usada que nosso setor caracteriza como estado da arte. São processos com geração de energia que não tem em outras fábricas de cimento. Posso dizer que estou positivamente surpresa com o alto nível profissional, não apenas na produção, mas, também, na saúde e segurança. Aqui, não seguimos o que outras empresas chamam de gestão de consequências de riscos para a segurança. A Lei, por exemplo, na Grécia, obriga você a demitir um empregado que não seguir as regras de segurança.
Na Apodi, tem uma prática que a ONU segue, na qual o empregado que não está cumprindo 100% das regras tem o seu nome colocado em um quadro, o seu nome está no quadro. Essa é uma boa prática. Porque você chega na consciência da pessoa e na solidariedade da pessoas com práticas de respeito ao meio ambiente. Em relação ao uso responsável da água e energia, controle de emissão de poluentes, essa fábrica pode ser considerada um modelo, um case para a indústria.
OP - A senhora pretende apresentar esse modelo lá fora?
Maria Alexiou - Minha responsabilidade, de agora em diante, como representante da Titan, é elaborar um relatório que vai ser enviado para os nossos acionistas e stakeholders (públicos de interesse de uma organização), incluindo as Nações Unidas. Vou referenciar as melhoras práticas que experienciei na Apodi. No próximo ano, esperamos ter um relatório do grupo inteiro, com o objetivo de apresentar o caso da Apodi como uma boa prática.
OP - As práticas sustentáveis às vezes dependem apenas de uma mudança cultural, mas também requerem investimento e tecnologia. O mercado brasileiro está atrasado neste aspecto?
Maria Alexiou - Existem problemas que nós não resolvemos ainda. O que fazer aqui e em outros países, por exemplo, para minimizar ainda mais nossas pegadas de carbono. Temos alguns projetos em desenvolvimento, comprometidos com a sustentabilidade, e que estão rodando no Brasil. Sobre como capturar a emissão de CO2 na produção. Isso requer um grande investimento, mas estamos trabalhando com apoio de especialista, universidade... Uma das nossas preocupações, que colocamos como ponto estratégico, é com a chamada economia circular. Isso é muito importante, é pensar no uso responsável dos recursos, é um investimento nas pessoas. Nenhuma tecnologia pode dar a você todas saídas, nenhum projeto vai alcançar todos os objetivos se você não tiver as pessoas certas. Uma das coisas que aprecio aqui, na Apodi, é que nós temos um time muito bom. Estou confiante que os nossos objetivos são realmente ambiciosos, mas nós podemos alcançá-los.
OP - O mercado global já despertou sobre a necessidade de negócios de impacto social. Mas, no Brasil, os empresários geralmente interpretam isso como gasto de dinheiro, e não como investimento. O que eles precisam aprender sobre essa questão?
Maria Alexiou - É verdade que pensamos de forma antiga, mas estamos mudando muito rápido, passando por uma fase de transição. A crise financeira, pela qual vários países como o Brasil tem passado, está promovendo mudanças no mercado global, que tem uma regulação própria, como a gente sabe. Muitas dessas mudanças são baseadas em comportamento responsável e, por isso, estão transformando a lógica de diferentes segmentos da economia. Precisamos mudar o sistema financeiro, torná-lo sustentável.
OP. Mas as empresas estão preparadas para mudar?
Maria Alexiou - É esperado que, em 2020 e 2021, os problemas ambientais e sociais vão ser parte do setor privado e público. O problema é que não apenas do Brasil, mas na Grécia, Europa, as empresas não têm se preparado para o que estar por vir. Por exemplo, a Titan está publicando os relatórios anuais para os acionistas com informações não apenas financeiras, mas sobre sustentabilidade, desde 1993. No começo, tirando nossos colaboradores, ninguém mais estava interessado nesses problemas. Em 2016, a União Europeia aprovou uma lei que tornam essas informações obrigatórias nos relatórios. Se você não fornecer essas informações para as instituições financeiras, se não explicar como é sua estratégia de sustentabilidade, elas não te dão empréstimo. Existe novos produtos no mercado que chamam investimentos sociais, acionistas verdes que estão direcionados para investimentos ou projetos focados em sustentabilidade. No momento, poucas empresas estão utilizando esses novos produtos financeiros. Mas, cada vez mais, o mercado financeiro está se movendo nesse sentido. E se nós não percebermos isso, vamos continuar enfrentando crises. Temos dois anos, até 2021, para entender como o mercado financeiro vai trabalhar com empréstimos sustentáveis.
OP - Qual o papel da imprensa para o enfrentamento dos problemas ambientais no Brasil?
Maria Alexiou - Estou feliz porque você estão aqui, porque a imprensa é importante para ajudar as pessoas a entenderem a importância de questões relacionadas à sustentabilidade. Não tem nada que aconteça só pela lei, é preciso uma tradução. Na maior parte dos países, estamos distantes desse entendimento.
OP - Como o Brasil está, em termos de engajamento, para promover transformações em prol da sustentabildiade?
Maria Alexiou - O Brasil é o primeiro de poucos países, como França, África do Sul e Dinamarca, que criaram uma coalizão para promover a ideia de que informações financeiras e não financeiras têm que ser integradas aos relatórios das empresas privadas, e quer isso deve ser compartilhado com os seus acionistas. É claro que alguns países estão se desenvolvendo mais rápido do que outros. A França, por exemplo, criou uma lei não apenas para grandes empresas, como também para as pequenas. China e Índia também nesse caminho. Em 2015, todos os países-membro das Nações Unidas se comprometeram com algumas ações até 2030. Mas muitas empresas já estão à frente dos governos e comprometidas com essas questões.
OP - Como consumidores e investidores influenciam esse movimento de pressão para as empresas acenderem os alertas ambientais?
Maria Alexiou - O que a empresa produz pode ser previsível em qualquer lugar, a competição não é mais sobre o produto, não é mais o que você faz. É como você faz. Os consumidores e os investidores estão mais interessados no "como" do que no "o que". Se algo for produzido por uma pessoa que não é paga dignamente pelo trabalho que faz, você não quer. O consumidor, cada vez mais, quer saber do valor que está por trás dos negócios. Isso é o que as novas gerações exigem do mercado. Por isso, agora, por conta desse movimento, as empresas não estão preocupadas somente com o lucro. Os acionistas querem sua parte, mas tem os empregados, os consumidores, as comunidades... A discussão não é mais sobre lucro, é sobre criação de valores.
OP - A Apodi depende da construção civil para vender. Mas o setor é um dos que mais enfrentam gargalos em relação à logística reversa (fazer com que os resíduos retornem para a cadeia produtiva), algo que gera valor. Qual a responsabilidade de vocês nisso?
Maria Alexiou - Economia circular. Estou feliz em fazer um curso em abril, na Alemanha, direcionado a indústrias que estão trabalhando com economia compartilhada no sentido de encontrar metodologias e tecnologias para realmente completar e fazer com que o sistema feche. Não apenas do concreto e tudo mais que tem em um prédio de construção. Vamos demorar, mais ou menos, uns 80 anos para achar o resultado, mas estamos lá. O ser humano tem capacidade de desenvolver soluções, se nós achamos o problema, vamos achar a solução. O importante é perceber e entender que nós vamos trabalhar pela posição correta.
OP- A senhora tem acompanhado a gestão do governo do presidente Jair Bolsonaro, no Brasil? Há algumas questões polêmicas em relação ao aspecto ambiental, como a flexibilização das regras para abertura de empresas. Qual a opinião da senhora sobre isso?
Maria Alexiou - Não sigo política. Mas, na Grécia, por exemplo, o governador está passando por uma crise econômica e está procurando uma nova forma de trabalhar com os investidores. Para mim, os políticos precisam ser educados também. Nós não esperamos que eles saibam tanto quanto nós, que trabalhamos com sustentabilidade, aprendemos ao longo dos anos. É um problema que precisamos entender, adaptar e implementar em várias situações. Por isso que eu repito: a imprensa tem um papel importante e significativo para cumprir, pois forma opinião e influencia os políticos. Quanto mais você investe seu tempo para promover essas ideias, mais você vai empurrar os políticos para tomar a decisão correta. O Brasil se comprometeu a implementar uma ação nacional de voluntariado para 2030. Alguns elementos desse plano são críticos, e eu gostaria de ver o País mais comprometimento com o desenvolvimento da sustentabilidade.
OP - Quais os impactos desse movimento verde para as empresas?
Maria Alexiou - Vejo isso como um compromisso de longo prazo que pode provocar um diálogo entre governos, políticos, setor privado... Os objetivos sustentáveis são uma ferramenta importante sobre o impacto da produção, diferente dos bancos. As empresas de alta tecnologia têm outro impacto. Se você considerar quem teve mais impacto nos últimos anos foi o setor bancário, não foi o cimenteiro. Se você voltar alguns anos atrás, tem o grande colapso do Vale do Silício. A empresa precisa fazer boas avaliações e entendimentos sobre o próprio impacto e responsabilidade sobre isso. Assim, com certeza, nós podemos nos mover para uma situação melhor, mais balanceada, para um futuro próspero.