Com refugiado judeu, ‘O Brutalista’ faz Oscar encarar Trump
Com quase quatro horas de duração, "O Brutalista" se fantasia de espetáculo em drama áspero sobre imigração nos EUA.
11:51 | Fev. 13, 2025

“Eles não querem a gente aqui”, grita o homem, ao volante, dirigindo em fúria enquanto atravessa uma noite de aflição. Sobrevivente do Holocausto, László Tóth é um fictício arquiteto húngaro que se viu obrigado a fugir da Europa para inventar uma nova vida nos EUA, a prometida nação da liberdade.
Como imigrante, porém, ele logo é confrontado por uma realidade alheia às suas ambições como artista e ser humano. Mesmo acolhido por um primo que lhe oferece moradia e emprego, László Tóth é constantemente lembrado que está muito longe de casa. Existe mesmo um destino ali?
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Quando estreou no 81º Festival de Veneza, na mesma competição do brasileiro “Ainda Estou Aqui”, “O Brutalista” chacoalhou a audiência por conta de sua grande extensão.
Com 3h36, o filme é dividido em quatro segmentos (abertura, dois capítulos e epílogo), além de um intervalo de 15 minutos que já faz parte da sua duração – um cronômetro regressivo surge na tela para situar o espectador que ache oportuno ir ao banheiro ou sair para comer.
Venceu o Leão de Prata de Melhor Diretor para Brady Corbet e, desde então, veio traçando uma sólida campanha em direção ao Oscar. Até começo de fevereiro, era o favorito isolado ao Oscar de Melhor Filme e Direção.
Isso até o simpático “Anora”, do Sean Baker, tomar a dianteira com a vitória dos sindicatos de produtores e diretores. Mas o filme segue na corrida porque, de fato, é difícil não se impressionar pela sua robustez.
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Cotado ao Oscar de Melhor Ator, Adrien Brody entrega uma performance fora do comum. Diante de tantas repetições e convenções dos dramas americanos, ele consegue ser explosivo mesmo com tanta contenção e intimidade. Ainda no começo, quando descobre que a esposa está viva, seu choro carinhoso inventa uma sutileza imprevisível e comovente.
Ao longo da trama, Corbet vai guiando a melancolia desse personagem para nos mergulhar nessa ideia de alguém que não consegue, e nem quer, esconder seus traumas, ao mesmo tempo que isso não afeta sua determinação e nem o seu talento. Sua paixão pela arquitetura brutalista, estilo que ganha força justamente no pós-guerra, é apresentada como conversão da sua dor na imponência de construções sem qualquer leveza ou paz.
Quando foi revelado que a produção utilizou Inteligência Artificial para “aprimorar” o sotaque húngaro, surgiu certa desconfiança de que isso pudesse menosprezar as atuações – a cena, porém, dura poucos segundos e é quase figurativa, não afetando diretamente a força da sua atuação.
Narrando a ascensão desse personagem, da sarjeta à glória, a primeira parte do filme é o que há de mais impressionante. Além da presença hipnotizante de Brody, a direção sabe não ser tão quadrada, especialmente quando os enquadramentos fogem dos próprios personagens para criar a sensação de uma realidade que ainda parece delírio.
László chama atenção de um grande empresário americano e, de repente, parece ter encontrado rumo ao seu talento – isso até ele descobrir o limite da sua utilidade.
Na segunda parte, “O Brutalista” se acomoda numa sucessão de tragédias anunciadas e abandona qualquer sutileza que tinha elevado sua discussão até ali. Como a esposa que retorna, Felicity Jones encarna uma personagem frágil demais para que seja levada à sério, assim como Guy Pearce que mergulha de vez na caricatura do seu magnata, levando a trama para uma bagunça de tensões. Apenas no epílogo é que vamos entender algo sobre László, o que parece tarde demais.
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Suponho que essa crueldade tenha sido pensada para elaborar um contraponto àquela permanência estrangeira em meio ao conservadorismo moral dos EUA, mas o resultado é um roteiro grosseiro demais para lidar com os temas graves que evoca. Por outro lado, essa arrogância também é o que contextualiza o filme para o seu discurso contemporâneo.
Em meio ao caótico segundo mandato de Donald Trump, que traçou os imigrantes como primeiros inimigos, a história tem uma clareza atraente para quem pensa em usá-lo como resposta. A Estátua da Liberdade que estampa o cartaz do filme, afinal, não está de ponta-cabeça à toa.
“O Brutalista”, portanto, é um filme regular que também tem momentos sublimes. Nessa ilusão de que sua abordagem é rebuscada ou até inovadora, Corbet parece esvaziar sua história justamente quando tenta criar a sensação épica de um refugiado que, a duras penas, encontrou o seu destino.