Nosferatu: Eggers faz sinfonia horrenda, profana e luxuriosa
Robert Eggers trouxe sua visão de "Nosferatu", clássico do terror e expressionismo alemão, para os cinemas contemporâneosHá mais de um século atrás, o cinema, ainda mudo e preto e branco, se assustava com a figura de Conde Orlok, o Nosferatu. O diretor com, ainda curta, mas destacada carreira, Robert Eggers trouxe de volta a imagem daquele que é um dos personagens mais marcantes da sétima arte.
Escuro, horrendo, profano e luxurioso. É assim que o cineasta retrata a imagem do monstro e vampiro em sua visão. E isto é o que há de mais valoroso na adaptação em cartaz nos cinemas de todo o Brasil, e parece ter encantado o público, desde os saudosos da obra original até os novos apreciadores do terror.
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A imagem de Bill Skarsgard, irreconhecível como Orlok, foi escondida durante a campanha de divulgação, mas é apresentada - jogada ao público - logo no início, causando um arrepio. Eggers e a equipe de maquiagem alteraram alguns aspectos da aparência do Nosferatu, porém ele não deixa de ser asqueroso.
Embora diferente, o visual talvez cause menos desconforto que o clássico trazia, uma vez que esse abraça o lúdico e sobrenatural sem ter nenhuma vergonha de ser nojento, violento e provocar com insinuações (não tão sutis) sexuais. Em muitos momentos, como o referido início, não sabemos o que é realidade ou pesadelo.
Nosferatu: um filme longe do pudor
Falando em falta de vergonha, "Nosferatu" está longe de ter pudor do telespectador. Sua escuridão e temática tensa e pesada dita o tom do filme, por vezes explícito, deixando quem ver com estranheza a cada movimentação.
A temática sobre abuso, negação da ciência, opressão quanto a demonstrações de liberdade e desejo sexual feminino são postos diversas vezes entre linhas até quase no seu ápice ser dita para o menos atento entender do que se trata. Tais temas pesados são vestidos por um não tão tradicional conto de bela e fera.
"Nosferatu", de Robert Eggers, coloca inspirações mais diretas de "Drácula", escrito por Bram Stoker, e coloca um pouco da sua originalidade vista em três filmes anteriores bem executados em propostas simplórias como "A Bruxa" (2015), o lúdico em "O Farol" (2019) e "O Homem do Norte" (2022), bem aproveitado no seu longa mais recente.
Era de se esperar que com a trinca de excelência técnica, "Nosferatu" avançasse na capacidade do diretor de trazer novidades no quesito terror. Ele acerta na obra em que se inspira, mas falta profundidade e coragem para deixar o que já funcionava e mudar o que poderia ser novo. Entre altos, baixos e meios termos, Eggers consegue.
O design de produção e ambientação são em certo momentos impecáveis. A cidade situada na Alemanha da metade do século XIX é crível e bela. Já o castelo do Conde Orlok foge a nossa compreensão. Mas, por estarmos inseridos já na loucura do pesadelo, nos acostumamos, embora seja uma pena o diretor se limitar a explorar apenas a uma pequena sala, e dois outros cômodos da mansão.
A tensão e incerteza é frequente em todo o filme, como Eggers mostrou perfeitamente em "A Bruxa", mas em "Nosferatu" ele se utiliza dos jumpscares e técnicas mais convencionais do cinema como as várias cenas de possessões.
Elenco de Nosferatu: trejeitos exóticos e performance teatral
O elenco está à altura do desafio proposto. Bill Skarsgard interpreta um Conde Orlok com menos trejeitos exóticos do que costuma fazer em seus papéis e com mais presença de tela, por onipresença elegantemente assombrosa. Com a maquiagem pesada, o rosto do ator some, podendo passar despercebido.
Entre os coadjuvantes, Lily-Rose Depp sobra. Desde o início sua personagem é entregue - literalmente - ao que leva o título da obra e a atriz perfomar usando de uma fisicalidade e olhares perdidos. Sua origem e pensamentos são ditos no decorrer de uma possessão, o que pode afastar a imagem mais pessoal de sua Ellen.
Nicholas Hoult, Emma Corin e Aaron Taylor-Johnson não fogem muito do comum de suas costumeiras atuações e servem como ponte para os principais destaques. Já Willem Dafoe imprime e mostra todos os seus trejeitos, lunáticos quando precisa e transforma a linguagem mais teatral, e de seriedade quando o ritmo precisa desacelerar e pisar mais no chão.
Por fim, "Nosferatu" traz ao novo público uma produção que interessa por suas excentricidades. A capacidade de agradar tem se mostrado superior a atender todas as expectativas de quem esperava e sabia que Robert Eggers poderia ser mais audacioso em manter pontos do antigo e fazer um filme diferente dos terrores atual. Diferente ele é, talvez nem tanto para a mitologia do Nosferatu.