Como são as ceias de Natal pelo Brasil

00:04 | Dez. 24, 2024

Por: DW

Peru se consolidou nos últimos anos como um prato tradicional no Natal brasileiro. No entanto, as tradições são variadas pelo país, indo do tambaqui assado à farofa de cuscuz.A ceia de Natal dos brasileiros está bem próxima novamente, e a combinação de peru de Natal com farofa e frutas cristalizadas, além de bolos e tortas doces, povoa um imaginário gastronômico natalino que se tornou tradicional. Mas será que essa ceia de Natal padrão que já nos acostumamos a ver na televisão e nas revistas, ao longo dos anos, é a mesma em todas as regiões do Brasil? Dependendo da localidade, substituições e acréscimos de pratos dão um toque todo especial e singular ao jantar de Natal. Em diferentes partes do Brasil, os costumes locais influenciam na composição da ceia de Natal das famílias. Como muitas pessoas passaram a encomendar a ceia pronta em restaurantes e delicatéssens, é lá que está uma boa amostra do que vem sendo mais pedido nessa época do ano. "Cuscuz com frutos do mar é uma opção que sai bastante", conta Constança Scofield, do restaurante Dona Xícara, em Salvador, que oferece opções por encomenda especialmente para o Natal. Mas o cuscuz, que faz parte do café da manhã de muitos brasileiros, tem uma particular variação principalmente na região Nordeste: a deliciosa farofa de cuscuz, popular da Bahia ao Maranhão, e que nessa época do ano pode levar frutas secas, substitui a farofa comum para rechear o peru da ceia. Diferentes regiões, diferentes tradições Já o chefe de cozinha e pesquisador gastronômico Eduardo Althaus foi buscar na própria história familiar um costume gaúcho que lhe marcou a infância no interior do estado. "Tem algo que é feito antes do Natal, que a gente chama de ‘bolacha pintada', que tem um certo grau de importância pela reunião que acontece para esse tipo de produção", explica. "A família faz a bolacha junta, depois espera secar. Essas bolachas costumam ter um formato natalino, tem toda uma produção que envolve adultos e crianças, são horas de preparo. Essa questão do tempo destinado a produzir as coisas do Natal era uma marca importante", completa. Na vasta região Norte do país, onde está o imenso Rio Amazonas, estão também a maioria das mais de 25 mil espécies conhecidas de peixes de água doce do Brasil, segundo dados da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Por isso, a culinária local é fortemente influenciada pela presença dos rios, e um prato que costuma ser preparado para a ceia de Natal é o tambaqui assado, um peixe conhecido por ter poucas espinhas, o que facilita o seu trato e a sua degustação. Outro peixe comumente servido nas ceias é o pirarucu. Já na região Centro-Oeste, um bom empadão goiano, que leva frango e carne suína, ou uma galinhada com pequi, essa mais comum no Pantanal, e que leva um fruto típico do Cerrado brasileiro, não podem faltar na ceia. Peru, chester, rabanada Em Salvador, o restaurante de Constança Scofield não vende o famoso peru recheado, nem suas variações como o frango assado e o chester. No lugar, o prato mais pedido para a ceia de Natal é o bacalhau gratinado. "O peru é algo mais recente, no passado se fazia algum tipo de carne. Me lembro de comer porco na ceia de Natal, e não necessariamente o frango", explica o sulista Althaus. No Mercado Municipal do Rio de Janeiro (Cadeg), o bacalhau costuma ser um dos itens mais requisitados nesta época do ano. Em rotisserias de São Paulo, as encomendas para a ceia de Natal começam já no início de dezembro. O peru, o chester e o pernil são os campeões de pedidos, e de fato, apesar de tanta variedade disponível, se tornaram o carro-chefe nas mesas de Natal por todo o país. "Me parece que há uma certa homogeneização da ceia de Natal, muito referenciada ao padrão americano", explica Althauss, que estuda alimentação e cultura. Conhecida em partes do Nordeste como "fatia de parida", e consumida em qualquer época do ano, a rabanada — um doce de fatias de pão molhadas em leite e calda de açúcar — se tornou um conhecido prato típico do Natal, mas não era comum ao redor do Brasil. "Só descobri a rabanada depois de adulto. Não é uma característica da ceia do interior do estado do Rio Grande do Sul", diz Althaus. "Nessas ceias que são entregues por restaurantes e padarias se inclui a rabanada, mas como parte desse processo que eu chamo de fusão de elementos da cozinha brasileira", avalia o pesquisador. "Eu acho que é mais do Rio", diz Scofield, com raízes baianas e bastante sotaque carioca, sobre a rabanada e o bacalhau, pratos de origem portuguesa. As várias referências podem ser absorvidas da forma mais saborosa possível. "Minha tia faz uma ceia que contém todas as comidas possíveis, de churrasco à farofa de cuscuz", diz o escritor Saulo Dourado sobre sua ceia de Natal no sertão nordestino. "Antigamente havia a tradição de ouvir o galo da meia-noite para iniciar a comilança, meu pai ainda viveu nessa tradição, mas os ritos estão se perdendo quase por completo", observa. Acompanhamentos, saladas e sobremesas Segundo o site do Ministério do Turismo, o arroz à grega, apesar do nome, é uma invenção tipicamente brasileira. Também muito presente no Natal, o salpicão, uma salada que leva frutas, verduras e frango desfiado é outra receita 100% nacional. "Um elemento da nossa ceia no sul é uma salada de batata, que aqui a gente chama de salada de maionese. Em outros lugares do Brasil come-se salpicão", diz Eduardo Althauss. Nas sobremesas de Natal, os itens regionais também podem dar um tom local aos doces. Um exemplo é a torta que intercala ameixa, pão de ló e baba moça com a cocada, um doce de coco típico da Bahia. "Eu considero que essa é uma torta que tem essas raízes portuguesas e africanas, que é bem uma síntese dessa coisa multicultural que a gente tem na Bahia", analisa Scofield, que não esquece do bolo inglês. "O aroma do restaurante muda durante o período natalino", completa. "Me lembro muito de comer arroz doce e pudim durante o Natal. Outra coisa eram as frutas em compotas, que de certo modo fala da conservação um pouco mais rústica dos alimentos", encerra Althaus. Autor: Lucas Fróes