Autor de 'Textos Cruéis demais' revisita infância em novo livro

Sexta obra de Igor Pires, "Este é um Corpo que cai Mas Continua Dançando" convida os leitores a refletirem sobre a transição da adolescência para a vida adulta por meio de sua jornada pessoal

00:30 | Nov. 18, 2024

Por: George Sousa
Autor paulista Igor Pires fala de novo livro: Sensibilidade (foto: Ana Batista Lima/Divulgação)

Em mundo que constantemente impõe padrões de beleza e perfeição, aspectos reforçados nas redes sociais, a jornada de autoaceitação se torna ainda mais desafiadora. O livro "Este é um Corpo que cai Mas Continua Dançando", de Igor Pires, autor best-seller e criador de "Textos cruéis demais para serem lidos rapidamente", traz uma reflexão sobre essa busca incessante pela identidade e o equilíbrio.

"Para todas as pessoas que já tiveram vontade de abandonar o próprio corpo: é uma bênção te encontrar aqui", a frase, visualizada logo nas primeiras páginas da obra, soa como um convite ao leitor para se aprofundar, não só na história do autor, mas também em sua própria narrativa, refletindo sobre a transição da adolescência para a vida adulta.

"A ideia de escrever 'Este é um corpo que cai mas continua dançando' nasceu da necessidade e compreensão de quem eu era, da relação de amor e ódio que nutria com meu próprio corpo, das muitas perguntas que tinha e poucas respostas que recebia", afirma o escritor paulista em entrevista ao O POVO.

Sexto livro de Igor, a publicação foi escrita em um período difícil para o autor, quando recebeu o diagnóstico raro de doença de Crohn, enfermidade autoimune que consiste em uma inflamação no aparelho digestivo. Diferente de outras obras, o autor escrevia muitas vezes com dor, a caminho do hospital, indo para consultas.

"Eu questionava Deus e o mundo, queria compreender por qual razão aquilo acontecia comigo. Foi um período de bastante instabilidade emocional, quando a escrita e as palavras foram generosos espaços em que conseguia esquecer da realidade, perscrutar alguma espécie de paz, o afago da vida em tempos tão incertos", explica o autor.

Esse processo de se entender enquanto uma pessoa detectada com uma doença que soma mais de 150 mil casos por ano, conforme relatório do Hospital Israelita Albert Einstein, trouxe para Igor um senso de viver um dia de cada vez. "Apenas pessoas que passaram por experiências traumáticas conseguem materializar", afirma ele.

Antes do Crohn e até mesmo do livro, Igor olhava para a "escassez" do seu passado e se questionava se a qualquer momento ela poderia voltar. "Penso que antigamente a consciência de quem sou, artista, ainda estava muito vaga e distante de mim. Eu me sentia pequeno, tinha medo de tudo, o mundo poderia facilmente me silenciar", disse o autor.

Quando convidado a refletir sobre o que a obra mudou em sua personalidade, Igor declara: "Passados dois anos desde que comecei a pensar no livro, consigo olhar para este período e perceber que mudei, mudamos".

Desde seu lançamento, a obra figurou como o sétimo lugar na lista dos livros mais vendidos de ficção do País em setembro, e entrou no top 5 livros mais vendidos no estande da editora Alt/Globo na primeira semana da 27ª Bienal do Livro, um reflexo de como o autor impacta através de sua abordagem sensível e profunda.

O livro, que teve sua primeira publicação em agosto deste ano, busca explorar a complexidade das relações com o corpo, a autoestima e os desafios emocionais e sociais, sempre buscando se atentar às questões de saúde mental e representatividade. Além disso, foi uma brecha que o autor encontrou, também, para eternizar e mergulhar profundamente em suas lembranças antes de adentrar sua terceira década.

"Nas sessões de terapia, eu conversava com a terapeuta sobre fazer um balanço da vida nos últimos anos, afinal, estou prestes a adentrar a terceira década, de modo que o livro também surge das inquietações, sentimentos e revelações sobre o caminho que tracei até agora", assume o autor.

As questões abordadas e que formam o esqueleto do livro são uma carta de amor para a criança e o adolescente feridos de Igor, uma resposta à vida corriqueira: "Há dias em que se é possível dançar também".

"Eles tinham tantas questões com a sociedade, se seriam amados pelo seu eu inteiro, se teriam amigos, conquistaram o mundo. Eles, que tinham muitos sonhos e precisaram correr para alcançá-los. Eles, que agora morrem de orgulho de quem estou me tornando", reflete Igor.

O material é dividido em três partes: "Corpo", "Queda" e "Dança". Logo no início, Igor aborda a infância, a descoberta da doença de Crohn, relação com os pais, questões de autoestima, saúde mental, autoconhecimento e o processo de sair de casa. Na "Queda", ele mergulha e analisa relacionamentos amorosos, familiares ou profissionais. Para finalizar, em "Dança", o autor busca inspirar, através das palavras abordadas no decorrer do livro, o leitor a vivenciar suas dores e frustrações com a aceitação.

Igor também utiliza de sua escrita para fazer com que o leitor procure acreditar na sua força interior e nas possibilidades de novos começos, mostrando por sua perspectiva e testemunhos, que apesar dos desafios, a vida oferece oportunidades para recomeçar e encontrar felicidade nas pequenas coisas.

"Algo sobre ser artista que tem estado na minha mente é que todos nós somos um pouco ressentidos com o mundo. Nós queremos salvá-lo, curar suas dores, fazer com que as guerras parem e crianças não sejam mortas e, por não conseguirmos, produzimos arte", comenta o autor.

"Aí fazemos livros, pintamos obras de arte, fazemos música. Eu acho que à época da escrita de "este é um corpo que cai mas continua dançando" o que eu estava tentando fazer era justamente isso: curar no mundo o que me machucava também", completa Igor.

Sobre a escolha do título do livro, o escritor assume que é "sempre uma tortura" para ele, e completa dizendo que o nome o encontrou. "Após algumas tentativas frustradas de achar nomes, lembrei da parte final de um dos meus textos favoritos, "este ainda é um corpo que dança", do livro "textos para tocar cicatrizes", explica ele.

"'Este mesmo corpo que agora vejo ganhar sonhos e tecer novas emoções e aprendizados/ que vejo sobrevoar um território calmo e tranquilo, sereno e impenetrável/este que é um corpo que cai mas continua dançando'. E quando lembrei desse trecho, tudo pareceu fazer sentido em minha cabeça", completa Igor.

Além do título, profundo e reflexivo, também chama-se atenção na obra suas cores: azul e amarelo. A escolha se deu após uma viagem para Buenos Aires, em abril, e inúmeros sonhos. Uma visita ao bairro do Caminito, na Argentina, o literato foi atraído por algumas intervenções artísticas.

"Por algumas semanas fiquei me perguntando quais seriam as cores do projeto, até sonhei com algumas delas, mas foi viajando para Buenos Aires, que pude ter o sinal que tanto buscava: azul e amarelo por todos os lados me convidaram para viver o intenso. Além disso, o céu é sempre um bom motivo para continuar", pontua o autor.