Coletivo promove ações culturais aos jovens da Barra do Ceará

Coletivo Barramar promove reflexão sobre políticas públicas e culturais que atendam às necessidades da Barra do Ceará, atrelando com atividades lúdicas voltadas para autoestima de crianças periféricas

14:00 | Set. 08, 2024

Por: Carolina Passos
Fortaleza, CE, BR 03.09.24 -Coletivo Barramar, localizado na Barra do Ceará. O projeto tem como objetivo fomentar a arte, cultura, entretenimento e integração social no bairro. Eles possuem oficinas de leituras, capoeira, campanhas sociais e realização de mutirões de limpeza no bairro.  (FCO FONTENELE/ POVO) (foto: FCO FONTENELE)

É recorrente a presença da Barra do Ceará, bairro de Fortaleza, nos noticiários de jornais pela alta taxa de criminalidade e violência – acontecimentos que acabam inibindo assuntos que deveriam ser destacados com mais frequência, a exemplo de ações de arte e educação.

Nadando contra a maré, o coletivo Barramar busca evidenciar justamente essas áreas do conhecimento humano, promovendo aprendizados sobre a cultura afro-brasileira para a população do território. O projeto nasceu em novembro de 2018, idealizado por jovens da periferia, que visam fomentar a arte, criando um ambiente propício para a reflexão sobre políticas públicas e culturais que atendam às necessidades do bairro.

No primeiro momento, o Barramar focava em promover eventos de reggae nos espaços públicos das periferias, mas, com o passar dos anos, os idealizadores Kalil Gomes, Davinci, Lais Eutália, Leandra Costa, Marília e Ozeias Araújo sentiram a necessidade de ampliar a visão para além do popular ritmo jamaicano.

"Desejamos transformar o Conjunto Barramar em um ponto cultural reconhecido por toda a Cidade, onde crianças e moradores possam crescer imersos em cultura e arte e sintam uma profunda conexão com o bairro. Orgulhem-se de suas origens", afirma Ozeias Araujo, integrante do coletivo.

Hoje o grupo promove eventos ao ar livre gratuitamente, proporcionando aprendizados sobre a cultura negra na linguagem musical. Além das oficinas de leituras, capoeira, campanhas sociais e realização de mutirões de limpeza no bairro, o projeto também oferece atividades lúdicas de pintura facial infantil, contação de histórias, gincanas e o cineclube Barramar, práticas que impulsionam a reflexão e criatividade das crianças.

"Não se trata apenas de diversão, mas, sim, de evidenciar a beleza da nossa cultura. Celebramos a força do nosso povo com a intenção de que essas crianças cresçam com a autoestima que um dia nos foi tirada e com sonhos que foram restringidos", enfatiza Ozeias.

Ele acrescenta: "Por meio de todas essas iniciativas, buscamos disseminar conhecimento. Ao escolhermos um livro de autores negros para leitura, ou ao exibirmos pinturas que retratam personagens de nossa cultura, procuramos, a partir da diversão, promover a educação racial", citando como exemplo o livro infantil do Emicida "E foi assim que eu e a escuridão ficamos amigas".

Quem acompanha o perfil do coletivo nas redes sociais consegue perceber que, para além da parte do lazer e da diversão das crianças, o Barramar também foca nas necessidades básicas e também nos direitos da população. E, ao gravar e divulgar os vídeos, buscam evidenciar que elas podem assumir papéis de liderança e se tornar parte ativa de suas comunidades.

"É fundamental que elas (as crianças) entendam que têm a capacidade de ocupar qualquer espaço, assim como qualquer outra pessoa. Muitos de nós fomos condicionados a acreditar que certos lugares e oportunidades não eram para nós. Hoje, com o trabalho em coletivo, todas as atividades que realizamos visam que essas crianças cresçam cientes de que esses direitos são delas, que o básico é apenas o início e que podemos ir muito além disso", reflete Leandra Costa, participante do coletivo.

Por serem um coletivo totalmente independente, os custos para realizarem as atividades acabam vindo do próprio bolso dos idealizadores e dos moradores que contribuem oferecendo lanches para as crianças e energia das casas quando ocorrem eventos nas ruas. Fato que acabou gerando uma relação de confiança dos pais com o projeto.

"Tanto as crianças quanto os pais gostam das atividades, eles amam quando postamos alguma foto ou vídeo no Instagram, são os primeiros a comentar, elogiar e agradecer as atividades. São esses pequenos gestos que fazem a gente ganhar a confiança dos pais. Em julho, deixaram 'uma reca de criança' ir para praia com o coletivo, foi geral a pé, nos divertimos muito, ganhamos essa confiança de cada pai e mãe", destaca.

Leandra, porém, pontua que as principais dificuldades que possuem no dia a dia são de alinhar as atividades do coletivo com questões financeiras e responsabilidades pessoais de cada idealizador, o que pode ser exaustivo e afetar o encontro de todos no projeto.

"Unir nossos trabalhos, estudos e as iniciativas do coletivo, que também demandam esforço, é desgastante. A solução que encontramos para garantir o mínimo necessário é que cada integrante faça uma contribuição mensal. Dessa forma, conseguimos arcar com os custos de água e luz da associação, permitindo a realização das atividades", revela.

Conforme os membros do coletivo, as ausências do poder público e de outras entidades de apoio sobrecarregam ações sociais como vetor de cidadania dentro da comunidade.

"Infelizmente, a periferia é sempre a última a comer o pedaço do bolo, só ficamos com as sobras e quando sobra, então, nos viramos da nossa forma. Seja qual for a atividade que estejamos realizando, é sempre para passar uma visão. Todas as atividades realizadas hoje no coletivo fazemos da melhor forma para incluir geral", revela a jovem.

Já as crianças Islane Vitoria, Leticia Hellena e Leticia Ketlyn afirmam que o Barramar é a “melhor parte do dia”. Elas contam que o que mais gostam de fazer são os passeios que o coletivo proporciona pela Cidade, em especial para todas, o Sana.

"Lá a gente conheceu várias coisas novas que a gente nunca tinha visto e isso foi muito legal", conta Leticia Helena, de dez anos. Mas também destacam as atividades de pinturas que fazem, onde reconhecem a importância de terem autoestima.

"Eu adoro pintar o girassol no meu rosto, um girassol bem grande. Eu fico bonita no final", conta Islane Vitória. Já Leticia Ketlyn arremata: "Eu sinto felicidade quando venho pra cá, muita alegria".

A psicóloga Jucilene da Silva faz trabalho voluntário no Coletivo Barramar e, para ela, o mais interessante é como o grupo possui uma diversidade ampla de atividades disponíveis para se trabalhar com as crianças. A profissional ressalta as ações voltadas à valorização da autoestima dos pequenos — sobretudo no impacto nas crianças pretas.

"Uma das atividades que eu trabalho com eles é justamente essa questão da autoestima. De perceber como eles se reconhecem, se eles têm essa percepção de se reconhecer enquanto uma criança negra. Eu acho muito importante, mesmo, trabalhar e trazer essas temáticas para eles", expõe a psicóloga.

Para o futuro do coletivo, os idealizadores almejam conquistar um espaço ideal para realizar todas as atividades com conforto e segurança na comunidade. Atualmente o local em que tudo ocorre possui três cômodos e um grande quintal para realizar atividades com números maiores de crianças.

"Sonhamos conquistar um espaço que seja nosso, onde possamos criar uma biblioteca comunitária, uma sala dedicada à prática de esportes, um ambiente para estudos, cursos, encontros, eventos e festivais. Poder transformar o conjunto em um verdadeiro centro de cultura periférica, lazer e aprendizado", conta Ozeias Araujo, participante do coletivo.

  • Instagram: @coletivobarramar
  • Ajude através do pix: coletivobarramar@gmail.com
  • Mais informações: (85) 98783-2019 ou 85 99402-910