Gramado: Dira Paes e Fafá de Belém escutam os sons da floresta
Na terça-feira, 13, Dira Paes apresentou "Pasárgada" na competição de longas brasileiros do 52º Festival de Gramado, seu primeiro longa como diretora“Eu tenho a cara do Pará, o calor do Tarubá. Um Uirapuru que sonha. Sou muito mais... Eu sou Amazônia”, cantou Fafá de Belém no palco para homenagear Dira Paes, ao seu lado, que naquela noite apresentaria pela primeira vez um longa-metragem como diretora.
Com a forte presença que já conhecemos bem, sua voz à capela ecoou com potência pelo Palácio dos Festivais, sintonizando a plateia que logo mais seria mergulhada em imagens e sons da floresta.
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“É uma honra estar aqui ao lado dela. Foi uma coincidência de últimos momentos, uma confluência para nós estarmos aqui juntas”, comentou Dira sobre a preciosidade do momento. Fafá usava cadeira de rodas porque ainda estava se recuperando de uma fratura na perna após um acidente doméstico. No filme tocam duas músicas interpretadas pela cantora paraense.
Apesar da cidade natal das autoras e das referências da canção, a história de ‘Pasárgada’ se passa na Mata Atlântica do Rio de Janeiro, longe das grandes cidades, rimando com a relação que o Pará tem com sua Amazônia.
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Dira Paes interpreta uma ornitóloga que se vê dividida entre um conflito ético e o respeito que ela acredita ter pela ancestralidade, enquanto procura por pássaros raros que se escondem pelas matas virgens.
Em cena, Dira reforça a excelência do seu trabalho construído ao longo de uma carreira sólida de filmes, novelas e seriados, da comédia ao drama. Mesmo maravilhada com a diversidade de espécies que encontra, às vezes emocionada com o que vê e escuta, há angústia e tensão que nunca saem do rosto da sua personagem, e que nos anuncia muito cedo o que está errado nessa busca.
Guiando as transformações do enredo, ela divide sua presença com outra mais quieta, a de Humberto Carrão, que aparece em cena quase irreconhecível. Na pele de um “mateiro” que nasceu ali e fala a língua dos pássaros, seu trabalho corporal e de fala consegue ser muito distante dos trabalhos anteriores, fugindo também da caricatura que seria óbvia na imagem de um “homem rural”.
“Ver é ouvir de olhos fechados. A mata é feminina. O filme observa essa mulher em desarmonia, penetrando em si mesma. No começo não queria que houvesse músicas, mas precisei também desse elemento para esquentar e para sublinhar algumas coisas”, comentou Dira sobre o processo de criação.
Suas imagens são discretas, dando ao filme um tom mais morno do que emotivo, de fato. Alguns momentos ainda saltam aos olhos no desprendimento do que é comum, como a sequência de pássaros tiradas de arquivo, os sonhos azuis, os delírios no fogo e a fuga frenética através das árvores, além do sufocante plano final no Peito do Pombo, na região serrana de Macaé.
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Projetando uma denúncia sobre o crescente tráfico de animais silvestres no Brasil, “Pasárgada” pega emprestado a palavra do poema de Manuel Bandeira para construir a contradição que é seu grande drama central, a de que os agentes dessa rede criminosa entendem muito bem por que a natureza desses bichos provoca tanta beleza.
“Eu queria participar de todas as etapas do fazer, a situação de ter um domínio cênico completo”, comentou Dira sobre a experiência de ser protagonista e diretora da mesma obra. Embora o filme não cause grande impressão, parece um bom acerto fazer uma estreia que, mesmo comedida, avança sobre as potências que ela tem como autora, especialmente na parcimônia de uma história que sabe ver a floresta com os ouvidos.
“Pasárgada” está previsto para estrear no dia 26 de setembro nos cinemas brasileiros.