Gramado: Rodger Rogério encarna pistoleiro no cerrado

Aos 80 anos, o músico e ator cearense emocionou a plateia ao lado de Ângelo Antônio, Antonio Pitanga e Babu Santana no goiano "Oeste Outra Vez"

Sob a penumbra de um casebre aos pedaços que mal ilumina seu rosto escondido pelo corpo curvado, a primeira aparição de Rodger Rogério traduz subitamente grande parte da gravidade trágica que o orbita – um homem que, há muito tempo, aprendeu a fazer parte da própria solidão, mesmo ainda tão agarrado a uma vitalidade violenta que não existe mais.

Em “Oeste Outra Vez”, filme de Erico Rassi exibido na noite anterior no 52º Festival de Cinema de Gramado, os homens são todos assim, encastelados dentro de si com uma estupidez que os impede de enxergar a própria falência, sobrando agora apenas a sujeira e a autodestruição.

É + que streaming. É arte, cultura e história.

+ filmes, séries e documentários

+ reportagens interativas

+ colunistas exclusivos

No contexto desta edição de Gramado, parece até um contraponto melancólico ao “O Clube das Mulheres de Negócios” da Anna Muylaert, exibido no sábado, 10.

LEIA TAMBÉM | Gramado: Calor de ‘Motel Destino’ esquenta abertura do festival

Na trama, Totó (Ângelo Antonio) contrata os serviços de Gerônimo (Rodger) para que ele mate um homem que “roubou sua mulher”. Mesmo com a visível fragilidade de seu corpo, a confiança no serviço parece estar apoiada no legado ou na lenda de uma vida moldada na brutalidade.

Com a fala mansa, arrastada e carregada de tristeza, ele aceita, como se fosse a única opção possível.

O plano, claro, dá errado, e o faroeste a passos lentos vai se transformando numa peregrinação onde homens caçam e fogem uns dos outros, petrificados com conceitos muito velhos de honra, coragem e masculinidade – interpretações ferozmente machistas e misóginas do mundo em que eles juram terem construído.

As mulheres sobram e desaparecem na história, alheias a um conflito que nunca foi sobre elas. Tuanny Araújo aparece numa breve cena para partir em seguida, impaciente com o patetismo conjurado à sua frente: Totó e Durval (Babu Santana) que trocam socos como se ela fosse um troféu a ser entregue ao vencedor.

Nesse mergulho no cerrado, impressiona o cuidado da fotografia para retratar o sentimento sufocante desse cenário tenebroso e tirano. A silhueta do cavalo que foge sob a luz dos faróis do carro que o persegue, por exemplo, causa um estranhamento fascinante.

Há uma cena em que Rodger vira quase um fantasma, atirando invisível de um escuro tão profundo que só conseguimos ver a ponta da arma.

Rimando também com a trilha sonora quase meditativa, o clima áspero emerge principalmente quando esses homens precisam conversar e percebemos que são apenas vazios, preenchidos de uma caricatura repetida por gerações.

Como se tentasse emular uma compaixão, Totó pergunta a Gerônimo se um dia ele já se apaixonou por alguém, ao que responde quieto sob um riso silencioso: “Só de longe... assim sem a pessoa a saber”.

Pelo abismo entre o carinho e a violência diante do ódio, essa história pode nos levar até ao sarcasmo de "Os Banshees de Inisherin" (2022).

Aos 80 anos, Rodger Rogério vive protagonista no cinema 

Nunca passou pela minha cabeça que um dia eu seria ator”, comentou Rodger na coletiva de imprensa que aconteceu na manhã desta terça-feira, 13.

Aos 80 anos, ele vive pela primeira vez um protagonista de longa-metragem e celebrou como sua trajetória, mesmo traçada principalmente pela música no Ceará, o trouxe a este momento.

O diretor revelou que havia escrito o personagem para Nelson Xavier, falecido durante a escrita do roteiro, e que demorou para encontrar um substituto à altura.

Outra figura histórica que empresta seu peso é Antonio Pitanga, interpretando um primo que parece viver nas mesmas condições, escondido numa cabana à beira do rio e congelado pelo tempo numa penitência incomunicável.

É tudo triste, mas os diálogos também expressam humor pela forma como se repetem e se encerram porque ninguém sabe falar ou ouvir.

Na cena seguinte do bar, fica claro que “Oeste Outra Vez” constrói o palco dessas vidas agonizantes como se esses fossem os últimos homens do mundo, aprisionados num purgatório cada vez mais perto do inferno.

"Oeste Outra Vez" tem estreia prevista para 2025 nos cinemas brasileiros.

Dúvidas, Críticas e Sugestões? Fale com a gente

Os cookies nos ajudam a administrar este site. Ao usar nosso site, você concorda com nosso uso de cookies. Política de privacidade

Aceitar