Gramado: Comédia irônica de Anna Muylaert divide opiniões

Neste sábado, 10, "O Clube das Mulheres de Negócios" inaugurou a mostra competitiva de longas brasileiros do 52º Festival de Cinema de Gramado

15:08 | Ago. 11, 2024

Por: Arthur Gadelha
Diretora Anna Muylaerte, do longa-metragem brasileiro O Clube das Mulheres de Negócios no 52º Festival de Cinema de Gramado (foto: Cleiton Thiele/ Divulgação )

“Não é culpa sua, o mundo já era assim antes de você nascer”, revela o personagem de Luís Miranda para consolar o amigo que acabou de ser assediado por alguém munida de vários poderes.

A cena, porém, foi feita para ser “engraçada” porque "O Clube das Mulheres de Negócios" cria um mundo onde as mulheres ocupam o lugar do privilégio e os homens, o da opressão, inversão que é feita de forma literal por cima dos estereótipos dos dois gêneros para construir um discurso tão óbvio quanto fechado em si mesmo.

O elenco do filme é composto por atrizes de diferentes gerações, como Cristina Pereira, Louise Cardoso, Katiuscia Canoro, Grace Gianoukas, Polly Marinho e Irene Ravache. Na trama, o jornalista interpretado por Rafael Vitti está fazendo uma reportagem sobre um clube onde mulheres da elite paulista se reúnem para discutirem como gerenciar suas riquezas.

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Elas, porém, são arrogantes e extremistas quanto à supremacia que suas genitálias determinam na “ordem natural” do mundo. A paródia, portanto, está clara. Muylaert está falando dos homens, interpretados por mulheres para estampar a ironia do que essa presença significa: o falocentrismo, o pacto machista da autodefesa e a misoginia violenta.

 

 

Diretora de filmes que já nasceram clássicos, como "Durval Discos" (2002) e "Que Horas Ela Volta?" (2015), Anna Muylaert vem traçando na sua carreira olhares para o comportamento da sociedade brasileira, em especial para as discussões de classe e gênero, como também em "Mãe Só Há Uma" (2016) e "Alvorada"(2021), documentário sobre a queda de Dilma Rousseff. Neste filme ela parece querer dar conta de todas essas questões de uma só vez, mas sob uma roupagem que precisa ser estagnada pela caricatura.

Essa imagem sobre uma riqueza cega na percepção do mundo nos lembra outra história bem popular, a série “White Lotus” da HBO, onde pessoas milionárias parasitam funcionários de hotéis paradisíacos. Mas distante do tom realista dos personagens, o escracho da comédia nos leva para uma referência mais próxima, o cearense "O Clube dos Canibais" (2018), de Guto Parente.

Mas a riqueza, curiosamente, nem é o ponto central, mas o corpo masculino que a ocupa. Enquanto as mulheres estão bem-vestidas, os homens usam bermudas curtas e “roupas atraentes”, além de não terem qualquer voz. Na coletiva de imprensa, Anna comentou que o movimento “Me Too”, aliado à solidão da pandemia, fez com que a ideia do filme ganhasse vida.

"O Brasil é um país muito bonito por cima, mas tem a parte debaixo", disse ao comentar a parte em que o filme mergulha no subsolo do casarão e seus personagens descobrem as coisas que estão escondidas. Nesse trecho a obra vira do avesso e perde as cores radiantes para elaborar os ambientes escuros numa abordagem visivelmente mais assustadora.

Por mais que a certeza dessa literalidade na inversão de papeis atrapalhe sua irreverência, o filme se arma da própria autoconsciência de ser “apenas” uma história irônica, sem camada escondida e até mesmo divertida, mesmo que a plateia tenha rido menos que o esperando no Palácio dos Festivais.

Há uma ousadia celebrável na construção desse paralelo, principalmente por assumir o tom cartunesco do humor e pela inserção de um terceiro discurso para além do que é tão formal nessa visão antiga do que é “homem e mulher”, ao olhar para a ancestralidade da “natureza”.

Como os homens não pode ameaçar a hegemonia de poder dessas mulheres, sobram os bichos. Soltas na floresta ao lado, onças de repente estão soltas e à caça, esbanjando um poder que é constantemente ignorado por aquelas que julgam ter o domínio de tudo.

Mesmo que suas aparições não causem tanta verossimilhança pelos efeitos especiais criados no limite do irreal, impressiona que esses bichos digitais assumam tanto protagonismo quanto estão em cena. Caminham pela casa, sobem no sofá e, claro, atacam. A comédia vira horror.

O enquadramento do sangue derramado sobre as onças-pintadas das cédulas de 50 reais fecha o ciclo da metáfora. Ainda aparecem urubus, cobras, aves e sapos porque a verdadeira “natureza” não está na hegemonia dos homens ou do dinheiro, mas lá fora, voraz e sem piedade, num país ancestral que nem se chama Brasil.

“O Clube das Mulheres de Negócios” tem estreia marcada para o mês de novembro nos cinemas brasileiros.