Peça autobiográfica emociona ao preservar memória de mãe indígena

Solo autobiográfico vencedor do Prêmio Shell, 'Azira'i' emociona ao refletir sobre valores indígenas e contar relação entre mãe e filha no FIT Rio Preto

Das tantas descrições possíveis à peça "Azira’I", ''musical de memórias'' se encaixa bem para abraçar seus sentidos. A ela, são acrescentadas características como ancestralidade indígena, conexão e homenagem. Ao público, cabe a emoção e a compreensão de apreender suas mensagens.

Solo autobiográfico premiado, “Azira’I” apresenta a relação entre a atriz Zahy Tentehar e sua mãe, Azira'i Tentehar, a primeira mulher pajé da reserva indígena de Cana Brava, no Maranhão. O espetáculo foi apresentado em duas sessões lotadas no FIT Rio Preto, festival de teatro acompanhado pelo Vida&Arte.

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Logo de cara, a plateia se depara com cena na qual Zahy Tentehar fala em Ze’eng eté, sua língua materna. A partir disso, constrói comunicação sobre suas origens, até passar a falar, então, a “língua alienígena” — o português. A atriz alterna entre as línguas, ambientando o espectador sobre sua rotina, o local onde vivia e introduzindo a relação com a mãe.

"Azira’i": Entre o aculturamento e a tradição indígena

No centro do debate, o trabalho discorre sobre processos de aculturamento aos quais ambas foram submetidas ao longo da vida. Entre eles, episódios como os registros de nomes indígenas negados no cartório e as muitas horas de caminhadas diárias de Zahy para ir à escola tradicional, assim como seu pai, que não nasceu em Cana Brava, queria.

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No espetáculo, Zahy compartilha os ensinamentos de sua mãe, mas também expõe "sombras" da relação entre as duas. Ao alternar entre o humor e o drama, a atriz envolve a plateia na realidade de um relacionamento complexo entre duas mulheres distintas, mas que estão conectadas para sempre.

"Azira’i": Espetáculo premiado é preenchido por música

Dirigida por Denise Stutz e Duda Rios e produzido pela Sarau Cultura Brasileira, a peça também é marcada pelo uso aprimorado de iluminação, o que não à toa lhe concedeu o Prêmio Shell 2023 de Melhor Iluminação. O espetáculo também deu a Zahy o prêmio de Melhor Atriz, tornando-a a primeira indígena a conquistá-lo.

''Azira’i'' é preenchido pela música em diferentes momentos, desde citações à banda de forró Magníficos à apresentação de lamentos e cantos ensinados pela mãe de Zahy. A pajé suprema faleceu em 2021, durante o processo de criação do espetáculo. Ao fim, uma belíssima homenagem e importantes reflexões sobre aculturamento e preservação da ancestralidade.

Azira’i: ''Relação de muita amorosidade, mas também muito intensa''

Idealizado em 2019, após encontro de Zahy com Duda Rios no elenco da peça ''Macunaíma'', o trabalho é resultado de conversas sobre as vivências de Zahy e como elas poderiam ser transformadas em uma peça. O projeto, inicialmente feito ''sem pretensão'', ganhou contornos cada vez mais expressivos.

Relembre: Vida&Arte acompanhou a edição 2023 do FIT Rio Preto

''Como todo processo, tive altos e baixos, porque aborda a minha relação com a minha mãe. Relação de muita amorosidade, mas também muito intensa, com muitas sombras. Minha mãe era uma pajé suprema com nível muito alto de espiritualidade. Foi uma pessoa que curou, uma mulher muito poderosa, mas também muito humana e falha, assim como eu'', indica ao Vida&Arte.

Ela acrescenta: ''Os ensaios foram bem intensos, de muitos momentos de risos, de choro, de bloqueios emocionais, de querer ir embora, acabar o ensaio e recomeçar no dia seguinte, de muitas tentativas que não deram certo… Assim são os processos no teatro. Não tem nada de muito especial, mas, ao mesmo tempo, é um tema bem intenso''.

Questionada se percebeu algo novo na relação com sua mãe a partir do espetáculo, a atriz considera que não, e que a peça serviu como uma forma de representá-la. ''O que mais me impactou é que senti o que minha mãe sentia. No palco, eu estou emprestando meu corpo para ser a minha mãe. Acho que já sabia o que ela passava. É mais complexo no sentido de construção de camadas. Uma coisa é a gente olhar o outro. Outra coisa é você ser o outro. Tem um peso bem impactante", admite. 

FIT Rio Preto 2024: 55 anos de festival

Realizado em São José do Rio Preto (SP), o FIT chega a 55 anos de história. Ao todo, a nova edição reúne 38 espetáculos, ocupando teatros e espaços públicos da cidade de São José do Rio Preto com 70 apresentações - das quais 34 são gratuitas. A estimativa do evento é de mobilizar 450 artistas, produtores e técnicos ao longo do festival. Brasil, Colômbia, Itália, Bélgica e França estão representados.

Entre os dez estados brasileiros que compõem a programação, o Ceará aparece na lista de atrações com duas peças e uma ação formativa. O evento é realizado entre 18 e 27 de julho. O grupo Inquieta Cia apresenta o espetáculo “Tchau, Amor”, enquanto que a companhia As 10 Graças de Palhaçaria leva ao público a peça “Grand Finale”. Helena Vieira, por sua vez, realiza a ação performativa “Teatro e Memória: O Teatro Frente ao Desafio de Descolonização da Memória no Mundo Contemporâneo”.

*Repórter viajou a convite do Festival

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