Sexualidade e afeto de PCDs são temas de peça no FIT Rio Preto

Espetáculo "Meu Corpo Está Aqui", apresentado no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto, discute sexualidade e desejos de pessoas com deficiência

Quando o público começar a chegar ao teatro, a cortina está aberta e os atores já estão em cima do palco. Cada um observa, em silêncio, a movimentação da plateia à procura de espaço para sentar. De longe, cada artista tem sua perspectiva. Assim como os espectadores têm sobre as histórias que virão.

Esse é um dos elementos que compõem, afinal, o espetáculo “Meu Corpo Está Aqui”, da Cia Fábrica de Eventos (RJ). Apresentado em duas sessões lotadas no Festival Internacional de Teatro de São José do Rio Preto (FIT Rio Preto), o trabalho discute vivências de dor e desejo de pessoas com deficiência (PCDs). O Vida&Arte acompanha o festival in loco.

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Em cena, os atores Bruno Ramos (surdo não oralizado), Haonê Thinar (pessoa amputada), Juliana Caldas (pessoa com nanismo), Pedro Fernandes (pessoa com paralisia cerebral e usuária de cadeira de rodas) e Jadson Abraão (intérprete de Libras) compartilham histórias que põem lupa sobre a invisibilidade de seus corpos e o apagamento da sexualidade.

Reflexões a partir de histórias pessoais

Há, por exemplo, o caso de rejeição sofrida por um rapaz após a garota com quem marcou encontro descobrir que ele era surdo. Discute-se também a situação de quando uma garota, ainda adolescente, não teve relacionamento assumido com um garoto do colégio por ele não querer falar que “estava saindo com alguém sem uma das pernas”.

De ângulos diferentes, a peça de Júlia Spadaccini e Clara Kutner propõe ao público aproximação com a intimidade de vida de pessoas com deficiência. Ao falar sobre afeto, sexualidade e apagamentos, o espetáculo explora maneiras diversas de levar reflexões que ajudem a mitigar preconceitos e estigmas sobre PCDs.

“Meu Corpo Está Aqui” também convida o público a participar de sua construção, com interações pontuais que contribuem para a imersão da plateia na obra e, de certa forma, para o entendimento de que todos fazem parte dessas questões enquanto vida compartilhada em sociedade.

Ironias, humor, carisma e músicas (como “Infinito Particular”, de Marisa Monte) são alguns dos elementos utilizados ao longo de 1h10min de peça. As reflexões causadas, entretanto, duram bem mais.

“Meu Corpo Está Aqui”: sexualidade e observação

De acordo com Clara Kutner, atriz e diretora, o espetáculo nasceu a partir de um convite da atriz, dramaturga e roteirista Julia Spadaccini. A ideia era produzir um trabalho sobre corpos, pessoas com deficiência e sexualidade. O título, “Meu Corpo Está Aqui’, se relaciona com o pensamento de que falar sobre deficiência também é falar sobre corpo.

Além da sexualidade, há outros temas que permeiam a narrativa. “Outro assunto é o da observação, do incômodo de ser observado. Tem uma cena que pergunta se você gostaria de ser observado e em seguida aborda uma situação de duas pessoas com nanismo serem fotografadas sem autorização em uma boate. Isso gera incomodo. É como se elas fossem objetos”, explica Kutner ao Vida&Arte.

“Meu Corpo Está Aqui”: “Temos sensibilidade e desejos”

O ator Bruno Ramos compartilha a construção do espetáculo: “O roteiro foi criado a partir da história de vida de cada um. Trouxe para a sala de ensaio alguns relatos sobre minhas experiências pessoais e a gente foi trazendo uma dramaturgia para o público poder refletir sobre isso. Para a gente poder impactar as pessoas e a sociedade entender essa relação com as pessoas com deficiência, da importância que tem o corpo e a naturalização do corpo da pessoa com deficiência”.

Ele acrescenta: “Assim como qualquer outra pessoa, a gente tem sensibilidade, desejos, então (o intuito é) acabar com essas discriminações, preconceitos e estigmas que acontecem. A gente sabe que cada um tem a sua limitação, estamos tentando sempre estar em pé de igualdade”.

Relembre: Vida&Arte acompanhou a edição 2023 do FIT Rio Preto

Bruno Ramos é acompanhado pelo ator e intérprete Jadson Abraão, que auxilia na apresentação das falas. Sua participação, reforça, não é uma “mera tradução’: “Quando sou convidado não só como intérprete, mas como um ator-intérprete, acho que ganham tanto eu quanto Bruno, porque ele tem uma liberdade maior de poder contar sua história de forma cênica e saber que isso está atingindo aquela entonação. Ganham o grupo, o elenco e toda a plateia para poder ir junto com a história, sentindo cada emoção”.

FIT Rio Preto 2024: 55 anos de festival

Realizado em São José do Rio Preto (SP), o FIT chega a 55 anos de história. Ao todo, a nova edição reúne 38 espetáculos, ocupando teatros e espaços públicos da cidade de São José do Rio Preto com 70 apresentações - das quais 34 são gratuitas. A estimativa do evento é de mobilizar 450 artistas, produtores e técnicos ao longo do festival. Brasil, Colômbia, Itália, Bélgica e França estão representados.

Entre os dez estados brasileiros que compõem a programação, o Ceará aparece na lista de atrações com duas peças e uma ação formativa. O evento é realizado entre 18 e 27 de julho. O grupo Inquieta Cia apresenta o espetáculo “Tchau, Amor”, enquanto que a companhia As 10 Graças de Palhaçaria leva ao público a peça “Grand Finale”. Helena Vieira, por sua vez, realiza a ação performativa “Teatro e Memória: O Teatro Frente ao Desafio de Descolonização da Memória no Mundo Contemporâneo”.

*Repórter viajou a convite do Festival

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