For Rainbow: 'Fumaça Embaixo D’água’ não disfarça sua paixão artificial

Dirigido pelos argentinos Fabio Junco e Julio Midú, ficção de época deixou plateia impaciente na 18º edição do Festival For Rainbow

Quando o personagem Patrício entra em quadro pela primeira vez e interage com os demais em cena, de óculos escuros sob um raio de sol cintilante, a memória pode nos levar ao Reynaldo Gianecchini no começo da sua carreira na televisão, quando seus atributos estancavam na beleza comercial e passavam longe de uma atuação verossímil.

Rodrigo Guirao Díaz, que também é músico e modelo, parece resumir grande parte da sensação de artificialidade que toma a projeção de "Fumaça Embaixo D’Água", filme que encerrou a sessão competitiva na noite de ontem, 26, no 18º For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual. Sua presença custa a convencer com pouca mobilidade, fazendo com que o grande conflito de uma paixão escondida perca muito da sua gravidade emocional.

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Na trama, Patrício volta à fazenda da sua família depois de anos afastado e reencontra Julián, filho dos caseiros com quem dividiu sua infância e algumas descobertas, sendo também responsável por boa parte do seu afeto por aquela terra que, com a morte do pai, agora é propriedade sua.

Embora exista algo sobre essas distâncias de poder entre patrão e empregado, e o vago contexto de uma Argentina que estava de volta à democracia, o foco da história dispersa esse embate porque está interessado apenas na forma como o passado desses dois homens, ora tão submerso, volta à superfície carregado de mágoa e saudade.

O roteiro não ajuda muito na escalada da tensão sexual que os aproxima, deixando tudo sempre óbvio e sem tato, como se apenas repetisse uma série de clichês de amores gays proibidos. Os diálogos duros e expositivos revelam a maior contradição dessa dupla – Patrício, que diz tudo, parece vazio; Julian, que diz quase nada, parece complexo.

Mariano Martínez faz de Julian um personagem abatido, visivelmente corroído pela sua sentença de viver ali desde sempre, obrigado pelos pais a exercer o mesmo trabalho sem que ele nunca tome qualquer iniciativa contrária. Aí mora a principal ideia da história que a trama nunca investiga bem: enquanto ele quer fugir, o outro quer voltar. Como pode esse casal dar certo?

Ao redor, o contexto do círculo social que mantém as relações daquele lugar tenta criar algo relacionável, mas a plateia da sessão só conseguia reagir com risadas impulsivas e fora de hora. Com exceção de Norma Argentina que interpreta a mãe de Julian, as demais atrizes recebem personagens rasas que ocupam apenas a figuração da crise.

Para além das atuações, a própria composição técnica não contribui muito para as emoções, especialmente pelo conjunto de fotografia e trilha sonora que querem criar um tom comovente ou épico que não está na tela.

Para ser justo, há uma cena em que a direção e os atores trazem algo forte – o primeiro beijo de Julian e Patricio que acontece no estábulo sob meia luz de uma lâmpada fraca enquanto a chuva despenca do lado de fora. Há desejo entre os dois, mas também há medo.

“Fumaça Debaixo D’Água”, no entanto, é um filme que não ofende ou entedia, mesmo que mantenha grande parte do seu entretenimento por motivos que não são, necessariamente, consagráveis.

As exibições da Mostra Internacional de Curtas e Longas-metragens do 18º For Rainbow - Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero termina na noite desta quarta-feira, 27, com exibição do documentário "The Ball", de Malgorzata Saniewska.

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