Artista norte-americano realiza mostra de xilogravuras em Luanda

O norte-americano Ryan Daniels inaugura a exposição "Centelhas e Seus Artefatos", em Angola, com retratos em xilogravura da população de Luanda

19:16 | Mar. 20, 2024

Por: Pedro Dias
Artista Ryan Daniels, que inaugura exposição em Luanda, na Angola, utilizando a técnica da xilogravura. (foto: Divulgação/Arquivo Pessoal)

O artista norte-americano Ryan Daniels, na última quinta-feira, 14, inaugurou uma exposição especial em Luanda, capital da Angola. Sua arte utiliza a técnica de xilogravura, muito comum no repertório artístico do Nordeste brasileiro, para gravar rostos de pessoas que o artista conheceu durante sua passagem pela África Central.

A exposição “Centelhas e Seus Artefactos” é resultado de dois anos de reflexão artística de Ryan, que se inspirou nas pessoas, cultura e religião angolana para criação dos retratos.

Segundo o artista, em entrevista ao Vida&Arte, “Luanda foi o elemento principal desse trabalho, mas as ideias que o trabalho explora são universais”. A exposição explora os retratos da população de Luanda, misturando com padrões presentes na cidade Angolana.

“Às vezes são padrões que vejo na arquitetura, em artesanatos tradicionais ou tecidos coloridos que vi na rua. E, às vezes, são imagens de coisas da história de Angola”, explica o artista que prossegue. “Usei as paredes da cidade como inspiração de plano do fundo desse projeto. As paredes contam histórias. Tem azulejos da época do colonialismo, com camadas de tinta colorida descascando e cartazes de todo tipo colados por cima. Camadas e camadas de história“.

Projeto sobre a população de Luanda

Ryan explica que as pessoas que ele escolheu retratar em seu projeto, são pessoas que conheceu pessoalmente e que lhe tocaram de alguma forma. “Todas as pessoas que retrato são pessoas que conheci aleatoriamente na rua. A maioria são ambulantes que ganham seu pão trabalhando nessas ruas”, esclarece.

Ele também conta sobre Sofia, uma vendedora ambulante de frutas que ele retrata na exposição. “Fazia tempo que eu queria retratar Sofia porque ela tem sempre uma expressão serena que repassa uma tranquilidade”. Em seguida, resgatou uma memória, onde presenciou uma mulher insultando as frutas de Sofia afirmando serem “frutas estragadas”. Ryan compartilha: “Nem mesmo essa mulher, maltratando ela, derrubou o zen da Sofia”. E prossegue: “mas me fez pensar que o mundo tem muita desigualdade”.

Quando fala sobre desigualdade, o artista não faz menção apenas à desigualdade social. “Alguém pode ter mais dinheiro, mais poder, mais saúde, mas ninguém tem mais alma do que outro”. Para o artista, “a alma é um pedaço da energia de Deus” e “todo mundo tem essa divindade por dentro”. A reflexão, levantada após presenciar essa situação de desrespeito com a vendedora levou-o a conclusão de que “se cada pessoa simplesmente tratasse os outros como seres sagrados, o mundo seria um lugar melhor”.

Essa perspectiva sacra da vida, também é retratada nas xilogravuras dos personagens de Luanda. Daniels comenta que, após fazer o retrato de Sofia, todos os retratos seguintes vieram acompanhados de uma auréola, representando essa divindade sutil que existe dentro de cada um de nós.

Saiba mais sobre o artista

“Algumas das minhas memórias mais antigas são de desenhar”, afirma o norte-americano. “Acho que toda criança nasce artista (talvez, já nascemos todas as coisas) e vamos perdendo isso com idade.”

Ryan compartilha que seu fazer artístico possuía uma grande força durante a infância, mas que a vida e os caminhos que ela foi o levando, acabaram por distanciá-lo gradativamente da arte. “Na adolescência, a arte virou um abrigo. Eu desenhava em aulas que eu não gostava, eu escrevia poesia pra tentar dar sentido aos sentimentos. Eu fazia esculturas com objetos que senti que eram carregados com alguma energia ou memória”, relembra, completando que “foi nessa época que percebi que arte não é algo que se faz, mas é uma maneira de viver no mundo”.

Sua conexão com o Brasil e o Nordeste veio do fim da sua adolescência, aos 18 anos, quando veio para o País e conheceu a mulher que viria a se tornar sua esposa, fazendo-o voltar ao Ceará quase todos os anos.

Além da arte, Ryan trabalha no campo do audiovisual documental e com fotografia. Entre suas maiores influências, destaca a fotografia de Sebastião Salgado, Henri Cartier-Bresson, e os fotógrafos da Magnum. Apesar dos nomes em destaque, o artista informa que suas referências vão além do que consegue resgatar conscientemente.

“Nesse projeto, por exemplo, eu tirei pedaços de arquitetura, de design de tecidos, da linguagem visual de imagens religiosas. E essas foram só coisas sobre as quais eu estava consciente, sabe? Tem muitas coisas que entram e a gente nem sabe de onde veio”, acrescenta.

Sua conexão com o Ceará e a arte nordestina

“Uma vez, enquanto eu estava visitando família e amigos em Fortaleza, uma amiga indicou um artista que eu provavelmente ia gostar de conhecer. Era o Francisco Delalmeida. Conhecer Delalmeida era como conhecer um irmão perdido. Me lembrou desse pedaço de mim que eu tinha deixado ficar coberto com camadas de detritos da vida.“

Ryan compartilha que sua relação com o Francisco Delalmeida o fez relembrar do fazer artístico que possuía durante a infância e adolescência, mas que com o tempo foi se perdendo. O encontro entre os dois incentivou Ryan a investir na xilogravura e adotar adornos religiosos em sua obra, como uma forma de representação do divino que acredita existir em cada um.

“Eu lembro que na primeira conversa com Delalmeida ele começou falar dessa grande orquestra cósmica que controla todos os eventos das nossas vidas… e eu senti exatamente assim. Tem coisas que acontecem na nossa vida que a gente simplesmente não pode explicar. Eu aprendi, e estou aprendendo, que temos que confiar nessa orquestra e temos que estar atentos aos sinais”, reflete.

Ryan também explica que logo após a abertura da exposição em Luanda, mandou uma mensagem para Delalmeida, “falando como sou muito grato que nossos caminhos se cruzaram. Além de valorizar muito nossa amizade, sou grande fã dele como pessoa, sou fã do trabalho dele e sou muito grato pelo papel dele de me mostrar o verdadeiro potencial de xilogravura. Hoje estou devidamente apaixonado”, afirma com emoção.

Para conhecer o artista