Oscar 2024: 'Zona de Interesse' e o mal ao qual nos acostumamos
Obra polonesa "Zona de Interesse" mostra como os horrores podem se tornar banais uma vez que nos cai no hábito“O pior mal é aquele ao qual nos acostumamos”, escreveu o filósofo existencialista francês Jean-Paul Sartre em sua obra "O Ser e o Nada". Com a frase, entendemos que o sentimento de assombração e terror aos feitos abomináveis pode ser banalizado na medida em que isso se torna comum e cai na rotina.
A produção polonesa e britânica "Zona de Interesse" é astuta e competente ao colocar em prática um exemplo claro da frase dita em 1943, época em que a humanidade viveu capítulos marcados para a eternidade de como o mal pode não ter limites.
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Escrito e dirigido pelo cineasta Jonathan Glazer ("Sob a Pele (2013)", "Reencarnação (2004)"), baseada no romance de Martin Amis, intitulado igual ao filme, o longa é produzido pelo estúdio A24 e mostra a casa do comandante nazista Rudolf Höss (Christian Friedel) e sua esposa, Hedwig (Sandra Hüller), e o restante da família, enquanto vivem pacatamente ao lado campo de concentração de Auschwitz, na Polônia, onde milhares de judeus foram mortos.
Um filme trazer uma história da Segunda Guerra Mundial para as telonas não é nenhuma novidade, vide os clássicos renomados "A Lista de Schindler (1993)", "O Resgate do Soldado Ryan (1998)", "O Pianista (2003)" e diversos outros, mas a abordagem que Glazer traz em sua obra, é um diferencial.
Calmo, por vezes lento, comedido em representação gráfica dos horrores causados e contextualização, o diretor deixa a câmera estática quase todo o filme, centralizada e posicionada mais afastada, nos colocando como telespectadores da rotina e vida da família, não que façam algo de interessante para nos cativar de forma expressiva.
Porém, a banalidade com que as crianças brincam, o comandante conversa sobre os planos e o funcionamento de uma máquina de exterminar pessoas, visitas confraternizam, enquanto a um muro de distância as maiores atrocidades que o homem pode fazer com o outro acontecem, nos fazem questionar a natureza humana daquelas pessoas.
Indicado a cinco Oscars, Direção, Filme Internacional, Som, Roteiro Adaptado e Filme, a produção é incolor, crua, simples, do ponto de vista técnico sem grandes malabarismo que tente o tornar grandioso, mas impecável em suas qualidades.
O som atrás do muro, um dos grandes trunfos da produção, bem como o design de produção que recria quase perfeitamente a casa, de gritos, tiros, mortes e horrores, incomodam a quem assiste, mas não a quem vive ao lado. A maior preocupação parece ser estética, como se cobrir a visão do campo de Auschwitz com vinhas fosse o bastante para que esqueçam o que de fato acontecesse.
Engana-se quem acredita em um roteiro raso em que as falas, ou a falta delas, não leve a lugar algum. A simplicidade neste caso é pertinente e a sensação rotineira é o objetivo. Objetivo esse passado com mérito e maestria do diretor que conduz bem a forma sem pressa do longa, apoiado em boas atuações, calcadas nos detalhes, e conteúdo da mensagem.
O filme é denso, embora caiba a nós imaginar o que ocorre do outro lado do muro, uma vez que isso jamais é demonstrado para nós em "Zona de Interesse", mas os sons, a visitação rápida ao presente com símbolos do que ficou, nos lembra de todo o mal que aconteceu, feito por monstros? Não, humanos, tais quais eu e você.
Essa demonstração de hoje cabe com uma boa alegoria, mesmo que não precise ser expressado com palavras, de que é importante passar a limpo os feitos do passado, mas guardar a memória para que não esqueçamos com o mal que podemos causar a nós mesmos, e jamais deixar com o mal comum, mesmo que aconteça do nosso lado.
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