Críticos do O POVO avaliam novo filme de Martin Scorsese; confira

"Assassinos da Lua das Flores", novo longa de Martin Scorsese, estreia nesta quinta-feira 19; confira resenhas dos críticos João Gabriel Tréz e Jansen Lucas
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Uma das principais estreias dos cinemas nesta quinta-feira, 19, é o longa-metragem "Assassinos da Lua das Flores", novo trabalho do cineasta Martin Scorsese. A trama, com Lily Gladstone, Leonardo DiCaprio e Robert De Niro, adapta um livro que conta uma história real dos EUA.

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Na virada do século XX, o petróleo tornou a nação indígena Osage a mais rica do mundo do dia para a noite. Tanta riqueza atraiu intrusos brancos, que manipularam, extorquiram e roubaram ao máximo o dinheiro do povo nativo Osage antes de assassinar a população.

João Gabriel Tréz — crítico, colunista de audiovisual e coordenador de jornalismo do Núcleo de Cultura e Entretenimento do O POVO — e Jansen Lucas — crítico audiovisual, designer e coordenador de Design do O POVO — compartilham visões sobre a obra.

João Gabriel Tréz: nesga de humanidade

A partir da descoberta no início do século XX de petróleo em território pertencente aos Osage, um dos povos nativos do Estados Unidos, os indígenas da região passaram a receber volumosos recursos em dinheiro. A virada de poder naquele contexto social é o mote histórico e narrativo de "Assassinos da Lua das Flores", novo filme de Martin Scorsese. Adaptação de um livro baseado em um caso real, o longa protagonizado por Leonardo DiCaprio e Lily Gladstone elabora os impactos da exploração capitalista na realidade daquele povo.

Um dos impactos concretos, que dá base à trama principal, é a série de mortes e desaparecimentos de dezenas de Osage nos anos 1920. Investigações sobre o caso pouco se aprofundavam, cenário que só mudou com a entrada do então recém-criado, mas hoje reconhecido, Federal Bureau of Investigation (FBI).

A partir do olhar lançado ao processo histórico de enriquecimento do povo e os consequentes impactos de ordem econômica e humana nos nativos, "Assassinos da Lua das Flores" ressalta o quão incrustados no tecido social são aspectos como o patriarcado, o colonialismo e a branquitude.

Ainda que os Osage detivessem o poderio econômico naquele contexto de forma inegável e reconhecida, os esforços em prol da manutenção das estruturas ditas "naturais" — ou seja, que entendem a figura do homem branco como "superior", em subjugação de qualquer “outro”— operaram de maneira precisa contra mudanças sociais efetivas.

De certa maneira, a forma como o longa de Scorsese escancara essas movimentações, de forma densa, chega a ser incômoda, por vezes parecendo privilegiar o protagonismo das figuras exploratórias em detrimento das possibilidades de narrativas que destacassem a agência dos Osage. Tal construção, porém, não é uma defesa feita pelo filme, mas sim uma representação do estrangulamento que estes agentes e estruturas historicamente poderosas impõem até hoje.

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Jansen Lucas: tragédia olvidada

Em torno de 1870, o povo indígena Osage foi separado de suas terras e realocado em Oklahoma, nos Estados Unidos da América. Porém, com o passar dos anos, essas novas terras mostraram-se uma das maiores reservas de petróleo do país, tornando esse povo originário um dos mais ricos naquela época. No entanto, entre os anos de 1910 e 1930, os Osage sofreram uma série de assassinatos, todos com o único intuito: busca por poder.

“Assassinos da Lua das Flores”, novo filme do aclamado diretor Martin Scorsese, traz à tona alguns desses assassinatos. Inspirado no livro de David Grann “Assassinos da Lua das Flores: Petróleo, morte e a origem do FBI”, o diretor faz um recorte dos vários casos de indígenas Osage mortos dentro de vinte anos.

Com 206 minutos de tela, é inegável que o diretor fez o corte final que queria para o seu longa. Adaptar um livro que conta uma história tão complexa, cheia de detalhes, traz dois desafios imensos. Apresentar tudo de forma fiel e respeitosa, tanto com a obra original quanto com o povo Osage, e manter o público preso a essa história de uma forma que não fosse cansativa.

A longa duração do filme sem dúvidas ajuda no primeiro desafio. Scorsese não tem pressa alguma ao apresentar seus personagens, o que é um grande acerto na apresentação dessa história banhada em sangue e petróleo. Com tantos personagens e tramas envolvidas, um corte menor se tornaria difícil, apesar de não ser impossível. No entanto, a montagem auxilia o diretor nessa árdua tarefa.

A montagem de Thelma Schoonmaker, sem dúvidas, é um dos pontos mais fortes do longa e é uma das responsáveis pela solução do segundo desafio enfrentado pelo diretor. Parceira antiga de Scorsese, Thelma também foi responsável pela montagem do aclamado “O Lobo de Wall Street”, de 2013. Em “Assassinos da Lua das Flores”, ela traz uma montagem que mostra o passar dos longos anos da trama de forma discreta, mas funcional.

A trilha sonora feita por Robbie Robertson aparece de forma recorrente por todo o longa, mas não se torna cansativa. Utilizando elementos que remetem à cultura Osage, a trilha de Robertson integra-se perfeitamente entre roteiro, fotografia e montagem.

A trama foca na família de Mollie Burkhart, interpretada de forma surpreendente por Lily Gladstone. Mollie se mostra uma personagem marcante desde sua primeira cena. É através dos olhos de Mollie que vemos toda a brutalidade por trás dos acontecimentos que assolaram os Osage. O longa não poupa o espectador de toda a brutalidade que o jogo de poderes envolvia naquela época, escancarando para o público todo o racismo e desdém que todo um povo sofreu.

Apesar de abordar bem esses acontecimentos, a interpretação de Lily Gladstone é tão poderosa que acaba deixando o espectador com vontade de ver muito mais da visão dela sobre aquela história, o que, infelizmente, não acontece, apesar do bom tempo de tela dedicado à personagem.

Leonardo DiCaprio também se destaca como Ernest Burkhart, marido de Mollie. Ernest é, sem dúvidas, um dos personagens mais difíceis de compreender da trama. Apesar de o roteiro não apresentar nenhum mistério de fato em torno dele, os sentimentos do personagem trazem muita ambiguidade em relação às suas reais intenções.

DiCaprio apresenta um personagem contido, com um excelente trabalho de expressão corporal que dá espaço para outros personagens se destacarem ao longo da trama, mas que segura bem o protagonismo quando necessário. E, apesar de ser talvez o melhor trabalho de sua carreira, é Robert De Niro que tem o maior destaque quando se fala do elenco masculino.

Interpretando William Hale, um dos pilares da trama, De Niro traz um retrato fiel do homem branco estadunidense, que não pensa duas vezes quando o assunto é matar sua sede de poder. Apesar do tempo de tela consideravelmente menor, o ator tem uma presença tão marcante e imponente, que rouba a cena sempre que está presente.

Como é baseado em um caso real, “Assassinos da Lua das Flores” não tenta fazer mistério sobre seus algozes, algo que poderia sim trazer mais dinamismo e interesse do público em geral. Porem não faz segredo sobre todo o jogo de poder que envolve aquela situação por anos. Apesar de apresentar isso de forma discreta no início e ir escalando ao longo do filme, Scorsese faz questão de deixar claro quem são os vilões ali.

Trazendo uma cena final inesperada, mas impactante, “Assassinos da Lua das Flores” nos faz refletir não apenas sobre aqueles assassinatos, mas também sobre os muitos outros casos de colonização e genocídio no mundo inteiro, que acabam se tornando “meras paisagens” com o passar dos anos, apresentando um desfecho duro e melancólico sobre a realidade.

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