Candidatos defendem mudança em forma de consulta para direção do ICA

O sistema de consulta à comunidade acadêmica sobre novos diretores do Instituto de Cultura e Arte (ICA) tem gerado críticas; candidatos apontam o modelo como "injusto"

Desde 30 de agosto, o resultado da consulta para os cargos de direção e vice-direção do Instituto de Cultura e Arte (ICA), unidade acadêmica da Universidade Federal do Ceará (UFC), tem gerado mobilizações de estudantes e diretórios acadêmicos. A insatisfação ocorre porque a candidatura que ficou em 1º lugar no processo é a que teve menos votos totais, mas mais votos de professores, que têm peso maior em relação a discentes e técnicos-administrativos.

As reivindicações alcançam o desejo de mudanças no sistema atual de votação. O interesse na modificação do modelo também é manifestado pelos outros candidatos que participaram do processo, pois consideram o atual formato “injusto”. Assim, são a favor do equilíbrio na relação de votos entre os diferentes setores que compõem o instituto. O ICA agrega cursos como Cinema e Audiovisual, Dança, Jornalismo, Música e Teatro.

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Antes, uma contextualização. A consulta acadêmica para escolha da nova direção do ICA foi desenvolvida sob a Resolução nº 21/2023, aprovada pelo Conselho Universitário da UFC em julho. Ela prevê pesos diferenciados para os votos de cada grupo. A proporção é de 70% para professores, 15% para servidores técnico-administrativos e 15% para estudantes.

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A votação define os nomes que estarão na lista tríplice da unidade. Após essa etapa, ela é enviada ao recém-empossado reitor Custódio Almeida, que nomeará os novos diretores e vice-diretores da UFC.

No processo deste ano, a chapa vencedora foi a “ICA Pluralidade e Presença Social”, dos candidatos a diretor prof. Marco Túlio Ferreira da Costa e vice-diretora profa. Eveline de Alencar Costa. A dupla conquistou 43,4% dos votos válidos. Já as candidatas a diretora Beatriz Furtado e vice-diretora Denise Parra receberam 42,24% dos votos da comunidade acadêmica.

Destrinchando a quantidade de votos de cada chapa, a dupla vencedora teve apoio de 50 servidores docentes, 25 técnico-administrativos e 98 estudantes, sendo 173 votos no total. Enquanto isso, o segundo lugar foi defendido por 44 docentes, 12 técnico-administrativos e 478 estudantes, totalizando 534 votos.

Para além de um sistema de consulta mais paritário, o movimento de queixas inclui descontentamentos com a definição da chapa ganhadora. Marco Túlio será diretor do ICA novamente, pois também ocupou o posto na última eleição.

A sua gestão reúne críticas de docentes e estudantes a respeito de supostas omissões em denúncias de casos de racismo e homofobia em salas de aula, bem como recusa a realizar debate para a mudança no sistema de votação.

De uma forma ou de outra, o fato é que os debates recentes não se limitam à paridade da votação. Afinal, há o desejo de maior participação estudantil em processos relativos ao ICA e contextualizam o papel dos alunos dentro da universidade. Diretórios acadêmicos da maioria dos cursos da unidade convocaram assembleias gerais na sexta-feira, 1º, para debater a demanda da paridade de votos em processos de consulta para direção.

O desejo pela paridade atravessa o tempo

Integrante da chapa “ICA Vivo e Coletivo”, segunda colocada no processo de consulta, a docente Beatriz Furtado (candidata a diretora e professora de Cinema) contextualiza que a onda de reivindicações sobre o sistema eleitoral não é de agora, pois já havia o desejo de discutir a paridade da votação desde antes da consulta. Entretanto, ela alega que isso foi impedido pela gestão de Marco Túlio em dois momentos.

No período anterior ao início das aulas deste semestre, havia o desejo do Conselho do ICA de discutir como seria esse modelo. Segundo a professora, a atual gestão disse que só colocaria em pauta após ser disponibilizada a portaria sobre qual seria o peso de cada grupo - neste caso, docentes, discentes e técnicos-administrativos.

Ainda assim, quando a portaria foi divulgada, ela afirma que no Conselho do ICA foi pedido para ser pautada a discussão sobre o processo, mas a gestão teria negado. “Nós compreendemos que o processo de discussão da paridade nas eleições não foi feito. A direção do ICA disse que não colocaria em votação alegando ilegalidade”, elenca Beatriz Furtado ao O POVO.

Na análise da chapa, “a paridade deve ser uma pauta a ser discutida urgentemente na UFC”. “Os cálculos da paridade, como praticado em outras instituições, não contemplam os anseios de maior representatividade. Isso se deve ao fato de que o número de servidores e docentes é bem menor, podendo atingir até 100% de votantes, enquanto dificilmente atingiria 100% dos estudantes com vínculos ativos com a Universidade. Ou seja, é preciso encontrar uma fórmula, para a paridade, que expresse melhor o papel dos estudantes no processo eleitoral”, defende.

Diante disso, as candidatas esperam que o atual diretor do ICA “cumpra o estatuto” da unidade acadêmica e convoque a assembleia geral prevista para ser realizada a cada ano. As professoras também revelam que solicitarão ao Conselho do ICA a retirada da chapa da lista tríplice a ser encaminhada ao reitor e ao Conselho Universitário (Consuni). A decisão ocorre levando em conta os problemas enfrentados para o debate da paridade.

Mesmo insatisfeita com a forma na qual o processo eleitoral foi realizado, Beatriz Furtado acredita que o reitor Custódio Almeida deve respeitar o resultado final da votação. “Jamais pediria ao professor Custódio que, como reitor, fizesse uma nomeação à revelia do que será decidido dentro do ICA. Eu acho que esse é um problema do ICA, que o Conselho do ICA deve se responsabilizar e não transferir isso para a gestão superior”, analisa.

“Manifestações expressam as insatisfações dos estudantes”

Os pontos levantados ultrapassam as linhas da votação em si e alcançam também descontentamentos contra a direção de Marco Túlio à frente do ICA. Quanto aos questionamentos de discentes sobre a eleição, Beatriz Furtado compreende que as “manifestações expressam as insatisfações dos estudantes, de parte do corpo docente e parte do corpo dos servidores técnicos pela forma como a direção do ICA silenciou em relação a uma série de problemas” que atingiram os envolvidos.

A professora de Cinema alega que foram feitas denúncias de casos de racismo, homofobia e de condutas de desrespeito por parte de professores em relação aos alunos. Os casos teriam ocorrido em sala de aula, mas a gestão não teria tomado nenhuma atitude.

Ela também pontuou que atualmente a estrutura do ICA está "em ruínas", com problemas em relação a ares-condicionados, equipamentos em falta e dificuldades para, por exemplo, estudantes do curso de Cinema gravarem fora das dependências da Universidade pela falta de seguro para as câmeras, tendo os professores se responsabilizado por isso.

Ao saber dos problemas de sua gestão citados por Beatriz Furtado, Marco Túlio se limitou a responder ao O POVO que “o momento agora é de diálogo e união” e que na nova gestão será necessário “o apoio da Beatriz e do Gerardo”, além de “contar com uma nova perspectiva” no novo mandato.

Para além dos votos

Terceiro colocado no resultado oficial da votação, o professor de Música Gerardo Viana, da chapa "ICA Feliz e Para Todes", compreende que a polêmica mais recente que paira sobre o ICA não se relaciona apenas com o quadro final da consulta. Derivado dessa questão, o pensamento é de que os estudantes precisam conseguir participar mais diretamente das decisões que afetam a unidade acadêmica.

“Eu acho que esse sistema que está colocado agora se reflete na universidade em vários aspectos, inclusive na questão da representação estudantil nos conselhos. Se você vai para o Conselho do ICA ou para os colegiados dos cursos, que são bem a capilaridade do sistema da universidade, você vê que a participação dos alunos tem sempre um peso menor em relação à dos docentes. Há muito mais docentes em cada um desses conselhos do que estudantes. É importante discutir isso”, reforça.

Assim, Gerardo defende a mudança no sistema de percentuais, porque, em sua análise, não é um mecanismo justo. Ele, aliás, destaca que só será pré-candidato na próxima eleição caso haja alteração nos métodos da consulta. “É um compromisso. Eu só me candidato se o sistema for revisto, porque 15% de peso de voto é injusto para estudantes e técnicos-administrativos”, relata.

O professor aponta como “legítimo” o movimento dos estudantes para demonstrar a indignação sobre o processo, mas afirma que, “para essa votação, qualquer coisa que seja feita no sentido contrário (do resultado final) pode levar a uma contestação judicial e complicar ainda mais o processo”.

Na análise do docente, o modelo atual desestimula a participação dos discentes, e isso foi constatado, em sua opinião, na consulta atual, visto que menos de mil alunos votaram - mais de 2.000 alunos integram o ICA. “Acho que, para os estudantes, essa falta de voz - e infelizmente a gente tem enfrentado um silenciamento tácito das discussões dentro do instituto - acaba desestimulando a participação mais direta nas decisões”, enfatiza.

Ele acrescenta: “Não é só a questão do voto paritário ou de outra forma de organização dos percentuais, mas também a representatividade dos estudantes nos diversos órgãos e colegiados da universidade.

Como se posiciona Marco Túlio, eleito diretor

Questionado pelo O POVO sobre como analisa a contestação de representações estudantis a respeito da eleição para o ICA, Marco Túlio indica que recebe “com naturalidade” e aponta que a manifestação dos alunos é “legítima” e “faz parte do processo democrático”.

Além disso, se posiciona sobre o sistema de votação: “Eu entendo o movimento estudantil, acho que a questão da paridade deve ser discutida não só com os estudantes do ICA, mas também com os técnicos-administrativos e os professores. Acho bom estar acontecendo isso agora, porque a gente pode finalmente discutir isso dentro de um processo mais democrático”.

Marco Túlio espera que a nomeação para o cargo por parte do reitor respeite o resultado da votação e afirma que é preciso “seguir a resolução vigente”. Entretanto, indica a necessidade de realizar uma discussão mais ampla sobre o sistema de consulta com participações tanto da reitoria quanto de outras unidades acadêmicas. “Acho que essa é uma discussão mais universal”, compreende.

As demandas dos alunos também tocam nos últimos quatro anos da gestão de Marco Túlio. Foram registradas queixas de alunos de que o comando ignorou “todas as necessidades dos estudantes do ICA”. Marco Túlio diz, porém, que vê com “surpresa” esses relatos, pois estabelece que mantém uma reunião mensal com os centros acadêmicos para escutar as reivindicações dos discentes.

“O que eu acho que não foi compreendido é que a gente passou por um momento muito difícil de recursos orçamentários e da pandemia e que não tinha como atender porque os recursos eram difíceis. Eu vejo que essa é uma dificuldade que existe em toda a UFC, não apenas no ICA", defende.

Ele acrescenta: "Conversando com outros diretores, eles me relataram os mesmos problemas de infraestrutura, mas o diálogo está aberto. Eu estou disposto a negociar e a conversar. A gente tem um novo panorama agora para se discutir os problemas estruturais e acadêmicos do instituto".

“Acolher a livre expressão”

O diretor também se expressou por meio de nota, disponibilizada na íntegra na parte final desta matéria. No comunicado, afirma que “as diferenças fazem parte da democracia” e que, mesmo com divergências, é preciso acolher “a livre expressão e a espontânea manifestação, mesmo contrárias aos resultados”.

Na nota, a chapa também apresenta “disposição para dialogar com todos e todas no sentido de avaliar os fatos ocorridos nos últimos dias e formular, com o conjunto da comunidade, um futuro comum para o ICA”. O documento também resgata a indicação de que o resultado permaneceria o mesmo ainda que houvesse a paridade.

Marco Túlio e Eveline de Alencar também defendem o debate amplo com a comunidade acadêmica sobre a paridade, visando à reformulação da norma atual para os próximos processos de definição de diretorias na UFC.

O que diz a UFC

Procurada pelo O POVO sobre o assunto, a UFC afirmou que a posição da reitoria segue a mesma manifestada na sexta-feira, 1º. Assim, compreende que “o processo de consulta seguiu a legislação vigente e que é uma prioridade do atual reitorado pautar assim que possível nos conselhos superiores o sistema paritário nas consultas internas”.

Como apresentado pelo O POVO, a instituição declara que “as representações estudantis têm todo o direito à liberdade de organização, expressão e manifestação”. A UFC também resgata que Custódio Almeida “já manifestou, por diversas vezes, a defesa de que as listas tríplices devem ser extintas e de que deve haver paridade nas universidades”.

“Quanto à paridade, o assunto já é ponto pacífico para a gestão do professor Custódio Almeida, que se comprometeu, ainda, a encaminhar a questão junto à Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes)”, destaca a instituição.

A UFC ainda adianta que irá discutir com a comunidade universitária demandas para promover reforma nas normas da instituição. "Internamente, a gestão vai promover uma reforma nas normas da UFC, denominada Estatuinte, que deve pautar a paridade nas consultas, entre outras demandas. Os pontos devem ser apresentados para discussão com a comunidade universitária para posterior submissão ao Conselho Universitário”, pontua.

Leia na íntegra a nota emitida pela Chapa 3

No dia 29 de agosto, a comunidade acadêmica do Instituto de Cultura e Arte (ICA) da UFC participou de consulta para a composição de lista tríplice ao cargo de diretor para a gestão 2023-2027.

A expressão de todos os sujeitos políticos da comunidade - estudantes, técnico-administrativos (as) e docentes - no pleito é legítima e deve ser considerada. A livre expressão e a espontânea manifestação, mesmo contrárias aos resultados, também devem ser acolhidas, ainda que haja divergências. Isso é importante: as diferenças fazem parte da democracia.

Por isso, louvamos e saudamos a manifestação dos (as) estudantes do ICA ao expressarem os seus descontentamentos em relação a regras vigentes e a ocorrências que houve nos últimos dias.

Apresentamos a disposição para dialogar com todos e todas no sentido de avaliar os fatos ocorridos nos últimos dias e formular, com o conjunto da comunidade, um futuro comum para O ICA. É um compromisso que firmamos.

Na consulta para a diretoria do ICA, os votos foram calculados tendo como parâmetro o peso de 70% para a manifestação dos docentes, quinze por cento para a manifestação dos técnico-administrativos em educação e 15% para a manifestação dos estudantes devido à legislação vigente, que foi confirmada pela Resolução Consuni/UFC 21/2023.

Com a regra, a Chapa 03 foi vencedora. Entretanto, mesmo se fosse aplicada a fórmula com o peso paritário entre os três segmentos, o resultado seria o mesmo, com a Chapa 03 à frente. É necessário fazer esse esclarecimento para que a comunidade da Universidade tenha conhecimento de que, mesmo com a paridade, a legitimidade do resultado da consulta segue a mesma.

Ainda assim, reconhecemos e incentivamos ainda que, para os próximos processos de definição de diretorias na UFC, a paridade precisa ser amplamente debatida com a comunidade acadêmica, visando à reformulação da norma atual.

Abrimos, portanto, todas as possibilidades e nos dispomos de todas as formas para que a próxima gestão do ICA possa pôr em prática o que traz no nome: pluralidade e presença social.

Um ICA plural e presente precisa de todas e todos.

Professor Marco Túlio Ferreira da Costa

Professora Eveline de Alencar Costa

Chapa 3 – ICA: Pluralidade e Presença Social

 

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