Dia do Folclore: o que há por trás das lendas tradicionais brasileiras
Para celebrar o folclore, entenda como se manifesta hoje a tradição e a ancestralidade na noção de patrimônio imaterial brasileiroFolclore, de folklore, foi um termo cunhado por William John Thoms, um arqueólogo britânico, que, no dia 22 de agosto de 1846, manifestou a oficialização da expressão. Hoje, o conhecimento (lore) do povo (folk) é cristalizado no imaginário popular como uma lembrança na celebração desta data.
Seja Saci Pererê ou Boto Cor-de-rosa, seja o carnaval ou a festa junina que comemora um santo casamenteiro, o Dia do Folclore celebra o que há por trás da tradição popular brasileira e suas diferentes formas de produzir saberes.
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Para entender o que seria uma “tradição popular” do Brasil, Paulo Linhares, colunista no O POVO e professor de Antropologia na Universidade Federal do Ceará (UFC), explica sobre o desenvolver da identidade brasileira em torno do nosso “folclore” e suas simbologias.
Folclore: o que o termo significa?
Numa rápida busca no Google, “folclore” é colocado como um conjunto de costumes, lendas, provérbios e manifestações artísticas em geral, preservado por um povo ou grupo populacional, por meio da tradição oral.
Paulo Linhares afirma que “folclore” é um dos conceitos que opera como um “totem” na área dos estudos sobre Antropologia e Cultura Popular. Ou seja, existem diversas leituras sobre o que seria de fato a significação da expressão nos fenômenos do campo social.
“Com o tempo, há mudanças no que seria o “folclore” e como ele é percebido. As memórias e as tradições orais de uma sociedade não correspondem a uma ideia verdadeira sobre o termo, pois são imagens históricas do tempo”, explica o professor.
Folclore: o processo de designação da expressão no Brasil
O antropólogo chama atenção para o fato de que, no Brasil, a revisão da episteme da expressão passa por marcos expressivos de temporalidade. No primeiro deles, no século XIX, os romancistas nacionais, enquanto um movimento cultural, artístico e literário, recolheram uma ideia romântica do que seria o símbolo de uma identidade nacional.
José de Alencar, escritor cearense e romântico que destinou parte de sua fama na literatura a obras indianistas como “Iracema”, buscou inspirações por meio das pesquisas de Capistrano de Abreu, um historiador e viajante brasileiro.
“Alencar escreveu Iracema com as histórias folclóricas recolhidas por Capistrano e construiu simbolicamente uma ideia de nação, tanto do ponto de vista literário quanto do ponto de vista simbólico. Ele apreendeu, na simbologia da sua escrita, a índia Iracema, que representa parte do mito fundador da América, as duas palavras até brincam com as letras entre si”, explica Linhares.
Outro momento no qual o Brasil passa pelo processo de designação do que é folclore, segundo o professor, é no ápice da Ditadura Militar, quando a busca por um povo essencialmente brasileiro era muito forte. Paulo explica que “se, antes, tínhamos o recolhimento de histórias folclóricas, agora, a partir dos anos 1960, a gente encara a politização do termo”.
O impacto das Ciências Sociais e seus intelectuais, como Florestan Fernandes, impulsionou a pergunta crítica à episteme do folclore antigo: “quem é o povo que produz as expressões e as manifestações da cultura popular tradicional?” ou "como enxergamos a cultura popular?".
Tal crítica se organiza no entorno do que Antropologia pensou como "patrimônio imaterial", reunindo ao folclore e à cultura popular uma variedade de expressões e conhecimentos que confrontam a razão prática ocidental.
Qualquer local, cidade, região ou nação é composto por uma realidade variada de vidas, histórias, hábitos e costumes. No entanto, é agrupamento desta variedade, em nome ou em torno de uma unidade, que possibilita se instituir a noção e o discurso de identidade tradicional predominante.
Onde habita a celebração do folclore de hoje: as tendências da produção artística cearense
Aberta para visitação desde o dia 18 de agosto no Espaço Cultural da Unifor, a mostra “Afinidades Eletivas: estratégias para um mundo mutante” reúne trabalhos de 31 artistas plásticos cearenses. Ao todo, são 60 obras conectadas por “afinidades eletivas” em mídias como instalação, pintura, vídeo, QR Code, paisagens sonoras e criações digitais.
Denise Mattar, curadora da edição, formatou o conceito da mostra a partir da análise de obras já prontas. Ao avaliar a produção cearense, ela percebeu uma tendência também observada na arte nacional e estrangeira: a de grupos de artistas trabalhando em torno de questões urgentes contemporâneas.
As afinidades em questão tratam de temas significativos para a identidade cultural cearense: ancestralidade africana e indígena, questões de gênero, revisão das tradições nordestinas, urbanidades, alertas ambientais e a importância da memória.
Edu Moreira, artista presente na curadoria de Denise, traz em sua obra elementos ancestrais facilmente reconhecidos por aqueles que partilham entre si símbolos indígenas e africanos. Em vídeo, a produção de Edu tem como principal movência a ideia de um corpo ancestral que se manifesta num espaço expandido através da virtualidade e da dança.
“It lives in a house made of straw” é imagem e movimento construindo um ser que traduz elementos presentes em Zangbeto, os tradicionais guardiões vodu da noite, dos costumes iorubá do Benim ao Praiá do povo Pankararu de Pernambuco. O artista fala ainda sobre como sua produção se perpetua a partir de diferentes interpretações e associações.
"Denise Mattar me disse uma vez que ver o meu trabalho era como ver um Zangbeto dançar. Quando eu mostro minha arte para amigos de terreiro, eles a associam com Omulu, o que me emociona muito porque penso que de alguma forma estou manifestando a energia de cura da entidade no meu trabalho", explica.
O trabalho de Edu já foi relacionado por seu público às mais diversas manifestações de cultura tradicional popular, como "moda, tecelagem, macramê, crochê e outras artes tradicionais, como se a obra puxasse tais práticas para perto da tecnologia e da arte contemporânea e isso me deixa muito contente", ele reitera.
As diferentes interpretações e as construções sempre mutantes de elementos ancestrais concretizam os saberes do imaginário popular, um entorno onde o folclore vive e se expande a partir daqueles que reproduzem suas simbologias.
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