Contardo Caligaris reflete sobre vida e morte em livro póstumo

Alguns dos últimos textos inéditos do psicanalista Contardo Caligaris formam "O Sentido da Vida", uma reflexão sobre temas densos da existência, mas na leveza do autor

Em qualquer lugar do planeta, diante de uma indagação sobre qual seja o maior objetivo da vida, a maioria esmagadora das pessoas responderá que é "ser feliz". Esse ideal socialmente compartilhado, que perpassa continentes e culturas foi confrontado, em 2014, pelo renomado psicanalista brasileiro Contardo Calligaris.

Numa entrevista, ele declarou estar mais preocupado em viver o processo, ter experiências interessantes, do que lutar por essa meta simbólica e completamente subjetiva. E a razão para tal desprendimento conceitual, ele explica:  

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"Até aqui, tenho dito que, para mim, a felicidade, seja lá o que ela for, não depende de a vida e o mundo terem um sentido no qual eu acredite. Ao contrário, se a vida tiver um sentido fora dela, nas nuvens do paraíso ou nas dos sonhos, onde vivem as utopias sociais, suspeito que a gente se distraia dela. E não sei se existe uma chance de viver uma vida plena sem destinar a esse projeto toda a nossa atenção", declarou o psicanalista, ensaísta e escritor do texto "Felicidade, uma preocupação desnecessária", um dos capítulos do livro "O Sentido da Vida", editado pela Planeta Brasil a partir do selo Paidós. 

Obra póstuma do pensador, que morreu em março de 2021 e escreveu sobre o tema convivendo com sua doença, publicação compila, em blocos de reflexões, algumas das ideias do analista comportamental acerca de temas centrais da existência e de muito valor para a humanidade. 

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Vida, morte, felicidade, transitoriedade, legado, convivência, vivências coletivas, doenças, fugas e encontros permeiam as páginas, que mais parecem uma conversa, sem pontos e vírgulas mentais entre autor e leitor. 

Das histórias vividas durante a infância, com referências históricas, sociais e políticas, a fatos que tomaram a opinião pública, narrativas de sua escuta clínica, dentre outras referências, Contardo vai levando o pensamento com a mesma maestria com a qual escreveu, por décadas, sua coluna na Folha de São Paulo, também publicada em vários jornais do Brasil, como O POVO. 

No capítulo "Un bel morir", do italiano "uma bela morte", seu idioma de nascimento, o escritor best-seller com o título "Cartas a Um Jovem Terapeuta", toca num dos pontos mais sensíveis aos ocidentais: a normalização da transitoriedade terrena. 

"...a vida não está acima de tudo, não é o valor absoluto. Tem uma série de coisas que estão acima da vida. Cuidado: isso não implica que a gente tenha de passar a vida se preparando para morrer bem ou para fazer bonito na hora da morte", escreve ele para introduzir sua tese sobre a necessidade de se tratar de forma mais natural o fim da vida: "O que nos impede de aproveitar a vida (o que impede o prazer) é se distrair da vida e se desapegar dela. O truque do arrependimento de última hora, por exemplo - você se arrepende, chega um arcanjo e te leva ao paraíso -. tem essa função, o desapego", argumenta. 

Pode parecer uma perspectiva fria para leitores com uma visão mais holística e religiosa sobre os anos de vida, mas Contardo alerta, na verdade, para a importância de uma postura mais presente e atenta ao hoje, ao agora, ao invés de dedicar os dias à expectativa do que virá após o fim da matéria. 

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Costurando pensamentos de filósofos clássicos, em uma bem cuidada edição, que divide trechos de leitura com a reprodução de obras de arte também citadas no texto, Contardo mantém o clima de papeado na cozinha de casa ou na mesa de bar com amigos, ao mesmo tempo em que externa, pela última vez, sua expertise, particular, de tratar assuntos do cotidiano de forma profunda, embasada, mas num convidativo coloquialismo na forma. 

No último bloco, um mergulho no tema "liberdade", mais um dos termos que, na visão do ensaísta, foi desconfigurado de sua intenção denotativa primária mediante as múltiplas ações das forças sociais sobre o consciente e o inconsciente coletivo. 

"Nós tentamos resolver nos outros as dificuldades que temos com nossa liberdade. Quanto mais temos liberdade, mais nos transformamos em algozes dos outros, porque nos outros tentamos reprimir a liberdade que não toleramos em nós mesmos", escreve numa das últimas das 141 páginas. 

"O Sentido da Vida" não trata-se de um tratado nem sobre nascer, nem sobre morrer. Muito menos um roteiro de auto-ajuda ensinando a forma correta de ver a própria existência e sua correlação com os demais.

É, na verdade, um diálogo franco - embora unilateral - com um homem que dedicou a sua passagem na Terra a estudar a psiquê humana, traduzindo, à luz da ciência psicanalítica, da Filosofia e da arte, nossas paranoias e questões comportamentais, tudo como se estivéssemos, com Contardo, na sala de casa, entre vinhos e cafés. 

Na saída, um lembrete: não existe nem ontem, nem amanhã, a vida se dá no agora.  

Lvrio "O sentido da vida"

  • De Contardo Calligaris
  • Editora Planeta Brasil / Selo Paidós
  • 144 páginas
  • Preço do livro: R$ 51,90

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