Crítica: com altos e baixos, 'Black Mirror' inova na 6ª temporada
Marcando o retorno da série após quatro anos, sexta temporada de "Black Mirror" estreia na Netflix trazendo cinco episódios que exploram temas como privacidade, ética e natureza humanaApós uma pausa de quatro longos anos, "Black Mirror" retorna à Netflix e estreia nova temporada. Com todos os roteiros assinados pelo criador, Charlie Brooker, a série volta a mostrar sua maior característica, que muitas vezes deixa os telespectadores inquietos, que é explorar os recantos mais sombrios e distantes da natureza humana (e às vezes nem tão distantes assim).
"Black Mirror" retorna com uma sexta temporada que segue uma narrativa antológica, dividida em cinco episódios: "Joan é Péssima" , "Loch Henry" , "Beyond the Sea" , "Mazey Day" e "Demônio 79". A temporada explora as profundezas da complexidade humana, abordando temas como privacidade, consumo de conteúdo violento, pertencimento e até mesmo a ética por trás dos termos de uso de um serviço.
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Com uma mistura, que inova, entre narrativas contemporâneas, realidades alternativas e até mesmo o sobrenatural/fantasia, a série faz com que o telespectadores confrontem seus limites éticos e morais, para muito além de uma era digital.
O primeiro episódio da temporada, chamado "Joan é Péssima", prende a atenção do espectador logo de início. A história gira em torno de Joan, interpretada por Annie Murphy, uma jovem adulta que descobre que a própria vida está sendo transmitida em uma série no Streamberry (uma espécie de paródia da própria Netflix), mesmo sem autorização dela. Tudo isso devido aos termos de serviço, que ela assina sem ler.
Apesar da discussão super atual que surpreende de início, o episódio acaba se desenvolvendo de forma rasa, e acaba se tornando uma grande sátira sem profundidade alguma. Aqui vemos um dos grandes dilemas da temporada: temas muito bons mas que não se desenvolvem tão bem.
"Loch Henry", segundo episódio, conta a história dos jovens estudantes de cinema e namorados Davis (Samuel Blenkin) e (Myha'la Herrold), que viajam para a cidade natal dele. Após anos longe dos pais, Davis volta para gravar um documentário como um exercício para a faculdade.
Aqui, Charlie Brooker faz o que sempre apresentou de melhor em Black Mirror, que é pegar um comportamento comum na nossa sociedade, como o consumo de documentários mórbidos ou violentos, e escancara toda a crueldade que pode existir por trás disso, mesmo que de forma inconsciente (ou não).
Uma clara crítica ao consumo de conteúdos mórbidos desenfreados e a indústria do cinema em si, "Loch Henry" brilha ao mostrar que "Black Mirror" não precisa necessariamente de grandes tramas que envolvam tecnologia para se fazer valer.
Apesar de não precisar necessariamente de tramas tecnológicas, é indiscutível que às vezes algo do tipo pode fazer toda diferença. O episódio "Beyond the Sea", que conta no elenco de peso com Aaron Paul (Breaking Bad), Josh Hartnett (Pearl Harbor) e Kate Mara (House of Cards), é um bom exemplo disso.
Confira o trailer da temporada:
Cliff (Aaron Paul) e David (Josh Hartnett) embarcam em uma jornada de seis anos pelo espaço sideral. Para se manterem próximos das famílias, dispõem de uma tecnologia de conexão, que liga as mentes deles a “cascas” idênticas a si mesmos na terra, para que possam ficar com seus entes queridos enquanto estão nessa jornada.
O diretor John Crowley constrói com calma toda a tensão em volta dos acontecimentos do episódio, que apesar de ter o maior conflito apresentado nos primeiros minutos, não tem pressa em resolvê-lo, para que o telespectador se surpreenda de forma justa e inesperada no final. Discutindo pertencimento, solidão, empatia e desespero, "Beyond the Sea" é de longe o destaque da temporada.
Mas, se a série começa devagar e vai ganhando fôlego com o passar dos episódios, esse fôlego acaba nele. "Mazey Day" e "Demônio 79" não se fazem valer dentro da temporada (e nem fora dela). Aqui fica claro que o criador e roteirista da série quis inovar, introduzindo fantasia e acontecimentos sobrenaturais nas tramas.
Não é um problema, já que a série não é necessariamente sobre as relações humanas diretamente ligadas a tecnologia. O problema é como esses dois episódios apresentam um dilema, começam a desenvolvê-lo, mas não chegam nem perto de solucioná-lo.
No caso de "Mazey Day" (o episódio mais problemático da temporada), ele sequer começa a caminhar para uma resolução. Parece que a personagem principal vivida por Zazie Beetz (Atlanta), simplesmente acaba no exato mesmo lugar onde começou o episódio. Além de um fator sobrenatural incluído de forma, no mínimo, “aleatória”, isso faz com que o espectador se desconecte totalmente da discussão apresentada.
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"Demônio 79" sofre exatamente do mesmo problema. Simplesmente não consegue decidir que tema vai debater ali. Não que os episódios devam se ater a um único dilema, mas deveriam no mínimo apresentar e resolver um deles. Apesar das ótimas atuações e dedicação em trilha sonora, montagem e fotografia, "Demônio 79" parece um episódio que Brooker escreveu para outra série, mas que no fim encaixou na sexta temporada de “Black Mirror”.
Com altos e (muitos) baixos, a sexta temporada de “Black Mirror” foge da mesmice e se esforça para inovar, devendo agradar o público em geral. Apesar de não surpreender, em grande parte, a série se mantém acima da média quando o assunto é debater a complexidade humana.
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