Peça cearense retoma período da ditadura com vozes femininas
Espetáculo teatral cearense rememora período da ditadura militar com apresentação do dia 26 a 28 de maio, em Fortaleza
17:36 | Mai. 23, 2023
Assim como os versos de Chico Buarque em uma constante tentativa de afastar um cálice de vinho tinto de sangue, o espetáculo teatral “Ato Confessional N°5” nos convida a um mergulho profundo para rememorar o gosto amargo do período da ditadura militar (1964-1985). A obra será apresentada nos próximos dias 26, 27 e 28 de maio, na Casa Absurda, em Fortaleza.
A peça busca, por meio de uma relação mais próxima com o público - presente no palco -, confessar em voz alta as lembranças e fatos históricos, tanto de oprimidos quanto de opressores. O mergulho também reflete o imaginário de uma cidade submersa sobre os nossos pés, onde as memórias residem e ainda ressoam.
“A peça é sobre luta, é sobre grupos de estudantes que resistiram, sobre sobrevivência, é sobre resgatar memórias, é sobre corpos femininos em regime de opressão. A cidade submersa é uma região que está no esquecimento. As nossas personagens relembram essas narrativas para refletir sobre esse momento da história que, por vezes, é esquecido e como ele ainda ressoa nos dias atuais. As confissões para o público serão tanto de memórias de pessoas que sofreram, como dos opressores. Essa confissão vem de uma ideia intimista, por isso o público no palco”, afirma a atriz e dramaturga Annalies Borges.
O espetáculo, com direção de Soares Jr, teve sua estreia em maio de 2018, ano em que se completou 50 anos dos protestos de 1968, marcados pelo Ato Institucional 5 (AI-5), símbolo de um momento de endurecimento da repressão no País. Agora, retorna aos palcos com a intenção de dialogar com os últimos quatro anos de conjuntura política e social.
“Começamos a nos sentir inquietas novamente para trazer de volta à cena o 'Ato Confessional N° 5'. A forma como se banaliza determinados acontecimentos que surgiram na década de 1960 e foram calados por um governo opressor, e hoje com esse desejo que algo assim retorne deveria ser preocupante. Sabíamos da importância de trazer essas memórias de volta que estavam submersas. Então, essas memórias existem, mas estão submersas. Esse discurso de apagamento daquilo que é diferente, que é diverso retornou nesses últimos quatro anos de maneira assídua. Achamos por bem resgatar esse espetáculo para que fosse um espaço de reflexão sobre quais caminhos queremos seguir”, defende Annalies.
Do mestre para aprendizes:
Inspirado na obra “68.com.br” do ator e diretor teatral cearense, Ricardo Guilherme, o espetáculo é fruto de discussões do mestre e das alunas. O texto original reflete as lembranças submersas 30 anos após a ditadura, em 1998, no contexto de navegação da internet. Em um encontro de confraternização de fim de curso com Ricardo Guilherme, as atrizes relembram a obra visto o momento de tensão nas eleições de 2018 e iniciaram os trabalhos. Na adaptação, o cenário das mídias sociais é substituído pelo imaginário dessa cidade submersa de lembranças esquecidas. Os navegantes digitais agora são personagens que, na figura feminina, gritam suas dores e confessam seus atos.
Enquanto mestre, Ricardo ressaltou a importância do debate dessa temática na cena teatral cearense mesmo 55 anos depois. “É imprescindível que se faça essa arte de militância, essa ‘militanciArte’. Porque apesar da derrota eleitoral da extrema direita para a presidência da república em 2022, vivemos hoje ainda uma perspectiva de perigo. Precisamos impedir o avanço dos valores da Ditadura de 1964. O 8 de janeiro provou que a nossa democracia esteve sob ameaça”, afirma Ricardo. O dramaturgo ainda celebrou o fato de novas gerações do teatro abordarem temáticas mesmo não sendo testemunhas diretas do regime.
“É saudável saber que uma geração jovem, que não vivenciou a repressão do Golpe Militar, se interessa pela temática. Bem-vinda esta sintonia de uma gente de teatro que não apenas representa personagens numa história, mas é também personagem da própria história, por intermédio de encenações e dramaturgias, cumprindo assim papéis político-sociais”, comentou Ricardo.
Protagonismo feminino:
O espetáculo contará, em cena, exclusivamente com mulheres: o grupo de teatro Valkírias. Com quase oito anos de atuação, o coletivo feminino busca perpassar diversas linguagens, desde do teatro, audiovisual e recentemente o podcast, tudo a partir de uma perspectiva de mulheres. O “Ato Confessional N° 5” também tratará de testemunhos femininos.
“A peça originalmente é escrita para personagens masculinos e femininos. Nós fizemos algumas adaptações para que essa voz feminina traga essas memórias à tona. A realidade da mulher naquela época são lutas que a gente tem até hoje, como por exemplo a liberdade do nosso corpo. São temas que nos perturbam e que nos fazem voltar ao debate daquela época. Então, às personagens, temos uma sobrevivente, uma militante teatral, uma estudante, uma mãe e uma prisioneira”, ressaltou Annalies.
“Espetáculo Ato Confessional N°5”
Quando: 26 a 28 de maio, na Casa Absurda (sexta e sábado, às 20 horas, e domingo, às 18 horas)
Onde: Casa Absurda (rua Isac Meyer, 108 - Aldeota, Fortaleza)
Quanto: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia)
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