Bárbara de Alencar: conheça a primeira presa política brasileira

Bárbara de Alencar foi uma das responsáveis pelo movimento que conquistou a independência de uma pequena região do Ceará de Portugal

18:15 | Abr. 25, 2023

Por: Ana Flávia Marques
Cena do documentário Desencantando Bárbara disponível no YouTube (foto: Divulgação)

Foi em 1817 que Bárbara de Alencar se tornou a primeira mulher a ser presa no Brasil por motivos políticos. Aos 57 anos, de idade ela foi encarcerada por ter declarado a independência de uma pequena vila na capitania do Ceará de Portugal. Foi assim que o Crato se tornou uma república, mesmo que tenha sido por apenas oito dias, 70 anos antes da independência do Brasil.

Nascida em Exu, Pernambuco, no ano de 1760, Bárbara foi parar no Crato ao se casar com o comerciante português José Gonçalves dos Santos. O casamento aconteceu às escondidas, quando ela tinha 22 anos de idade e o noivo era 30 anos mais velho.

“Ela não abdicou nem mesmo das vontades do coração, ao escolher com quem casar, contrariando um padrão familiar”, declara o pesquisador e mestre em direito constitucional, Luiz Carlos Diógenes.

Essa foi apenas uma das ações de Dona Bárbara do Crato, como também era chamada, que ia contra os costumes da época. No interior do Ceará, a pernambucana passou a administrar os negócios da família, cuidando da produção do engenho no Sítio do Pau Seco, mesmo que naquele período a atividade fosse considerado “coisa de homem”.

LEIA TAMBÉM Ciclofaixa Cultural leva ciclistas a locais importantes da história de Fortaleza

Ainda jovem, Bárbara ficou viúva e matriculou os filhos no Seminário de Olinda. Aliás, um deles era José Martiniano de Alencar, o pai de José de Alencar. Foi nesse período que a família passou a ter contato com ideais iluministas e começou a realizar reuniões em casa com revolucionários, militares da guarda nacional e fazendeiros da região do Cariri.

A agitação política culminou na proclamação da emancipação do Crato no dia 3 de maio de 1817. A república durou oito dias, até o governo português reaver o controle novamente. Após o acontecimento, Bárbara ficou presa por mais de três anos.

“Bárbara, desde 2014, consta no Livro de Aço (Panteão da Liberdade) em Brasília. É uma lei nacional, sancionada pela presidente Dilma. Mas desde de 1810 já era tida como heroína pelo ideólogo e patriarca da Revolução de 1817, Dr. Manuel de Arruda Câmara. Ela participou ativamente da Revolução de 1817 no Cariri e colocou sua família, três filhos, irmãos e familiares na luta pela independência do Ceará/Nordeste do jugo opressor português. Sabia que o crime era de lesa-majestade, com pena capital. Desprendida e abnegadamente esteve à frente do movimento de forma ativa”, afirma Luiz Carlos.

Por que não se fala de Bárbara?

Apesar da importância de Bárbara na história do Ceará e do Brasil, o pesquisador Luiz Carlos Diógenes acredita que a figura da revolucionária não é tão lembrada quanto deveria. “Bárbara inaugurou um feminismo complexo em uma sociedade machista de homens misóginos. Quando a mulher não podia nem falar em política, ela entrou na luta, com consciência de seus atos, movida por um ideário de liberalismo radical, inspirado na Revolução Francesa de 1879 e Americana de 1776", afirma.

"Uma mulher dirigente, à frente do seu tempo, contestando e enfrentando os valores do patriarcado, de uma sociedade conservadora, não convém ser muito festejada pela hodierna e travestida sociedade machista dos tempos atuais”, pondera.

CONFIRA O Brasil perdeu Simone Simões, uma idiossincrática mulher

“O Estado do Ceará deveria adotar uma cultura que refutasse o memoricídio, mormente de quem foi e pode ser ponta de lança na igualdade de gênero, pela sua luta e história consagradas. Ao mundo interessa Bárbara. O Estado deveria proteger e estimular e resgatar a memória desta heroína soerguendo equipamento museológico onde ela está sepultada para todos os tempo”, afirma.

Em 2014, a praça Bárbara de Alencar foi inaugurada na avenida Heráclito Graça, no bairro Aldeota, em Fortaleza. Além de levar o nome da revolucionária, o espaço também foi contemplado com uma estátua de Dona Bárbara do Crato.

No Ceará, o projeto “Desencantando Bárbara” realiza diversas ações para colocar o legado da revolucionária em destaque nos dias atuais. Fundada em 28 de agosto de 2022, na comunidade de Itaguá, no município de Campos Sales (Cariri Oeste), a ação é uma parceria entre a Fundação Sintaf de Ensino e Pesquisa, a Estação de Cultura Ecopedagógica e o Sintaf-CE.

Na ocasião, o mercado da cidade foi palco para a contação da história da heroína nacional e também foi produzido um documentário por pessoas da região, que leva o mesmo nome do projeto e está disponível no YouTube.

O projeto segue realizando ações. No dia 25 de abril, acontece o evento “Entre Bárbaras e fideralinas, mulheres do Cariri cearense”, promovido pelo Curso de Direito da URCA, na EEEP Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau, no Crato, com palestras do pesquisador e mestre em direito constitucional Luiz Carlos Diógenes e do mestre em direito constitucional e políticas públicas Jorge Emicles sobre a importância da figura de Bárbara Pereira de Alencar na luta pela democracia no Brasil.

VEJA MAIS Heloisa de Hollanda é eleita para Academia Brasileira de Letras

Um segundo documentário também está em produção pelo projeto, intitulado “Lute como uma Bárbara”. A previsão de conclusão é para o mês de maio. O pesquisador Luiz Carlos também afirma que há uma proposta do gabinete do deputado estadual De Assis Diniz (PT) de realização de Audiência Pública na Assembleia Legislativa do Estado, tratando da heroína. “Há também interesse do gabinete do deputado Renato Roseno (Psol) de se colocar em Lei a relevância dela”, declara.

Evento "Entre Bárbaras e fideralinas, mulheres do Cariri cearense"

  • Quando: 25 de abril, às 18h30min
  • Onde: EEEP Maria Violeta Arraes de Alencar Gervaiseau (Crato)
  • Os presentes receberão certificado de 4 horas

Podcast Vida&Arte

O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker. Confira o podcast clicando aqui.