Estação das Artes chega ao 1º ano com vocações e questões múltiplas

Com o aniversário do Complexo Cultural Estação das Artes, Vida&Arte convida gestão, artistas, produtores e público para traçar panorama de avaliação dos usos do local

09:00 | Abr. 03, 2023

Por: João Gabriel Tréz
Complexo Cultural Estação das Artes celebra um ano de funcionamento (foto: FCO FONTENELE)

A Estação das Artes é várias em muitas: é o equipamento que conta com pavilhão de acesso, gare (pavilhão principal) e plataforma, ao passo que também é o complexo que acolhe, ainda, a Praça, a Pinacoteca do Ceará, o Mercado Gastronômico AlimentaCE, o Centro de Design e o Museu Ferroviário João Felipe. O início deste percurso remonta a 30 de março de 2022, quando o Governo do Estado entregou o Complexo Cultural Estação das Artes à população, abrindo os trabalhos com funcionamento gradual de cada parte do todo.

Para marcar o primeiro ano do espaço — que compõe a Rede Pública de Equipamentos Culturais da Secretaria da Cultura do Ceará e tem gestão em parceria com a organização social Instituto Mirante —, o Vida&Arte traça um panorama avaliativo a partir de visões da gestão, da classe cultural e do público.

A localidade de Fortaleza que passou a comportar tanta multiplicidade no último ano é velha conhecida do cearense: a antiga Estação Ferroviária João Felipe, que encontra hoje novo uso. "Ao mesmo tempo que permanece ali uma memória arquitetônica, o projeto traz uma modernização. É muito interessante essa conjugação da história com a modernidade", avalia a professora universitária e frequentadora Glícia Pontes.

A visão é ecoada pelo arquiteto Pedro Thomé, também frequentador. "A conservação do patrimônio e a adequação ao novo uso são inspiradoras", afirma. Para além do aspecto de memória, os visitantes destacam a multiplicidade de atrações — de festivais multilinguagens a atividades infantis — como ponto positivo do complexo. É o que diz a aposentada e artesã Maria Lúcia Viana, moradora do Moura Brasil, bairro vizinho ao equipamento.

"Já aproveitei várias programações, tanto exposições como festas juninas, música ao vivo… Tive o privilégio de comemorar os meus 70 anos lá", celebra. "As programações são diversas e o modelo integrado de apresentações musicais, exposições artísticas e mercado gastronômico é muito eficiente", dialoga Pedro.

Glícia, por exemplo, ressalta as várias possibilidades do espaço para a filha Teresa, de dois anos, que acessa oficinas de pintura, contações de história e apresentações de circo — "além do espaço amplo para ela correr, aproveitar", destaca.

Isso é fruto natural do acúmulo de vocações que o espaço guarda. "Cada equipamento que compõe o Complexo conta com uma direção e uma equipe a ela vinculada. Neste sentido, pode-se dizer que funcionam de forma independente, guiados cada um por uma vocação — seja ela memória, gastronomia, design ou artes visuais —, mas conversam de forma permanente entre si na proposição de uma programação diversa e acessível para todos os públicos", resume Uliana Lima, diretora da Estação das Artes.

Para artistas e produtores, o complexo também desponta como palco possível no Estado. O cantor e compositor Zéis, por exemplo, já se apresentou nos festivais Ecléticos e Travessias — o primeiro da produtora WM Cultural e que ocupou o espaço, enquanto o segundo foi iniciativa da própria Estação —, além de acompanhar a programação como público.

"É legal esse formato de festival porque acabei encontrando outros artistas e o público também se diversificou um pouco, foi interessante a experiência. De modo geral, acompanho a programação, eventualmente vou, e é bem interessante a diversificação", avalia.

Produtora cultural da Mercúrio Produção, Nádia Sousa realizou na Estação o festival multilinguagens Barulhinho Delas. Em termos práticos, ela aponta problemas de acústica. "Acredito que a Estação não foi pensada para ter uma ocupação de shows e por isso as apresentações musicais ficam devendo um pouco em relação à acústica do ambiente. Se a ideia é continuar fazendo shows, (se deve) repensar uma sonorização mais adequada", afirma.

Apesar das questões, a experiência é majoritariamente positiva. "A Estação já criou certa demanda no que diz respeito à programação e isso é muito bom para a Cidade, porque a gente precisa ocupar o Centro. Por ter diversidade grande de programação, acaba atraindo para aquele lado da Cidade públicos diversos", elabora a produtora. "Algumas coisas poderiam ser aprimoradas, e aí não diz respeito somente à Estação, como a criação de um corredor cultural entre os equipamentos artísticos que a gente tem no Centro. Poderia ser muito bacana para a Cidade", sugere.

Avançando no debate, Zéis torce por continuidade. "O que penso a longo prazo é um cuidado para que não aconteça o que acontece com outros equipamentos, que ganham muito investimento, dedicação, e com o tempo abre outro e o antigo fica meio escanteado. Tomara que não aconteça com a Estação também", avalia o artista.

Para Uliana, as possibilidades de ocupação do equipamento pelo público — "seja andando de skate e patins na praça, registrando em fotos e vídeos a arquitetura do complexo, visitando as exposições e curtindo a agenda cultural proposta" — reforçam o lugar conquistado pelo complexo: "O Centro de Fortaleza ganhou uma programação estabelecida nas manhãs de domingo, novos movimentos nas tardes de sábado e diferentes sons nas noites de sexta".

Próximos desafios e movimentos incluem, adianta a gestora, o fortalecimento de conexões do equipamento. "Propõe-se daqui para frente a consolidação da Estação das Artes como equipamento de referência para o público de Fortaleza. No projeto de longo prazo, a ampliação do alcance para o Estado do Ceará e para o Brasil, e ainda a atuação como equipamento polo de desenvolvimento social e cultural do Centro da capital cearense", elenca.

Estação das Artes

Quando: de quinta a domingo, em horários variados

Onde: rua Dr. João Moreira, 540, Centro

Gratuito

Mais informações: @estacaodasartes.ce

Acesso à Estação é ponto de crítica

O processo de abertura gradual dos equipamentos do complexo foi acompanhado de um processo também gradual de funcionamento, que foi sendo ampliado com o tempo: de programações somente nas manhãs de domingo a atividades de quinta a domingo. A demanda do público, porém, segue por mais horários e dias. Além disso, limitações de acesso e subutilização da Praça da Estação também são ressaltados por frequentadores.

"Ao longo deste primeiro ano de implementação, o interesse social nas nossas atividades, acompanhado da inauguração dos demais equipamentos do Complexo, proporcionaram a ampliação do funcionamento, sempre com atividades gratuitas e abertas ao público", relata a gestora Uliana Lima.

"Deveria ser (mais) aberto para visitação, já que agora há o Museu Ferroviário, as exposições", avalia a artesã Maria Lúcia Viana — que também cita falta de estacionamento próximo ao equipamento. "Poderia ter uma ampliação de funcionamento, em termos de horário. Ainda está reduzido", ecoa a professora universitária Glícia Pontes.

Uliana adianta que os equipamentos estão "realizando estudo e planejamento das atividades que guiarão o novo ano", e, depois, serão divulgados os horários de 2023.

O arquiteto Pedro Thomé reconhece problemas no acesso. "Algumas vezes não consegui entrar, dada a limitação da capacidade interna, o que é um pouco frustrante", relata. "Em casos onde a programação tem procura maior que a capacidade, talvez o formato pudesse se adaptar a também englobar a Praça da Estação, ou rever a dimensão das áreas de mesa do mercado gastronômico", sugere.

A praça, hoje, recebe o programa "Som na Praça" — com programações como shows instrumentais e apresentações de grupos tradicionais — e o Ocupa Naca, do Núcleo de Ações Comunitárias e Afirmativas (N.A.C.A) do Instituto Mirante — que promove aulas abertas e bailes visando fortalecer grupos e iniciativas das periferias. "O intuito é aproximar o público passante dos espaços culturais, oferecendo novas dinâmicas de sociabilização, valorizando a troca de experiências e estimulando a curiosidade e a criatividade", aponta Uliana.

Além das questões práticas, há também diagnósticos de falta de compreensão plena do equipamento. "A Cidade conhece muito pouco do projeto do equipamento. A gente fala (sobre) para muitas pessoas, mas elas não têm noção ainda de que pode entrar, é aberto e não paga nada. Isso distancia", compartilha Glícia.

"As pessoas ainda acham que é uma coisa restrita, não sabem como é o esquema de entrada, então acho que ainda falta uma divulgação que amplie mais o acesso. Ainda dá sensação de que é um lugar fechado, às vezes não aparenta que é público. É um projeto que tem muito potencial e que acho que poderia estar mais com portas abertas, para as pessoas entenderem que ele é parte da Cidade", avança a professora.

"Por uma questão logística e para garantir a segurança, o conforto e a infraestrutura adequada para o público, algumas festas ainda são realizadas dentro do equipamento, mas fazemos avaliações e estudos permanentes no sentido de garantir a acessibilidade dos eventos para o maior número de pessoas", informa Uliana.

As "diferentes estratégias" de acesso, da entrega de pulseiras no momento do evento à distribuição antecipada e digital de ingressos, foram tomadas com intuito de "sempre garantir a melhor experiência possível para o público, o que envolve alguns fatores como conforto, segurança, além da fluidez no serviço do Mercado AlimentaCE".

"Por se tratar de um espaço tombado na esfera estadual e também inscrito na Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário do Iphan, há uma série de cuidados a serem tomados, especialmente no que diz respeito ao quantitativo de público e às normas reguladoras em eventos realizados em locais semiabertos", segue a gestora.

A avaliação da gestão sobre o acesso ao equipamento é positiva. "A limitação ocorre apenas em eventos pontuais, visando o bem-estar dos visitantes e a preservação da edificação. A avaliação permanente é uma pauta fundamental para Secult e Mirante e os fluxos serão revistos sempre que necessário para o aprimoramento constante do serviço público", afirma.

A Estação e o Moura Brasil

Vizinho à Estação das Artes está o bairro Moura Brasil. A relação de equipamentos culturais com comunidades nos arredores é uma questão central para as políticas públicas do setor, como lembra o cantor e compositor Zéis. "Quando esses espaços aparecem eles tendem a não serem realmente abertos, por mais que seja uma programação gratuita, às pessoas do entorno, que acabam não necessariamente se relacionando muito com o espaço e isso é uma preocupação que todo equipamento dessa natureza tem que ter", aponta.

Moradora referência do Moura Brasil, a aposentada e artesã Maria Lúcia Viana, de 70 anos, atesta: "Há uma boa relação, muitos moradores frequentam", além de "alguns funcionários terceirizados que moram no bairro".

"Os diálogos com a comunidade do Moura Brasil são um princípio básico da atuação do Complexo Cultural Estação das Artes", aponta a gestora Uliana Lima. Ela cita como formas de aproximação as contratações de moradores da comunidade pelo equipamento e a participação de empreendedores locais na feira gastronômica e nos restaurantes da ocupação temporária do Mercado AlimentaCE (TacoBurgers e DM Pratinho), além de parcerias com o Sistema Fecomércio e com o Núcleo de Ações Comunitárias e Afirmativas (N.A.C.A), do Instituto Mirante.

O núcleo, explica Uliana, busca integrar as equipes do Instituto e dos equipamentos culturais geridos por ele aos territórios que ocupam, com elaboração, pactuação e execução do chamado Plano de Articulação Comunitária e Afirmativa. Entre os projetos do N.A.C.A. vinculados ao Moura Brasil, estão o Repartir, rede de articulação entre a gestão do Instituto Mirante e lideranças do Moura Brasil e adjacências; o C.R.I.A., ação de difusão cultural; e o Mapeamento Afetivo Moura Brasil, projeto de pesquisa construído por jovens do bairro que receberam bolsa-auxílio para mapear patrimônios materiais e imateriais da comunidade.

Abertura gradual de equipamentos foi cumprida antes do 1º ano

Desde antes da inauguração do Complexo Cultural Estação das Artes, os anúncios do Governo do Estado davam conta que o espaço acolheria diferentes equipamentos e até instituições. Em textos institucionais da gestão, eram listados como pertencentes ao complexo a Pinacoteca do Ceará, o Centro de Design, a Estação das Artes, o Mercado AlimentaCE, o Museu Ferroviário e, ainda, as novas sedes da Secretaria da Cultura do Estado e do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Ceará. Do planejamento inicial, somente as sedes da Secult e do Iphan ainda não foram implantadas.

O funcionamento de cada equipamento, conforme anunciado à época, seria "gradual". As atividades de todos foram iniciadas antes do primeiro aniversário. De partida, a Estação das Artes e o Mercado AlimentaCE foram os primeiros a ter ações.

Na sequência, o Centro de Design começou programações pontuais, com abertura oficial em dezembro — semanas após a entrega da Pinacoteca, no início daquele mês. No final de janeiro deste ano, abriu o Museu Ferroviário João Felipe.

"A abertura gradual se deu de forma estratégica, levando em consideração o protagonismo de cada equipamento, de acordo com a entrega da infraestrutura necessária para o funcionamento", contextualiza Uliana Lima, diretora da Estação das Artes.

"À medida que o cronograma de restauro e modernização da centenária edificação avançou, foi possível dar um novo passo nas inaugurações, oferecendo mais atividades culturais gratuitas para a população", complementa. "Vale destacar que esse processo também foi e segue sendo orientado a partir de um diálogo com a sociedade, que nos mostra, cotidianamente, a que veio o Complexo Cultural", avança.

A mudança das sedes da Secult e do Iphan para o espaço segue em aberto, mas, conforme informou ao Vida&Arte a secretaria, a pasta está "trabalhando para viabilizar" o movimento.

"As obras das subestações já estão em fase de finalização, em seguida será realizada a ligação de energia. Após concluídas essas etapas, serão feitos os últimos ajustes, como a aquisição de materiais que possibilitem o uso do prédio. Sobre a área onde será a sede do Iphan, também está em fase de finalização e a Secult está em tratativas com o Instituto para definição do plano de ação para a mudança", afirma a nota.

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