Ditadura militar é revisitada em filme que estreia no Dragão do Mar

Com exibição no Centro Dragão do Mar, documentário "Memória Sufocada" remonta momentos de tensão durante ditadura militar que teve início em 1964

Há quase seis décadas o Brasil registrava um dos episódios mais sombrios de sua história, o início do golpe civil-militar de 1964, ato que contou com o apoio da elite e mídia tradicional brasileira. A ação, que tinha como objetivo destituir o presidente da época João Goulart, resultou num regime que perdurou por 21 anos e foi marcado por censura, perseguições e torturas a opositores.

Estreando nacionalmente na véspera do "aniversário" de 59 anos do golpe, o documentário "Memória Sufocada", de Gabriel Di Giacomo, conta esse capítulo da história com a perspectiva do nosso presente. O longa constrói a narrativa de acontecimentos por meio de informações presentes na internet para o acesso de qualquer internauta, porém que muitas vezes são descritos de outra forma.

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Uma sessão especial do longa acontecerá nesta quinta-feira, 30, no Cinema do Dragão a partir das 19h40min. Ela contará com um debate com o público sobre a temática mediado por Kênia Freitas, curadora e programadora do Cinema Dragão, com as participações de Benedito Bizerril, advogado e membro da coordenação nacional da Associação de Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania (ADJC), e Meize Lucas, historiadora e professora do Departamento de História e do programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Ceará.

"Hoje, a informação e a desinformação estão ao alcance de todos. Muitos fatos são construídos nas redes sociais e a realidade é cada vez menos nítida. Este é o ponto central do filme, qual é a 'verdade' histórica e como os fatos podem ganhar novas narrativas com o passar dos anos. Na década de 1960, setores da elite brasileira, com o apoio da mídia, plantaram diversas fake news sobre a situação do País para conseguir levar os militares ao poder, era urgente evitar 'o avanço comunista no Brasil', 'proteger a pátria e a família' e 'acabar com a bagunça", conta o diretor Gabriel Di Giacomo.

O documentário conta com imagens gravadas diretamente do DOI-Codi de São Paulo, órgão criado para o planejamento de ações de segurança e informação, incluindo também a captura e interrogatório de suspeitos. O paulista, em específico, é reconhecido como um dos mais atuantes centro de tortura e assassinatos de perseguidos políticos do País.

O ponto de partida inicial do projeto foi através da leitura de livros sobre a Ditadura, acesso a documentos disponibilizados pela Comissão da Verdade, filmes e conversas com pesquisadores do tema. Entretanto, em decorrência da pandemia, o formato tradicional de gravação precisou ser deixado de lado e a imersão em vídeos presentes na internet foi a solução encontrada. Por meio desta pesquisa, o cineasta descobriu um vasto material disponibilizado pela Comissão da Verdade e pelo Arquivo Nacional. "É interessante, pois todo o material está disponível, mas eu nunca tinha assistido a boa parte dos vídeos, que tem poucas visualizações.", ele comenta.

O material encontrado foi expandido para o website do documentário, sendo possível acessar vídeos e entrevistas com temas relacionados a golpe, repressão e anistia, como também sugestão de filmes. Ele descreve o website como "um convite para as pessoas acessarem o material que serviu de base para construção do roteiro, para que cada espectador possa fazer a sua pesquisa e montar seu próprio filme, mesmo que seja dentro de sua mente".

O diretor também conta ter se surpreendido com as propagandas utilizadas na época, afirmando que elas misturam inocência com perversidade e eram recheadas de mentiras. "Uma delas é uma tentativa de responsabilizar a população pelo aumento da inflação e diz que a solução depende de todos, que basta pechinchar para os preços caírem, parece um esquete. Na época, a inflação estava perto de 40% ao ano e o regime tentando terceirizar a culpa do fracasso econômico para o povo, é uma covardia muito grande".

"Memória Sufocada" é uma visita a dores passadas, mas também se conecta com dores atuais de nossa sociedade, acompanhando a crise democrática atual. Segundo Gabriel, há um paralelo entre o que aconteceu em 1964 e a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018. "O ex-presidente segue promovendo o revisionismo histórico do regime militar com auxílio de influenciadores que tentam construir a imagem de golpistas como heróis. Como um dos resultados, já assistimos a inédita invasão e depredação do Congresso Nacional em 8 de janeiro de 2023. Ainda acredito na velha máxima de que podemos aprender com os erros do passado e que não aceitar a relativização deles é uma forma de no futuro não elegermos novos Bolsonaros."

Memória sufocada

Quando: 30 de março, quinta-feira, às 19h40

Onde: Cinema do Dragão (Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema)

Participações: Kênia Freitas (Curadora e Programadora do Cinema do Dragão), Benedito Bizerril e Meize Lucas (debatedores)

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