Moda inclusiva em Fortaleza: marcas investem no público trans

De loja virtual especializada em público transexual e travesti a modelo do Mondubim que sonhava em ser maquiadora; Conheça a cena de moda inclusiva na capital cearense

10:00 | Fev. 05, 2023

Por: Giselly Correa Barata
Marca La Liberté Store (foto: Divulgação)

Etimologicamente o termo "moda" pode ter muitos significados. Da literalidade do que se veste aos “modos de agir, viver e sentir coletivos”, representa uma forma de comunicação silenciosa. Alinhado às lutas contemporâneas por maior representatividade e diversidade, algumas mudanças se apresentam ainda tímidas, mas promissoras: é o caso da moda inclusiva, que abrange desde peças plus size a outras voltadas para a comunidade LGBTQIA+.

Em Fortaleza o mercado da moda inclusiva está em formação, mas algumas marcas já demonstram estar atentas ao segmento. É o caso da La Liberté Store, e-commerce cearense de peças transmasculinas e de homens trans, especializado em binders e compressores.

Fundada em 2016, a história da marca se entrelaça com o processo de transição de Apollo Martins, fundador da La Liberté. “Comecei fazendo para algumas pessoas em Fortaleza e acabou, no boca a boca, se espalhando. Com ajuda das redes sociais, também comecei a alcançar pessoas dos estados próximos. Foi um trabalho de formiguinha que foi se espalhando e conquistando espaço”, diz ele.

Com a demanda crescente, o empreendedor passou a buscar mais conhecimento sobre costura para poder aprimorar as peças.

“Antes, só havia no mercado binders com dois tamanhos: 15cm (para quem tinha pouco a médio volume de busto) e 23cm (para tamanho grande). Hoje disponibilizamos mais de sete modelos para atender diferentes tipos de corpos e a loja é a maior do Brasil, realmente especializada”, comemora.

Além dos propósitos comerciais, a La Liberté Store quer fomentar a liberdade. Nas redes sociais promove publicações informativas sobre temas como saúde LGBTQIA+, retificação de documentos, serviços gratuitos, produtos e política.

“Além da venda dos binders, buscamos compartilhar informações para ajudar pessoas trans em seu dia-a-dia, durante o processo de transição, social ou hormonal e, principalmente, alertar sobre o uso inadequado dos compressores. A vida das pessoas trans importa e esse compromisso tem que existir, principalmente, de lojas e serviços que atendem a esse público”, explica Apollo Martins.

Sem deixar de citar as dificuldades de ser uma pessoa transexual e empreender, ele comemora o fato dos clientes virarem grandes amigos e uma rede de apoio.

De maquiadora a modelo

Diferente de grande parte das modelos, Brena Matos, 29, não foi uma menina que sonhava com as passarelas. No Mondubim, onde cresceu, as maquiagens que a faziam brilhar os olhos, enquanto observava as tias arrumarem as noivas. Ela queria dar continuidade a tradição de maquiadoras.

Aos 15 anos de idade, no Projeto Fera Fashion deu os primeiros passos da carreira. “Essa minha história, hoje, não é só sobre transexualidade. Sou uma pessoa que veio da periferia, que passou fome, tenho pai ex-presidiário, fui criada dentro de uma comunidade em que a violência era muito grande. Eu venho de uma realidade em que chegar onde estou era impossível e por isso digo: a transexualidade, na minha vida, foi o que me salvou”, declara Brena.

Não demorou muito para migrar de área: “Olha eu estou te demitindo como maquiadora e agora você é minha modelo”, escutou do chefe.

“Uma cena muito pequena” é como enxerga o mercado cearense de moda inclusiva a modelo e maquiadora Brena Matos. Ela argumenta que as pessoas que fazem moda inclusiva são minoria e que o modelo tradicional de varejo ainda predomina no Estado.

“Ainda acho que no Ceará a moda é muito comercial, às vezes comercial antigo de ‘vamos fazer só o que realmente vende’”, argumenta Brena.

Já tendo passado por passarelas Ceará afora, Brena é crítica ao chamado “pink money”, ou seja, a exploração comercial da comunidade LGBTQIA +. “Tem marcas que só usam meninas trans no mês da visibilidade, porque precisam dizer que é inclusiva. Mas há marcas que fazem isso o ano inteiro”, alerta.

Novos projetos

Uma publicação em rede social foi capaz de inspirar Lú Sousa, escritora e consultora em diversidade sexual e de gênero, a começar um negócio. Mulher trans, ela compartilhou, de forma espontânea, uma foto vestindo um kit da marca “Beleza Rara Moda Trans” no instagram. Imediatamente viu o instagram “lotar” de pessoas em busca das peças.

“Eu fiquei bem surpresa, porque fiz a publicação morrendo de constrangimento”, revela.

Com a repercussão, identificou a possibilidade de empreender. Em 2023, pretende lançar no mercado cearense a marca “Transveste”. “Vai justamente ao encontro com a proposta de moda inclusiva”, antecipa Lú.

“As pessoas ainda têm muita curiosidade sobre os corpos trans. Uma fantasia, um desejo, uma curiosidade de como seriam nossos corpos”, define a consultora.

Há dois anos, ela faz uso do Instagram para gerar o que considera “uma aproximação com as pessoas e de desmistificação deste ‘ranço histórico’ geralmente imbuído de preconceitos do que seria uma vivência trans”.

“De repente eu me lanço neste espaço (da rede social) em uma perspectiva de falar sobre afeto, sobre amor, cuidado e sempre ficou essa curiosidade: e essa corpa? Por que ela não está se mostrando?”, interroga Lú, que usa do espaço para explorar suas subjetividades e ir além de uma “vitrine do corpo”, como define.

Ser transexual, para ela, é transformar o corpo - e, portanto, o que ele veste - em um agente político. “Por que a gente tem que caber na forma dos outros? Eu não sou uma mulher cis. Eu não tenho porque vestir uma calcinha de uma mulher cis”, demarca.

A Transveste, que terá início no formato online, se propõe a ser abrangente. “A moda inclusiva que eu me coloco à disposição de construir não é voltada só para pessoas trans. Ela tem uma pegada para pessoas mastectomizadas, com deficiência e gordas”, exemplifica. Lú Sousa, que também é escritora, tem na máxima “Cole seus cacos com afeto” a síntese do novo momento.

“Eu penso que a Transveste vem com essa perspectiva, de criar uma rede de afeto, de proteção. Se essa moda consegue, para além de vestir a ‘corpa’, consegue cuidar, isso é imensurável”, encerra a empreendedora.

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