Coluna Vanessa Passos: Por que deixá-las morrer?
Nós, escritoras, queremos contar nossas próprias histórias, sob nossas perspectivas e olhares
10:00 | Nov. 30, 2022
Em uma das mesas oficiais da FLIP - Festa Literária Internacional de Paraty, a mediadora invocou a presença de Maria Firmina dia Reis (escritora preta e nordestina, natural de Pernambuco). Seu romance Úrsula foi o primeiro a ser publicado por uma mulher no Brasil. A homenagem foi bonita. Fechei os olhos, me arrepiei e, de fato, senti sua presença por perto.
Mas, ao abrir os olhos, me perguntei: por que deixá-las morrer para que possam homenageá-las?
A pergunta ficou ressoando em mim.
Quando saí da mesa, ainda com a pergunta engasgada na garganta, fui convidada para dar uma entrevista para o jornal do Rio de Janeiro. O jornalista me perguntou quem eu era e o que estava achando da FLIP que, neste ano, teve uma programação muito mais diversa e plural.
Eu olhei nos seus olhos e disse que precisamos de mais. Ele franziu a testa, confuso, e me perguntou se eu não achava que a FLIP tinha sido mais diversa e plural esse ano. Convicta, respondi que sim, mas emendei novamente a frase: precisamos de mais.
A FLIP completou 20 anos de programação e Maria Firmina dos Reis foi a primeira autora preta a ser homenageada. Em todas as edições, apenas 4 mulheres foram homenageadas: Hilda Hist, Clarice Lispector, Ana Cristina César e Maria Firmina dos Reis.
Sim, precisamos de mais. Precisamos continuar forçando passagem, como diz Conceição Evaristo. Precisamos continuar cavando espaços para nos caber, como disse numa entrevista assim que venci o Prêmio Kindle de Literatura.
Nós escrevemos há muito tempo. Não é de agora. A diferença é que estamos forçando passagem cada vez mais. A diferença é que os leitores (que têm um papel importantíssimo para o mercado editoral e que, muitas vezes, desconhece) tem cobrado uma literatura mais plural e diversa.
Nós, escritoras, queremos contar nossas próprias histórias, sob nossas perspectivas e olhares. E não, isso não se trata de literatura feminina, isso é literatura universal.
E espero de verdade que não demore mais 20 anos para uma escritora preta ser homenageada num evento literário internacional.
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