Coluna Vanessa Passos: O que os manuais de literatura não me ensinaram

Não desconsidero a importância dos cursos e oficinas de escrita, nem cuspo no prato que como, como professora de escrita, longe de mim

13:00 | Nov. 09, 2022

Por: Vanessa Passos
Ilustração feita por Eduarda Moiano (foto: Eduarda Moiano )

Escrever não é um cálculo matemático, um ato puramente cartesiano, em que se junta dois mais dois, ou ainda, jogam-se no caldeirão os ingredientes: personagem, espaço, tempo, enredo e, voilà, temos uma história. É preciso muito mais do que isso para dar vida a uma narrativa. É por isso que não se podem ver os manuais de literatura puramente como receitas de bolo.

Quantas vezes já tentei imitar a receita do bolo de cenoura da minha mãe passo a passo e ainda assim o bolo saiu solado e não chegou nem perto de ter o mesmo sabor? Não se trata de algo mecânico. De semelhante modo, há um caminho próprio durante o processo de escrita, algo que não pode ser ensinado, apenas descoberto.

Não desconsidero a importância dos cursos e oficinas de escrita, nem cuspo no prato que como, como professora de escrita, longe de mim, mas não tenho dúvida de que há coisas que só descobrimos enquanto escrevemos. Sei também que cada livro tem sua jornada própria e que é preciso testar, cometer seus próprios erros, se lambuzar na lama para entender que história de fato se pretende contar e entender que isso provavelmente leva tempo.

Foi difícil para mim, que sou uma pessoa diagnosticada com ansiedade, entender isso. Tive a ideia para o meu novo romance (cujo título não vou revelar) antes de A filha primitiva, isto é, antes de 2017, mas não me sentia preparada para escrevê-lo. Hoje, depois de escrito e em processo de revisão, não me sinto preparada para publicá-lo. Ele é um livro que atravessa questões muito íntimas e familiares. Mas também aprendi, e não foi nos manuais, que não estamos efetivamente prontos nunca. Então, sei que ele virá ao mundo, ainda não sei quando, mas virá.

Alguns alunos estranham, mas nas aulas de escrita criativa que ministro, gosto de carregar uma pilha de livros de ficção, muitos escritos por mulheres, e analisar, lendo vagarosamente o que foi feito ali. Para mim, não há aula e aprendizado melhor do que esse. E essa leitura atenta, muitas vezes, supera as regras estanques já prescritas nos manuais.

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