Do sertanejo ao rap: festival une tribos e constrói "oásis" no Centro-Oeste
Campão Cultural mobiliza mais de 800 trabalhadores em torno da cultura em programação ampla, gratuita e agregadora de opostosÉ véspera de feriado e, dividindo a mesma noite de um evento, a paraibana Roberta Miranda e as cariocas do Bonde das Maravilhas se apresentam em Campo Grande. No palco principal montado na Esplanada Ferroviária, símbolo histórico do Mato Grosso do Sul, idosos e crianças estão lado a lado na grade rente ao espetáculo e, juntos, cantam "Majestade, o sabiá" naquele dia 11 de outubro. Em outro palco, próximo dali, a juventude dança e arrisca o "quadradinho de oito", passo acrobático do grupo de funk. Tudo em harmonia.
Assim se constrói o Festival Campão Cultural, evento multicultural gratuito que começou no último dia 8 e segue até 15 de outubro com programação diversa na capital sul-mato-grossense. Teatro, dança, circo, literatura, cinema, grafite, gastronomia, feira de produtos indígenas e muito mais em um evento plural que busca desafiar barreiras.
É + que streaming. É arte, cultura e história.
A programação musical começou com o samba de Péricles na primeira noite e passará ainda pelo rap de MV Bill e o rock do Supercombo, encerrando com o reggae cheio de batidas do BaianaSystem. O evento visa construir "oásis" plural e servir como “vitrine” da força da cultura diretamente do centro-oeste brasileiro, como explica Vitor Samudio, coordenador-geral do evento.
"É muito satisfatório poder fazer esse trabalho com uma programação tão ampla, tão grandiosa e de graça para a população. Ainda mais nesse momento em que a gente vive, nesse momento político e sanitário com essa pandemia que, enfim, está acabando", celebra Samudio. "Estamos unindo artistas que são consagrados pela crítica e pelo público. É uma forma de proporcionar a cultura dentro da sua diversidade", completa.
O cantor Silva, que se apresentou na segunda-feira, 10, festejou a proposta do Campão. Antes do show do capixaba, blocos de Carnaval do Estado fizeram cortejo pelas ruas abrindo uma noite que teve ainda a folia do Olodum no palco principal. "Estou impressionado, quero voltar outras vezes. O público de Campo Grande foi muito especial", celebrou o artista, que se apresentou na mesma noite do Olodum.
Sobre a possibilidade de abrir as portas para públicos distintos num mesmo festival, Vitor Samudio afirma que a plateia acaba se surpreendendo com atrações que naturalmente não consumiriam. "Você percebe como as pessoas gostam e precisam de cultura. A arte é algo necessário para a saúde mental, para a autoestima, para a identidade da população. A gente se reafirma como indivíduo, como povo, como nação também através das artes".
Força da economia criativa
"Além do ponto de vista simbólico, tem a questão econômica, que é muito importante. Ainda mais depois do processo de pandemia, a gente consegue entender que a cultura é fundamental para a economia. Quando a gente faz um evento desse tamanho, você dinamiza a economia de um estado. Você proporciona trabalho, renda, abre uma cadeia de oportunidades de as pessoas ganharem seu dinheiro, além da questão do turismo", sustenta Vitor.
Realizado pela Fundação de Cultura do Mato Grosso do Sul, via Secretaria de Estado de Cidadania e Cultura, o evento mobiliza diretamente 800 trabalhadores, chegando a mais de 5 mil pessoas em serviço de modo indireto. Chegando agora à segunda edição, o evento se espalha Campo Grande afora, indo além do Centro. O público alcançado será divulgado após o fim da edição.
"O evento ativa todos os serviços. Quando você faz um show, traz o cara para vender bebidas, tem ambulantes ali fora aos montes que são agregados ao festival. Todo mundo ganhando dinheiro ao redor da cultura", completa o coordenador.
Sons múltiplos, bandeiras diversas
"O samba e o pagode, a gente pode dizer, são uma coisa só. O samba-enredo, a bossa nova e hoje o piseiro, tudo é samba. A responsabilidade que a música tem como um todo é de passar boas informações, boas energias. Hoje a gente vive num cenário bem bacana, em que a música está muito pulverizada. Todo mundo sabe o que quer, todo mundo ouve todo mundo e a função da música tem sido essa", reflete Péricles, nos bastidores do Campão, após show de abertura.
Sobre o Mato Grosso do Sul conseguir reunir num só festival os mais variados ritmos, o pagodeiro relembrou que o estado é terra natal de um "importante artista", seu amigo e ex-colega de Exaltasamba. "Essa mistura deu um cara chamado Thiaguinho, então a gente sabe do que esse estado é capaz. O sul-mato-grossense tem força, tem uma contribuição enorme para a cultura do País", completa.
A performer e drag queen Andrômeda Black circulou pela Esplanada Ferroviária, onde assistiu a shows e prestigiou amigas na Corrida das Drags, competição de dublagem que integra a programação do Campão. "É muito importante um festival dessa magnitude abraçar a arte drag. Nosso estado é bastante agro, então é muito bom ter também presente a arte LGBTQIA+ para um público que, muitas vezes, não tem acesso a esse tipo de cultura", celebra.
Sobre o contato com outros públicos, ela ressalta ainda o potencial social e político que surge da união de aparentes opostos. "É muito importante a gente se posicionar e mostrar que sou uma pessoa como qualquer outra. Estamos aqui fazendo o nosso, mostrando a nossa arte e, na verdade, a gente só quer paz para todo mundo e fazer o que a gente gosta".
"O recado que o festival dá, que é o mesmo que a cultura dá todos os dias, é sobre a importância de tentar compreender as nossas diferenças, se respeitar e caminhar junto. É isso que a gente precisa no Brasil de hoje. Se a gente se compreender, a gente consegue caminhar mais longe e com mais pessoas", finaliza Vitor Samudio, ressaltando a vontade de que o Campão tenha vida longa.
O repórter viajou a convite do Campão Cultural
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