Coluna Vanessa Passos: Todo mundo já escreveu sobre isso
Ditar uma saturação do mercado literário a partir da literatura feita por homens é um erroQuantas vezes eu já ouvi dizer que o mercado editorial está saturado de livros de autoficção, que hoje em dia é modinha escrever sobre maternidade e estupro. Ou ainda que os leitores estão cansados do personagem que escreve - a figura do personagem escritor -, e que ninguém aguenta mais ler sobre isso. Mas a verdade é que ditar uma saturação do mercado literário a partir da literatura feita por homens é um erro.
Os homens escrevem desde que o mundo é mundo, pintam e bordam no mercado literário e, quando as mulheres começam a ter espaço para publicar, vem a patrulha das regras literárias: não pode isso, não pode aquilo, isso aqui está saturado, aquilo está obsoleto. Dane-se!
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Em primeiro lugar, porque a escrita feita por mulheres por si só já traz um novo olhar para a literatura e para o fazer artístico. Em segundo lugar, porque estou cansada de ter homens apontando na nossa cara e dizendo o que podemos ou não fazer na vida e na literatura. Chega! A ficção é o lugar da liberdade, da experimentação. Então, eu vou escrever sobre o que eu quiser. E você (escritora que me lê) deveria fazer o mesmo!
Em "A filha primitiva", romance vencedor do Prêmio Kindle de Literatura 2021, tenho uma personagem que escreve e já vi muita gente entortando a cara pra mim. "Não, mais um personagem escritor não!". Mas não se trata do famoso homem branco, de meia idade, com bloqueio criativo. Temos uma mulher da periferia, filha de mãe preta e analfabeta, mãe solo, que não conhece o pai e que escreve para preencher suas lacunas. Não tem nada a ver com fama ou status, essa figura blasé. Ela escreve para existir, para ter uma história que lhe foi roubada, para criar novas possibilidades.
Quando penso nisso, eu me emociono. Porque eu sei o poder que a escrita pode ter na vida de uma pessoa. E eu sei que se tivesse ouvido essa historinha de "todo mundo já escreveu sobre isso e você não pode mais escrever", eu não teria criado minha personagem que tem tocado tantos leitores pelo Brasil.
"Dói parir palavras. Dói mais ainda viver com elas dentro", minha personagem escreve. E ela tem toda razão. Que bom que tapei os ouvidos para todas as coisas que ouvi e hoje meu romance está no mundo. A filha primitiva, em um mês e meio, já ganhou a segunda edição pela José Olympio. Se é pra ouvir algo, que seja a força dos seus próprios sonhos e desejos.
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