Livro traz histórias inéditas sobre psicodelia no Recife dos anos 1970

"Valsa dos Cogumelos – A Psicodelia Recifense 1968/1981", do jornalista Rogério Medeiros, reúne depoimentos, artigos e resenhas de uma época frutífera da música pernambucana

16:02 | Set. 05, 2022

Por: Jornal do Commercio
Zé Ramalho dividiu com Lula Côrtes o disco 'Paêbiru', um dos clássicos da psicodelia brasileira (foto: Leo Aversa/ Divulgação)

O rock psicodélico produzido em Pernambuco no século passado, cena que foi batizada de "udigrudi", ganha novo registro com o livro "Valsa dos Cogumelos – A Psicodelia Recifense 1968/1981", do jornalista Rogério Medeiros. 

A pesquisa da obra trouxe algumas histórias contadas pela primeira vez numa publicação, como as gravações de um dos álbuns mais obscuros da cena, o "Indra", de Ricardo Uchôa, e a participação da gravadora Continental na censura ao LP do Ave Sangria - fato que ocasionou o fim do grupo, retomado de fato apenas em 2019.

O autor conseguiu ainda localizar e escutar os registros, inéditos para o grande público, de um dos concertos mais emblemáticos da cena, o "7 Cantos do Norte", que aconteceu na Igreja do Carmo de Olinda, em 1974.

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O que foi a psicodelia pernambucana

O período musical registrado no livro foi fruto do trabalho de uma geração de artistas com poucos recursos, mas muita criatividade e uma gravadora disponível: a Rozenblit, lembrada pelo frevo, mas que também abriu suas portas para realizar muitos registros experimentais.

É a geração de Ave Sangria, Lula Côrtes, Flaviola, Marconi Notaro, Alceu Valença, Geraldo Azevedo, Zé Ramalho, Robertinho de Recife, Aratanha Azul, Ricardo Uchôa, Zé da Flauta, Laboratório de Sons Estranhos, Nuvem 33, entre outros.

Durante uma década, essa cena musical criou obras que não estavam em conformidade com o mercado fonográfico mais "comercial" da época. Para além disso, desafiaram os valores sociais da ditadura militar com suas ideias libertárias.

"O período de 1968 a 1981 foi escolhido por ter sido o momento de maior produção e destaque dessa cena", explica o autor Rogério Medeiros, que começou a pesquisa do livro ainda durante o trabalho de conclusão de curso em Jornalismo na UFPE, no começo dos anos 2000.

Pesquisa começou na universidade

Rogério Medeiros conheceu a cena psicodélica recifense pelo livro "Do Frevo ao Manguebeat", do jornalista e escritor José Teles, e resolveu fazer o projeto. O autor, no entanto, não considerava seu trabalho finalizado. Durante o período de lockdown, em 2020, decidiu retomar o projeto, fazendo novas entrevistas, encontrando novas fontes de pesquisa e aumentando o escopo da narrativa.

Para compor esse panorama, mais de 50 pessoas foram entrevistadas, entre músicos, compositores e produtores. Além desses depoimentos, artigos e resenhas de veículos de comunicação enriquecem a narrativa e mostram ao leitor como aquela música foi recebida por jornalistas e consumidores na época.

"Era uma música que não estava em conformidade com o mercado fonográfico da época, porém, gerou discos que resistiram ao tempo e hoje acumulam fãs por todo o mundo, como 'Paêbirú', 'Satwa', 'Marconi Notaro no Sub Reino dos Metazóarios' e 'Indra'", continua o autor.

"Ter publicações como o livro Valsa dos Cogumelos investigando esse período é importante por mostrar que, com criatividade e certa dose de ousadia, não nos abatemos diante da repressão instalada no país, pois estávamos sempre produzindo, buscando caminhos novos e tocando em frente o barco das nossas vidas", fala Tiago Araripe, cantor e compositor cearense, que começou sua carreira no Recife, com o grupo Nuvem 33.

Psicodelia atravessou gerações

A popularização da internet, dos sites de compartilhamento de arquivos e, finalmente, do streaming deram um novo vigor para o consumo da música feita por aquela cena. Assim, existe uma nova geração interessada por essas histórias psicodélicas.

Com a fruição online, gravadoras europeias e americanas começaram a relançar esses álbuns em LP e CD de forma oficial. Nos últimos anos, selos brasileiros também vêm preparando novas edições daqueles discos, fazendo com que o trabalho daquela "turma de malucos" tenha hoje uma exposição nunca antes vista no mundo dos colecionadores. (Emannuel Bento/ Jornal do Commercio)

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