Coluna Vanessa Passos: O que há de autobiográfico em "A filha primitiva"
Escritora cearense faz um paralelo entre as histórias de seu livro "A filha primitiva" e os casos recentes de violência contra a mulher divulgados nos meios de comunicaçãoNa última semana, fomos abalados com notícias pavorosas sobre o estupro de uma mulher na sala de parto. Estupro de vulnerável. A mulher foi dopada e violentada sem pudor por um anestesista, um homem. Nem todo homem, mas sempre um homem. Um crime que foi interrompido pela coragem de enfermeiras que forjaram o flagrante do estuprador durante este crime sem perdão.
Pois bem, começo o texto da coluna desta semana retomando este fato, pois a violência tão presente em "A filha primitiva", que é uma obsessão na minha literatura, infelizmente também marcou a minha vida, e não é apenas ficção.
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Já fui violentada sexualmente várias vezes por pessoas diferentes ao longo da minha vida, começando na infância. A primeira vez que me recordo foi aos cinco anos. Depois aos dez, quando perdi minha virgindade por meio de um estupro. Por parentes, primos, pessoas próximas em quem eu confiava e tinham acesso a mim.
Isso destruiu a minha vida por anos. Por muito tempo, me senti uma farsa, me sentia estragada e sem vida – sem possibilidade de juntar os cacos que foram quebrados. Eu guardava esse segredo a sete chaves, afinal, vivemos numa sociedade que ainda culpabiliza a vítima e responsabiliza a mulher por crimes de violência, então, eu escondia esse passado obscuro. Mas a literatura me ajudou a exorcizar meus demônios, como também fez Virginia Woolf, e como fez muitas outras escritoras que inspiraram minha trajetória literária.
Depois de sofrer várias violências e assédios, posso dizer que o feminismo me salvou. Foi numa pesquisa sobre o assunto que cheguei aos dados de que uma mulher vítima de estupro e violência sexual tem mais de 50% de chances de ser violentada novamente porque ela aderiu ao comportamento de vítima, e o abusador/estuprador fareja seu medo e a sua vulnerabilidade. Foi o que aconteceu comigo. Muitas vezes.
Foi um longo caminho até romper com esse ciclo de violências. Nem todas as mulheres conseguem. Muitas tiram a própria vida.
Foi quando, em 2017, eu decidi investigar o silêncio e entendi que ele não nos protege, pelo contrário, só fomenta ainda mais a violência. Então comecei a escrever "A filha primitiva", que, na época, se chamava "Quando o silêncio fala". O livro é ficcional, a personagem não sou eu, mas sim, ela tem muito de mim, muito da minha raiva e das violências que não só eu sofri, mas que milhares de mulheres sofrem todos os dias, em todos os lugares, inclusive, desacordadas numa sala de parto.
Todo o meu relato, conto corajosamente, assim como faço agora, e de forma mais detalhada no livro "Desnudas", escrito pela Cris Vazquez, mestre em Escrita Criativa pela PUC/RS, publicado pela editora O Grifo. No livro, Cris traz o relato de seis mulheres sobre as mais variadas violências. E o primeiro relato é meu, que se chama: “Quem ter que ter vergonha não sou eu”. Convido a leitura de "A filha primitiva" e do livro "Desnudas".
Não estou mais em silêncio: nem na ficção nem na não ficção.
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