Autora LGBTQIA+, Clara Alves assume: "Sou uma escritora militante"
Best-seller em um nicho dominado por traduções estrangeiras, escritora de romances para jovens adultos se identifica como uma autora LGBT e traz a temática da diversidade para suas obrasClara Alves não se acostumou com o rótulo de best-seller, mas sentiu o assédio dos fãs na Bienal do Livro de São Paulo. "Ainda é um pouquinho difícil de acreditar. Criar uma base de leitores sempre foi um processo muito lento", comenta a escritora à DW Brasil. Aos 28 anos, ela já vendeu mais de 110 mil exemplares − "Conectadas" é seu maior sucesso editorial, mas ela é autora de outros dez livros.
No Twitter (@altaexposicao), Alves comentou o frenesi da Bienal. "Não me deixam mais andar nos corredores pra não tumultuar", postou a escritora. Ela conquistou território nobre na atenção do mercado editorial brasileiro no início deste ano, quando desbancou, em março, o sucesso "Torto Arado", de Itamar Vieira Junior, do topo da lista de mais vendidos − um posto que parecia lugar-cativo do livro que se tornou um fenômeno praticamente desde o início da pandemia. Alves não se manteve na primeira colocação, mas seguiu entre os campeões de venda da lista Nielsen PublishNews, publicada semanalmente.
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No mês passado, nova proeza: com seu novo livro "Romance Real", ela passou a figurar em dose dupla no ranking dos best-sellers. "Clara Alves começa a se configurar como uma versão brasileira dessas autoras estrangeiras campeãs de vendas de romances adolescentes, como Colleen Hoover ou Alice Oseman", escreveu então o jornalista Thales de Menezes, do portal especializado na indústria do livro PublishNews.
Universo LGBTQ
Além de explorar um nicho um tanto negligenciado pela produção literária brasileira, ou seja, o leitor adolescente ou jovem adulto − chamado pelo mercado de "literatura YA", da expressão em inglês "young adult" −, Alves carrega o diferencial da diversidade. Ela se identifica como uma autora LGBT e traz esse universo para suas obras. Considera-se militante? "Eu acho que sim. Existe um medo da palavra militante, porque ela parece uma coisa exagerada e, principalmente, algumas pessoas mais conservadoras enxergam como algo ruim. Mas escrever sobre pessoas LGBT e escrever sobre pessoas diversas é algo muito importante para mim", afirma. "Eu me vejo como uma escritora militante e acho que isso é importante para a nossa literatura, que ainda é majoritariamente branca, hétero, cis, padrão", acrescenta.
Jornalista especializado em mercado editorial, Leonardo Neto vê com bons olhos um fenômeno do tipo. "A indústria vive uma importante onda em que a diversidade é rainha", avalia, enfatizando que se trata de uma tendência mundial. "Clara e seus editores souberam surfar nessa onda. Ela sabe conectar com o seu público e fazer a sua voz ser ouvida de uma forma espetacular. E tudo isso se traduz em vendas", acrescenta Neto. "Para mim, como profissional da área e LGBT+, é muito interessante ver o crescente da carreira […] de toda essa galera que tem conquistado um espaço ao sol e nas listas dos mais vendidos".
Mas sucesso de vendas nem sempre se traduz em sucesso de crítica, isso todo artista sabe. Clara Alves demonstra consciência ao assumir que "existe esse estereótipo de que [a literatura para jovens adultos] é uma literatura mais boba, mais entretenimento". "As obras comerciais nunca vão levar alguém a ler algo de bom, mais sofisticado, mais elaborado. Essa é uma falácia, dizer que começa lendo Paulo Coelho e acaba lendo James Joyce é uma bobagem", argumenta o professor de literatura, poeta e crítico literário Frederico Barbosa. "Só a educação pode refinar o gosto artístico. Seja a educação formal, seja através de uma crítica atuante e militante que realmente discuta a qualidade dos textos".
Trajetória juvenil
Alves acredita que seus livros tenham uma função, um papel importante na vida dos adolescentes. "O entretenimento também ensina", defende ela. "É uma literatura para pessoas em formação de personalidade, que já saíram do (nicho) infantil e precisam fazer a mudança para a fase adulta. A adolescência é um período muito difícil, de muitas mudanças, internas e externas. E o grande papel da literatura é ajudar esses jovens a entenderem quem eles são, conseguirem se conciliar com eles mesmos, deixando mais fáceis suas trajetórias".
Nascida no Rio em outubro de 1993, Clara Alves conta que começou a escrever aos 8 anos. Na adolescência, passou a publicar on-line, utilizando sistemas de autoedição. Encontrou seu espaço no aplicativo Wattpad − não por acaso, ganhou duas vezes o prêmio Wattys, outorgado pela plataforma, em 2016 e em 2019. Também publicou obras de forma independente na plataforma de ebooks da Amazon. Graduada em Jornalismo pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, fez um intercâmbio na Irlanda entre 2015 e 2016. Em seguida, por quase quatro anos, trabalhou na editora de livros Record − primeiro com assessora de imprensa, depois como assistente editorial. Em 2019, saiu seu primeiro livro pelo selo Seguinte, da Companhia das Letras − o best-seller "Conectadas". O livro acabou sendo um dos selecionados pela Cátedra Unesco de Leitura PUC-Rio. Pela mesma editora, Alves participou da coletânea de contos "De Repente Adolescente" e lançou, neste ano, "Romance Real".
"Escrever no Brasil é um grande desafio. E ser escritor focado em trazer pautas inclusivas é um desafio maior ainda. Fico muito feliz em ver o quanto nossas obras estão chegando. A gente quer poder atingir esse grande público", celebra ela. Alves recorda sua própria adolescência ao refletir sobre seus livros. "Talvez se eu tivesse lido o que eu escrevo hoje naquela época, eu teria tido uma adolescência mais confortável", comenta, frisando que agora existe uma geração que tem à disposição "histórias jovens sobre saída do armário com final feliz". (Edison Veiga/ DW)
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