10 anos de Gangnam Style: a trajetória do k-pop no Brasil em uma década
Há 10 anos, o rapper sul-coreano lançava o videoclipe de "Gangnam Style", que virou um fenômeno internacional e se tornou uma porta de entrada para o k-pop no exterior
10:00 | Jul. 02, 2022
Antes das reproduções massivas de músicas nas plataformas de streaming, das “dancinhas” virais do Tiktok e do sucesso de canções de língua não-inglesa nas principais paradas musicais dos Estados Unidos, um rapper sul-coreano quebrou todas essas barreiras de uma vez: Psy. O artista lançou o videoclipe “Gangnam Style” em 2012 no Youtube e, em alguns meses, se tornou um fenômeno.
Milhões de pessoas no mundo começaram a fazer seu “passinho” e a publicar nas redes sociais. Entoavam a frase principal, que, romanizada, seria “Oppa, Gangnam Style”. “Oppa” é o modo de tratamento de mulheres com homens mais velhos, com proximidade de um amigo ou irmão. Já “Gangnam Style” se refere ao estilo de vida dos moradores de um dos bairros mais nobres de Seul, capital da Coreia do Sul.
Na época, o rapper alcançou recordes ainda inéditos na história da internet. Foi, por exemplo, o primeiro vídeo a ter mais de um bilhão de visualizações. Também se tornou a primeira canção sul-coreana a entrar nos charts de mais de 30 países.
Foi um sucesso tão grande que até mesmo Barack Obama, então presidente dos Estados Unidos, havia dito que ele costumava dançar a coreografia, mas suas filhas ficavam envergonhadas.
Um ano depois do lançamento, o político norte-americano reconheceu que “Gangnam Style” era uma representação da força da onda coreana: “Em todo o mundo, as pessoas estão sendo varridas pela cultura coreana – a onda coreana. E como mencionei à presidente Park (Geun-hye), minhas filhas me ensinaram um ‘Gangnam Style’ muito bom”.
“Psy como um todo foi uma verdadeira quebra de padrão. Em relação à aparência física, ele era totalmente o contrário do que as empresas de entretenimento prezavam, baixinho, gordinho, com músicas cômicas e satíricas e cantor solo, quando o que predominava era a formação de grupos”, explica Naiane Batista de Almeida, mestre em Comunicação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e autora da dissertação “O fenômeno hallyu e as práticas interacionais dos fãs brasileiros no contexto do processo do soft power da Coreia do Sul”.
Após uma década, Psy foca em sua carreira como empresário da P-Nation (responsável por artistas como Jessi, Hyuna e Dawn) e recentemente lançou um novo álbum com o hit “That That”, parceria com Suga, do BTS. Apesar de focar em sua empresa, continua a ser um dos principais símbolos da “hallyu”, movimento de exportação da cultura sul-coreana no mundo.
De acordo com a pesquisadora, uma das grandes contribuições do rapper foi despertar a curiosidade do público. “O sucesso de Gangnam estimulou a curiosidade em relação ao que era o k-pop, levou um artista coreano a ganhar uma das maiores premiações internacionais (MTV Europe Music Awards 2012, na categoria de Melhor Videoclipe) e entrar para Guinness Book como vídeo mais curtido. Abriu portas para outros grupos serem conhecidos, para o k-pop entrar com força no mercado global e, a partir disso, outros bens também começaram a ser difundidos”, afirma.
O k-pop nos anos 2000
Psy pode ter sido o primeiro a alcançar um sucesso massivo internacionalmente, mas o k-pop já havia começado a se estabelecer entre o público consumidor de outros países quase dez anos antes de “Gangnam Style”.
Em meados dos anos 2000, grandes agências de entretenimento da Coreia do Sul (JYP, SM e YG) passaram a investir em grupos que seriam conhecidos como a “segunda geração” do pop sul-coreano. A primeira foi marcada por nomes como Seo Taiji & Boys, H.O.T, Fink.L e Sechskies, que influenciaram a cultura dos idols.
Entre 2003 e 2010, muitos artistas estrearam, como TVXQ, Super Junior, Bigbang, Girl’s Generation, Wonder Girls, Shinee e 2PM. Essas boybands e girlbands foram consideradas as portas de entrada para o k-pop em outras regiões.
O Girl’s Generation, por exemplo, reúne centenas de milhões de visualizações em suas plataformas digitais e conta com singles que também tiveram grande repercussão, como “Gee”, “The Boys” e “I Got A Boy”. Já o Bigbang foi considerado um dos grupos de k-pop mais influentes na disseminação da “onda coreana”. Eles produziram canções como “Bang Bang Bang”, que tem quase 600 milhões de reproduções no Youtube.
Durante esse período, a presença da indústria sul-coreana no Brasil já existia, principalmente, entre um público específico. “É possível afirmar que, ao menos uma década antes do impacto global de Gangnam Style, a hallyu tinha dado seus primeiros passos em terras brasileiras”, indica Krystal Cortez Luz, doutora em Comunicação pela Universidade Federal Fluminense e coordenadora adjunta do grupo de pesquisa em Mídia e Cultura Asiática Contemporânea.
“Sendo Gangnam Style um fenômeno inegável que deu maior visibilidade ao contrafluxo midiático da Coreia do Sul no mercado mundial, influenciando o consumo da música pop coreana em escala global, é interessante pensar como, em nosso país, os produtos pop da hallyu já haviam se tornado objeto de consumo e fruição de um nicho de consumidores interessados na cultura asiática contemporânea”, diz.
O investimento na cultura
A Coreia do Sul exporta vários de seus bens culturais, principalmente, com a música e o audiovisual. Esse movimento surgiu a partir de investimentos políticos no país desde seu período de democratização, em meados da década de 1980.
“A indústria criativa da Coreia do Sul, com o apoio do governo, passou por uma etapa de renovação, investindo na produção cultural de bens locais de qualidade voltados para a exportação, com a finalidade de adentrar nos mercados secundários do continente asiático, pois eles tinham dificuldade em acessar outras produções, a exemplo das séries americanas”, cita Naiane Batista de Almeida.
A estratégia funcionou, e a Ásia se tornou uma referência, por exemplo, na produção de dramas para a televisão. “O bom desempenho dos bens culturais foi e continua sendo importante na melhoria das relações diplomáticas, citando apenas algumas: abriu portas para o diálogo da Coreia do Sul com os demais países, influenciando na mudança do direcionamento do olhar, gerou mais possibilidade ao turismo e possibilitou a curiosidade sobre a cultura tradicional”, explica a pesquisadora.
Influência da internet
Os produtos sul-coreanos, porém, não teriam se popularizado tanto se não fosse pela internet. Nas redes sociais, usuários se conectam por meio de seus hábitos de consumo e interesse. “A internet é um meio importante de quebra das barreiras geográficas, ela permite que um conteúdo produzido na Coreia do Sul chegue em diversas partes do mundo”, defende Naiane Batista.
De acordo com ela, os ambientes digitais se tornaram plataformas de difusão para fãs. “Foi justamente por meio das redes sociais e das plataformas de difusão que os fãs estrangeiros se transformaram em mediadores de conteúdo coreano para outros fãs que não tinham formas oficiais de acesso ou que o país natal não se interessava em consumir conteúdos sul-coreanos”, indica.
A professora Krystal Cortez Luz tem a mesma visão: “boa parte da eficácia das estratégias das empresas de entretenimento sul-coreanas se dá nesse diálogo íntimo com o universo digital, ao facilitar o acesso e o consumo dessas produções para os públicos internacionais”.
Krystal ressalta que o sucesso dos trabalhos do país nas plataformas de streaming acontecem também devido à mudança histórica dos hábitos de consumo. Segundo ela, apesar de ainda existir uma predominância das produções dos Estados Unidos e de língua inglesa, há uma maior demanda por diversidade.
“Fenômenos musicais como o reggaeton e o k-pop, que explodiram nos últimos anos na Billboard americana e se expandiram no Brasil, representam a face mais aparente dessas transformações no âmbito do pop, à medida em que demonstram que sociedades situadas para além do escopo ocidental se tornaram capazes de fornecer modelos culturais atraentes em termos globais”, indica.
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10 anos depois de Psy
O k-pop continua a ganhar força internacional, principalmente, com a inserção de grupos e solistas nas indústrias de outros países. E, entre 2012 e 2017, os nomes que marcaram a terceira geração do k-pop firmaram seu espaço no mercado internacional.
Um dos exemplos é o BTS, que quebrou uma série de recordes e levou conquistas para a Coreia do Sul. O septeto, que estreou no mercado em 2013, foi o primeiro ato coreano a ser indicado ao Grammy, principal premiação da música nos Estados Unidos. Os sete integrantes também alcançaram números inéditos de visualizações nas plataformas digitais e mantiveram um lugar estável nas paradas musicais como a Billboard.
O grupo, que atualmente foca nas atividades individuais dos membros e recentemente promoveu a estreia solo do rapper J-hope, produziu sucessos mundiais como “Butter”, “Dynamite”, “Permission To Dance”, “Mic Drop” e “Boy With Luv”.
Mas o BTS não foi o único. O girlgroup Blackpink, que deve fazer seu retorno com novas músicas ainda neste ano, adentrou na indústria fonográfica internacional com singles como “How You Like That”, “Kill This Love” e “Boombayah” - todos com mais de um bilhão de reproduções no Youtube.
Já a quarta geração, todos aqueles que debutaram após 2017, também apresentam nomes populares que se utilizam da internet para firmar sua base de fãs. Alguns dos grupos famosos que ganharam proeminência nos últimos anos foram Stray Kids, Enhypen, Itzy e Aespa.
Ativismo dos fãs
Há, entretanto, um fenômeno estudado por alguns pesquisadores em relação aos fãs e seus respectivos ídolos: muitos dos “fandoms” se organizam a partir de um compromisso ético com a sociedade. “É possível sugerir que o k-pop só é americanizado o suficiente para se tornar atraente para o mercado global representado pelos Estados Unidos, ao passo que sua ética e estética se baseiam em questões culturais e morais bastante particulares compartilhadas entre os países do Leste Asiático”, avalia Krystal Cortez Luz.
“O que me parece mais interessante no caso do k-pop é que a estética do referido estilo musical está intimamente combinada com sua ética, uma vez que os fãs estrangeiros são atraídos pela tradição, pela moral de trabalho e pela disciplina que se materializa nos videoclipes das boybands e girlbands e que perpassam a própria organização e gestão das grandes empresas de entretenimento sul-coreanas”, diz a pesquisadora.
O fenômeno fica ainda mais evidente com o BTS e seus fãs nas redes sociais. Alguns exemplos podem ser citados: durante a campanha política de Donald Trump em 2020, os fãs do grupo reservaram entradas em massa para o comício do político sem a intenção de comparecer. No dia do evento, o ginásio estava quase vazio. No mesmo ano, a banda sul-coreana doou US$1 milhão para o movimento Black Lives Matter, e seu “fandom” decidiu igualar o valor com uma arrecadação na internet.
“A aproximação do ‘Army’ do BTS com a causa do BLM dá conta de um avanço expressivo no reconhecimento de uma lógica decolonial associada ao k-pop. A união de idols e fãs de música pop sul-coreana com ativistas negros ressalta a distância de ambos em relação ao cânone ocidental que dominou o cenário global nas últimas décadas”, indica Krystal.
Como parte da campanha #TiraOTítuloArmy, o AHTP conseguiu fazer esse projeto incrível de projeção em 6 diferentes pontos do Brasil
E ai, Army! Já tirou o seu título?
Segue as fotos pic.twitter.com/BqBRnahlTq
No Brasil, o organização não governamental “Army Help The Planet” chamou atenção por realizar doações para projetos sociais e ambientais. Recentemente, Mark Ruffalo publicou uma imagem em que elogiava uma ação do grupo em que incentivava jovens a tirarem o título de eleitor.
“Mesmo que o movimento do k-pop não tenha, em sua origem, um caráter essencialmente político, ele tem assumido essa característica mais recentemente, em função das tensões que caracterizam o cenário político global em um contexto de crise da hegemonia dos Estados Unidos e do aparecimento de competidores políticos e econômicos em outros países”, defende a pesquisadora.
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