Impasse ameaça continuidade do Conservatório de Música
Imóvel utilizado pela escola é alvo de ação judicial desde 2015. Corpo de direção afirma buscar alternativas para manter a instituição
15:09 | Jun. 17, 2022
A escola de formação musical mais antiga do Ceará passa por adversidades que podem afetar sua continuidade. O Conservatório de Música Alberto Nepomuceno (CMAN) completou 84 anos em maio de 2022, em meio a um impasse jurídico. Desde 2015, a Universidade Federal do Ceará (UFC) mantém ação judicial de reintegração de posse do prédio onde funciona o CMAN, reivindicando a desocupação do imóvel.
O pedido foi reconhecido pela 2ª Vara Federal em 2018, mas o Estado do Ceará apresentou recurso contra a decisão, considerado improcedente pela 1ª turma do Tribunal Regional Federal da 5ª região em abril deste ano. A questão se encontra em prazo recursal, ou seja, ainda pode ser recorrida. Em relatos ao Vida&Arte, o corpo de direção do Conservatório afirma temer a interrupção das atividades do CMAN e defende o diálogo para encontrar formas de perpetuar a existência da instituição.
Dados oficiais indicam que o CMAN foi fundado em 26 de maio de 1938, a partir da intervenção do compositor Paurilo Barroso, mas a escola de música nasceu em 1919, no número 520 da rua Barão do Rio Branco, com o maestro e violinista Henrique Jorge. A propriedade ocupada até os dias de hoje pela organização, localizada na Avenida da Universidade, foi cedida em 1963 pelo então reitor da UFC, Antônio Martins Filho. Doze anos depois, em 1975, a organização passou a integrar os cursos de formação da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
"Algumas unidades de educação cedidas pela UFC e pelo Governo do Estado foram pioneiras na criação da Uece, dentre elas estava o Conservatório. Isso, inclusive, tem no Diário Oficial", explica Márcio de Lima, vice-diretor da instituição. Ele ainda aponta uma dúvida comum: "O Conservatório é ligado à Uece ou à UFC? A gente diz que, no primeiro momento, foi da UFC, que comprou o imóvel, reformulou, nos colocou aqui dentro. Em seguida, fomos em definitivo incorporados à Uece. Até recentemente, a Uece tinha servidores trabalhando aqui dentro. Parte da manutenção, como contas de telefone, material de limpeza, era feita pela Uece".
Medidas
Segundo a direção da escola, o impasse segue há, pelo menos, 30 anos. "A gente pode afirmar, por força dos documentos, que o Conservatório é uma instituição centenária que presta serviço à sociedade cearense. Ele foi base para a criação dos cursos de música da UFC e da Uece, e hoje se encontra no meio do fogo cruzado, essa demanda judicial onde a Universidade Federal do Ceará está reivindicando na justiça a posse do imóvel quando, na década de 1960, foi comprado e reformado para uso exclusivo do Conservatório", argumenta Márcio.
Definido como instituição privada, o Conservatório desenvolveu estudos com mensalidades para baratear custos e ampliar recursos, como foi explicitado em registro do O POVO de 07/09/1998. A grade continha aulas de piano, teclado, violão, guitarra, saxofone, flauta, baixo, bateria e violino. O texto pontua, ainda, que o CMAN cedeu espaço para o Curso de Formação Musical de Adultos, oferecido pela Uece, e o Curso de Extensão em Música, da UFC, além de permitir o ensaio de corais e teatros. "Sempre funcionou o público e o privado no mesmo espaço, foi onde originou toda a confusão. Mesmo quando a Uece encampou o Conservatório, continuou atendendo o particular, que sempre foi o forte. As instituições públicas sempre usaram o Conservatório do jeito que era mais útil", afirma Davi Calandrine, maestro e diretor da instituição.
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Ambos consideram estar “à deriva” e defendem o diálogo para encontrar formas de perpetuar a existência da escola. "O processo está na fase final, foi para a instância superior, a gente perdeu na primeira instância. O Estado do Ceará, por meio da Procuradoria do Estado do Ceará, e o jurídico da Uece entraram com recurso". Caso a decisão não seja favorável, Davi afirma que a consequência é o despejo. “Hoje, nós não temos plano B. Se pedir para sair mês que vem, a gente não sabe para onde ir", explica. Atualmente, a escola conta com, aproximadamente, 300 alunos e funciona de segunda a sexta-feira. Dentre as ações, consta uma parceria há mais de 15 anos com a Fundação Beto Studart.
A programação também abrange os tradicionais cursos pagos, assim como bolsas para alunos da rede pública de ensino, destinada aos cursos fundamentais, e coral aberto à população. Até o momento, todos os estudantes seguem com seus acordos e contratos vigentes. "Nós precisamos conversar com os entes responsáveis por essas instituições, com órgãos, com a Secretaria de Cultura do Estado, com a Secretaria de Cultura do Município, conseguir uma pauta com a governadora, com o prefeito, com os secretários, mas com urgência. Precisamos da atenção dos órgãos públicos para a situação", complementa.
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Procurada pelo Vida&Arte, que demandou detalhes do trâmite do processo jurídico, a UFC informou que a ação contra o Estado do Ceará foi “julgada procedente” em 22 de novembro de 2018, por decisão da 2ª Vara Federal, que determinou determinou a "imediata reintegração da posse". O Estado, então, entrou com recurso de apelação do Estado, considerado improcedente em 7 abril de 2022. Após a intimidação, a questão se encontra com prazo recursal. A reportagem entrou em contato com a Uece e questionou a ligação da instituição com o CMAN, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.
Passado e futuro
Professor e coordenador, Rodrigo Castro informa que só soube da complexidade da situação quando passou a fazer parte do corpo docente. Ele, entretanto, tem uma longa história afetiva com o espaço, visto que foi um dos alunos das turmas de 1996. A situação, destaca, foi agravada pela pandemia da Covid-19. Além da dificuldade de ministrar aulas à distância, o período ocasionou desistência de parte dos alunos e também intensificou a instabilidade financeira. "Nossa gestão, que começou por volta de 2020, já pegou o bonde andando, parece que houve tentativas de diálogo com a gestão anterior, mas não houve avanço. A gente está tentando agir”, justifica o coordenador.
Entre um impasse que se arrasta há décadas, Davi alega que divulgar o contexto atual do Conservatório é uma forma de alertar que a instituição corre “sério risco” de sumir. "Nós ficamos nesse meio dos desassistidos. Fica o alerta dessa grande possibilidade de nós desaparecermos. Não sei se seria interessante nem para o governo do Estado, nem para o governo municipal, arcar com esse peso na história do desaparecimento dessa instituição de ensino", discorre. Márcio reforça que ainda há muitos planos que podem entrar em vigência, caso haja condições para expansão do projeto. "A gente funciona a todo vapor, tem vontade e expertise, mas são coisas que precisam de recursos", finaliza o vice-diretor.
Veja nota da UFC na íntegra:
"Sobre a ação de reintegração de posse do imóvel do Conservatório de Música Alberto Nepomuceno, de propriedade da Universidade Federal do Ceará, a assessoria jurídica do Gabinete do Reitor informa que a referida ação de iniciativa da UFC, contra o Estado do Ceará, foi julgada procedente em 22 de novembro de 2018, por decisão da 2ª Vara Federal, que determinou a imediata reintegração da posse para a UFC.
Ocorre que o Estado apresentou recurso de apelação contra essa decisão, apelação esta que foi julgada improcedente pela 1ª turma do Tribunal Regional Federal da 5ª região, no dia 7 de abril de 2022, reafirmando e reforçando a ordem judicial de reintegração de posse imediata a favor da UFC.
O Estado do Ceará e a Universidade Federal do Ceará foram intimados dessa decisão em 10 de junho de 2022 e 13 de junho de 2022, respectivamente, e, no momento, a questão ainda se encontra com prazo recursal".
Conservatório de Música Alberto Nepomuceno
Onde: Av. da Universidade, 2210, Benfica
Mais informações: @conservatoriocman no Instagram
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