Artista visual revisita imagens da Comissão Científica de Exploração
Exposição inédita inaugura dia 23 de abril no Museu Jaguaribano, em Aracati, e reflete obras do Ceará oitocentista
15:47 | Abr. 19, 2022
"Pequena cidade situada junto ao lado direito do rio Jaguaribe, a duas léguas de sua foz, consta de uma rua larga completa e algumas travessas ou becos, e mais algumas filas de casas, formando praça ou rua". A descrição, que data do século XIX, retrata o atual município de Aracati pelo olhar do botânico Francisco Freire Alemão. Ele foi o presidente da Comissão Científica de Exploração do Ceará Oitocentista, viagem exploratória vigente entre 1859 e 1861, com missão de compreender os aspectos etnográficos, geográficos e econômicos das províncias.
O Ceará foi o ponto central desta primeira e única expedição formada exclusivamente por brasileiros, composta por pesquisadores dedicados aos estudos em História Natural, que registraram as experiências por meio da escrita, do desenho aquarelado e do daguerreótipo - um dos primeiros processos fotográficos. A equipe contava com o pintor, ilustrador, professor e fotógrafo José dos Reis Carvalho, responsável por traduzir em telas as impressões do território, visto que na época a fotografia apenas começava a ser experimentada.
Junto com os escritos dos cientistas, os trabalhos do desenhista são a herança do Estado oitocentista. "Para cá vieram grandes nomes e aqui ficaram fazendo todo esse processo de conhecimento do Ceará. Deixaram um legado para nós", explica o geógrafo e artista visual Francisco Ivo, idealizador da exposição "Quando a Ciência Brasileira Descobriu o Ceará (Aracati, 1859)". A mostra estará disponível no Museu Jaguaribano, um dos principais equipamentos culturais de Aracati, entre os dias 23 de abril e 5 de junho.
"Surgiu a necessidade de não deixar esse acontecimento morrer, acabar. Eu estou trazendo novamente a Comissão Científica de Exploração e faço uma revisita aos desenhos e as pinturas do José dos Reis Carvalho. Vou levar para o Museu Jaguaribano, um espaço que está lutando para permanecer visível, e que traz vários aspectos da cultura cearense", acrescenta Francisco. A pesquisa do profissional já mergulhava em temas similares, como os projetos "Metáfora da Criação" e "Rio São Francisco: Ocupação e Transposição". O último, inclusive, foi motivo para estimular uma investigação aprofundada sobre a excursão. "Eu usei a Comissão para falar exatamente dessa transposição, é uma história maravilhosa, muito rica de informações, de imagens".
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Sobre a imersão nas aquarelas de José dos Reis Carvalho, o geólogo afirma que o desenhista pintou "a beleza em termos de Ceará", ressaltando as coletas de dados sobre as construções dos locais e os aspectos sociais do povo. Entre o material disponibilizado pela Comissão, consta relatos que incluem desde os negócios da população até a política. De acordo com Freire Alemão, as eleições em Aracati eram "verdadeiras batalhas". Ao reviver estas obras, Francisco afirma que oferece uma nova roupagem. "Eu vou dando um novo colorido, juntando informações, retratos de pessoas, uma praia que não foi ilustrada, por exemplo. Eu faço a releitura não só de um trabalho, mas eu agrego várias informações de todos os desenhos".
A mostra, que nasce em formato inédito, acontece em uma área emblemática de Aracati, cidade analisada pela Comissão, com o objetivo de valorizar e enaltecer a pesquisa. "O Museu Jaguaribano tem uma dificuldade nos tempos atuais em termos de permanência. A exposição está sendo feita lá para a gente trazer essa informação para o público. É um museu superinteressante, um casarão de três andares, totalmente revestido. Uma estrutura belíssima que fala dos nossos ciclos econômicos. A Comissão Científica esteve no Aracati, descreve a localidade e o povo de Aracati, e a necessidade de falar é a preservação de cultura. A gente sem cultura não é nada", considera.
No mês de março, Francisco Ivo tomou posse como Conselheiro Cultural do Estado do Ceará na linguagem Artes Visuais para o biênio 2022 - 2024. "A gente quer acompanhar de perto o que está acontecendo no Ceará, a gente está com uma movimentação bacana, tentando reabrir novos espaços que estavam fechados, como a Academia Cearense de Letras". Membro da Academia Cearense de Ciências, Letras e Artes do Rio de Janeiro (ACCLARJ) e sócio correspondente da Academia Lavrense de Letras (ALL), o geólogo também está à frente do Fórum das Artes Visuais do Ceará, responsável pela futura exposição "8 de maio de 2022", no Centro Cultural Banco do Nordeste de Fortaleza. O evento promoverá oficinas e discussões sobre a Semana de 22 no mês de celebração dos artistas visuais.
O profissional sonha em transformar o legado científico e artístico da Comissão em bem imaterial do Ceará. A proposta, também, é que a mostra seja itinerante, percorrendo todo o percurso dos naturalistas, passando por municípios como Icó, Lavras da Mangabeira e Crato: "Onde os cientistas estiveram e 'varreram', do litoral ao sertão". O artista visual ainda menciona que pretende afunilar a busca por outros trabalhos de José dos Reis de Carvalho no Estado. "Quando eu quero fazer um projeto, eu mergulho. É um trabalho de esperança, de ocupação. Para que a gente olhe para o Museu Jaguaribano e para a Comissão Científica. Como diz aqui no Ceará, é uma exposição massa".
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Mostra "Quando a Ciência Brasileira Descobriu o Ceará (Aracati, 1859)"
Quando: 23 de abril a 5 de junho
Onde: Museu Jaguaribano de Aracati (Av. Cel. Alexanzito, 743, Centro, Aracati - CE)
Entrada franca
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