Bangay, a escola de samba LGBT que quer conquistar o carnaval do Rio

Primeira escola de samba LGBTQIA+ do carnaval Carioca, a Bangay mantém sua militância para seguir na avenida, mas precisa conviver com falta de investimentos, a violência e o preconceito

09:57 | Abr. 15, 2022

Por: AFP
Com seu 1,90 metro, Louise Murelly é a porta-bandeira da Bangay (foto: ANDRE BORGES / AFP)

Ao chegar ao clube do bairro, Tiago Rosa pendura uma bandeira arco-íris na parede: está para começar o ensaio de sua escola de samba, a Bangay, que se apresenta como a primeira 'escola' LGBT do carnaval do Rio de Janeiro

Com seus trajes coloridos de paetê, sua animada bateria e uma boa dose de samba no pé, esta agremiação, surgida no bairro de Bangu, zona oeste do Rio, se parece a muitas escolas de samba do Rio. Mas o que a diferencia das demais é que seus integrantes são "90% LGBTQIA+", explica à AFP sua fundadora e vice-presidente, Sandra Andréa dos Santos.

Mulher heterossexual, casada com um policial, ela teve a ideia de criar em 2016 um bloco de carnaval (o Bangay Folia), que desse a seus amigos LGBT, que normalmente trabalham nos bastidores do Sambódromo, na Marquês de Sapucaí, um espaço próprio para brilhar.

No ano passado, transformaram o 'bloco' em uma escola de samba, que competirá pela primeira vez no Grupo de Avaliação, a quinta e última divisão do concurso oficial, desfilando na Avenida Intendente Magalhães, no bairro do Campinho, zona norte do Rio, na véspera da abertura do grande espetáculo no Sambódromo.

"Somos a primeira escola que tem essa bandeira (LGBT no Rio). No carnaval, por trás das câmeras, as pessoas que não aparecem, que fazem as fantasias, as alegorias, são, na maioria, do grupo LGBT. Essas pessoas não são vistas, não têm seu espaço dentro do carnaval", diz Tiago Rosa, membro da Comissão de Carnaval de Bangay e assistente de Sandra, carnavalesca da escola.

No último ensaio antes da grande estreia, a drag queen Louise Murelly porta com elegância do alto de seu 1,90 m a bandeira da Bangay. Com a cabeça erguida e um largo sorriso, ela desliza pela pista girando em grande velocidade, cortejada por seu mestre-sala.

A poucos metros, um grupo de passistas formado por várias mulheres transexuais samba com graça ao ritmo da bateria, que é comandada por uma mulher, algo incomum no universo das escolas de samba. Rei, príncipe e vários diretores da escola, entre outros membros, são homossexuais.

"Por que a comunidade LGBT não pode brilhar também na frente e não só nos bastidores?", questiona Murelly, segurando com orgulho a bandeira da Bangay, cujo símbolo é um tigre branco, pois "representa a soma de todas as cores".

Pouco financiamento e muito preconceito

Por desfilar no Grupo de Avaliação, última divisão do carnaval carioca, a Bangay não recebe dinheiro da Prefeitura e precisa se virar com doações, fantasias recicladas e recursos próprios. E à dificuldade econômica se somam as barreiras decorrentes do preconceito.

"Quando a gente desfilou como bloco na rua, vínhamos todos bonitos, mas na hora que a escola entrou, tinha pessoas fazendo xixi em cima, puxando o cabelo, rindo", ilustra Sandra, que se emociona até as lágrimas quando fala da violência sofrida pela população LGBT no Brasil.

Em 2021, 140 pessoas trans foram assassinadas no país, segundo a Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil. "Isso tem que acabar", implora Sandra, com a voz embargada. "O fato de o presidente (Jair Bolsonaro) ser uma pessoa homofóbica e racista dificulta mais", admite esta mulher negra, de longos cabelos cacheados.

Mas a Bangay "está aqui pra isso: para mostrar que todos somos iguais. É um lugar onde você pode ser quem realmente é".

Família Bangay

Minutos antes do começo do ensaio, o camarim improvisado no banheiro do Clube Recreativo dos Industriários de Bangu é um alvoroço de passistas vestindo seus trajes brilhantes, calçando seus sapatos de salto e se maquiando.

"Bangay não significa somente o Carnaval, significa a minha família. Me acolheu e acolheu a todos os que aqui estão", diz Paulo Cardoso, outro integrante da Comissão de Carnaval de Bangay, que usa camisa de veludo azul com ombreiras brilhantes e capa de tule.

Como os times de futebol, toda escola de samba sonha em chegar à primeira divisão: os desfiles do Grupo Especial no famoso Sambódromo, que atraem turistas do mundo inteiro. Mas para isso, a Bangay precisa de patrocínio e de pelo menos um local próprio para ensaiar.

"O que eu quero para minha vida é botar uma escola gay na Marquês de Sapucaí", admite Sandra. Mas ela também diz ter outro sonho: "Ganhar um dinheiro forte, ter uma casa e botar todos os LGBT que não têm onde morar, que a família não aceita".

"A gente sabe que ainda tem muita coisa pela frente, mas estamos preparados para isso, viemos pra luta", consola-se.

Confira imagens dos ensaios da Bangey:

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