Tiktok: entenda a influência da rede social no consumo de música
Após o aumento do consumo do Tiktok durante a pandemia, a indústria da música se adapta para aderir à plataforma em suas estratégias de divulgação
10:00 | Mar. 06, 2022
As gerações mais novas já devem conhecer um nome que se tornou famoso na música internacional: Olivia Rodrigo. A cantora e compositora californiana, que hoje é uma das principais responsáveis por retomar a popularidade do pop punk dos anos 2000, tem várias canções de sucesso, como "Drivers License", "Good 4 U" e "Traitor". Em um ano de carreira, conquistou prêmios em grandes eventos, como o Grammy, principal premiação da indústria fonográfica dos Estados Unidos. Também vendeu milhões de cópias de álbuns e alcançou o topo das paradas da Billboard. Seu rápido sucesso começou por um motivo: as composições viralizaram no Tiktok. Na rede social que tomou grandes proporções durante a pandemia, usuários passaram a reproduzir trends e danças que auxiliaram no consumo das canções da estadunidense.
Ela não foi a única com sucesso semelhante. O rapper Lil Nas X viralizou por causa de “Old Town Road” e agora é uma das promessas do rap americano, com trabalhos como “Industry Baby”, “Dead Right Now” e “Montero (Call Me By Your Name)”. Já no Brasil, há nomes como João Gomes. Com “Meu Pedaço de Pecado”, o cantor de piseiro viu sua trajetória artística obter proeminência. Também há outros grandes hits brasileiros, como “Plutão”, do VMZ, “Tipo Gin”, do MC Kevin o Chris e “Tudo no Sigilo”, de Vytinho NG e MC Bianca.
Mas por que existe essa facilidade de viralizar canções no Tiktok, enquanto, em outras plataformas, isso não acontece de uma maneira tão evidente? “A principal diferença que a gente pode observar é com relação aos direitos autorais. Até então, nenhuma outra rede social permitia o upload de vídeos com trilhas de grandes artistas. O Instagram e o Facebook, por exemplo, excluíam publicações com músicas ou diminuía drasticamente o alcance assim que o post ia ao ar, por violação dos direitos autorais”, avalia Renata Monte, jornalista e produtora na Peixe-Mulher.
De acordo com ela, durante o isolamento social, a forma de consumir música mudou. “O Tiktok cresceu exponencialmente nos últimos dois anos, porque nossas vidas reais passaram a depender e quase coexistir com as vidas virtuais. Sem que nós pudéssemos sair de casa e os músicos e musicistas sem shows, o ponto de encontro entre artista e público foi a internet e, mais especificamente, a tela do celular”, ressalta.
Neste período, a plataforma possibilitou lançamentos, trends ("tendências", em português), danças, desafios e “point of views” (tipo de narrativa que coloca o espectador em primeira pessoa). “De 2020 pra cá, foi essa plataforma que nos apresentou a novos artistas, que nos fez dançar, criar e consumir conteúdos usando várias músicas como trilhas sonoras. Também foi o que nos fez procurar os players como Spotify, Deezer e Apple Music para escutar as versões completas e sem edições que surgiram nos 15, 30 e 60 segundos do Tiktok”, explica.
Por causa disso, a rede social virou um novo ambiente para proliferação das produções. E, com as tendências, lançamentos antigos também retornaram à popularidade. É o caso, por exemplo, de “Dreams”, do Fleetwood Mac; “More Than a Woman”, do Bee Gees; “I’m Just a Kid”, do Simple Plan; “Just The Two Of Us”, do saxofonista Grover Washigton e do cantor Bill Withers; e "Davi", música do compositor mineiro Nelson Ângelo gravada pela cantora paulistana Célia. Todas estavam vinculadas a um tipo de conteúdo específico, que foi reproduzido milhares de vezes por usuários.
“Acredito que o grande diferencial está no uso da música pelo usuário como forma de experimentação, representação ou de inserção da mesma na sua rotina. A música é um tipo de comunicação e ela pode dialogar com conteúdos audiovisuais diversos, sendo como trilha sonora ou até mesmo uma ‘dancinha’”, opina Flávio Marcílio Maia, jornalista, pesquisador de música na internet e autor do artigo “Tiktok e Música Pop: relações entre mídia, plataformas e produção de conteúdo no meio digital”.
Esse impacto fez com que o Instagram entrasse em uma concorrência com a nova rede social. “O TikTok possibilita um novo ambiente de circulação musical no mundo digital. E mais: proporciona a inserção sonora nos conteúdos dos usuários das mais diversas formas, sendo os desafios (challenges), os mais populares. É interessante colocar aqui que o Instagram segue no mesmo ritmo numa concorrência intensa”, cita o pesquisador.
Gêneros musicais no Tiktok
A produtora Renata Monte pondera que a rede social virou mais uma plataforma de divulgação para a indústria musical. “Música é o conteúdo com mais facilidade de viralizar na internet. O funk brasileiro figura entre os cinco gêneros mais consumidos no mundo, ao lado do k-pop, da música latina, do pop e do hip-hop. Em 2020, ano em que o Tiktok mais cresceu, das dez músicas mais ouvidas, sete viralizaram primeiro na plataforma”, indica.
Para o pesquisador Flávio Marcílio, o mundo vive uma era “super globalizada”, principalmente, com a inserção do k-pop. “Os diferentes ritmos e estilos estão espalhados de uma forma em que aparentemente não há uma hegemonia. Obviamente ainda é relevante todo o sistema de estrelato musical feito pelos Estados Unidos, a cultura pop de lá é muito forte”, diz.
Entretanto, há algumas aberturas: “Ao mesmo tempo percebemos pequenas rupturas. A internacionalização de artistas brasileiras como Anitta e Pabllo Vittar são exemplos de como uma música do Brasil pode alcançar outros públicos. E as redes sociais têm possibilitado isso”.
O cantor, compositor e pianista Guilherme Arantes identifica algumas palavras que definem o novo panorama da música: “imediatismo, pulverização, superficialidade e volatilidade”. Apesar disso, acredita que alguns fenômenos interessantes contrariam essa situação predominante. “Como a Marina Sena, que eu adoro”, exemplifica. Com seu álbum de estreia “De Primeira”, a cantora independente viralizou músicas como “Por Supuesto” e percorre ritmos como MPB, indie e pop.
Divulgação no TikTok
A rede social chinesa surge como uma oportunidade para que artistas possam divulgar sua música devido à sua parceria com streamings. “É claro que, quando se trata de artistas independentes, as oportunidades e os alcances não são os mesmos, assim como acontece na vida fora do aplicativo. Ainda assim, é uma janela de divulgação possível e acessível. O conteúdo de artistas independentes é abundante, desde produções musicais caseiras e composições próprias até versões de grandes hits”, cita Renata Monte.
Ela comenta que não há garantias de que a produção faça sucesso, mas a relação da plataforma com Spotify e Apple Music, por exemplo, auxilia no trabalho. “Essa parceria facilita no processo de enviar a música independente para as plataformas de streaming sem precisar de uma gravadora e, de quebra, o artista tem acesso à receita. Não existe uma fórmula e tampouco garantias de que todo artista independente vá viralizar, mas há espaço para isso”.
Mas o pesquisador Flávio Marcílio afirma que o mercado fonográfico na era digital vive uma espécie de montanha-russa devido às rápidas transformações. Com isso, os músicos precisam se adaptar com facilidade e também atuar em outras redes. “A rentabilidade é bastante questionável, principalmente para artistas menos populares, porém, os espaços são os mesmos. É mais sobre se promover e, depois, poder se apresentar ao vivo, pois os shows se configuram como uma boa alternativa financeira”.
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Consequências na indústria
Apesar do Tiktok se estabelecer como uma forma de divulgação quase imprescindível na indústria, muitas reflexões permanecem acerca das consequências desse movimento. “Sei que é raríssimo, mas, mesmo nessas novas plataformas baseadas em pílulas de informação fragmentada, é possível surgir a inovação, algo que acrescente e perdure. Só me preocupa essa história de músicas de um minuto, de 30 segundos. Eu particularmente não gosto e nunca vou me habituar com tamanha fragmentação”, pondera Guilherme Arantes.
Na visão de Renata Monte, ainda é difícil definir as problemáticas, mas ela acredita que há uma busca pelo que é viral, sem um critério do tipo de conteúdo que está sendo compartilhado. “Muitas vezes, artistas com talentos indiscutíveis, trabalhos árduos e cuidadosos não têm o mesmo alcance que músicas que seguem o mecanismo dos jingles, das músicas chicletes. Isso não é novidade, mas a tendência é que se produza em escalas cada vez maiores músicas do mesmo gênero, do mesmo formato, melodias e letras parecidas, padronizando os produtos e levando artistas de outros estilos a seguirem a ‘fórmula viral’”, identifica.
Pessoas com um maior poder aquisitivo também podem contratar profissionais especializados em viralização de conteúdo. E os artistas que não têm tanto dinheiro precisam acumular mais uma função. “Artistas da música têm visto suas possibilidades de contrato para shows e festivais declinarem em nome de influenciadores na internet. Atores e atrizes talentosos estão perdendo contratos para grandes obras porque não são produtores de conteúdo na internet ou não atingem o número de seguidores que as grandes marcas desejam. O caminho pelo Tiktok pode ser incrível, mas a busca constante pela “Tiktokrização’ das coisas é desastrosa”, reflete.
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