"A Filha Primitiva", de Vanessa Passos, destaca os silenciamentos da mulher
"A Filha Primitiva", da cearense Vanessa Passos, está disponível em formato e-book e ganhará uma versão impressa pelo Grupo Editorial Record
09:35 | Fev. 16, 2022
Uma avó esconde a identidade do pai da própria filha. Uma mãe utiliza a escrita como forma de se reencontrar com os segredos de seu passado. Para ela, tudo aquilo que não tem nome não permanece - e, por isso mesmo, chama a própria filha de “menina”, porque seus sentimentos com a maternidade estão longes daquela idealização da sociedade. Uma filha enfrenta a rejeição da mãe, ao mesmo tempo que, desde cedo, conhece os problemas de ser uma mulher. Em “A Filha Primitiva”, a escritora cearense Vanessa Passos dá voz a três gerações de figuras femininas de uma mesma família, que se conectam e se afastam por meio de dores, segredos e violências.
Nesta terça-feira, 15 de fevereiro, o livro venceu a 6ª edição do Prêmio Kindle de Literatura. Doutora em Literatura Comparada e professora de escrita criativa, a autora recebeu o prêmio de R$ 50 mil e terá sua obra publicada em versão física pelo Grupo Editorial Record e em formato de audiolivro. A história, que já está disponível em e-book no site da Amazon, concorria com outras obras. Elas eram: “A Jurema Sob o Sertão”, de Eduardo Soares; “Virgínia Mordida”, de Jeovanna Vieira; “Ciudad Augusta: Uma distopia latino-americana”, de José Manoel Torres; e “Xirê das Águas”, de Juciane Reis.
Agora no processo para publicação de exemplares impressos, a produção de “A Filha Primitiva” é um trabalho que iniciou há cinco anos, quando a escritora tinha somente uma ideia. “Em 2017, veio o conflito central da personagem, que é a grande realizadora da narrativa. Quando percebi essa questão geracional, a tríade da avó, da mãe e da filha, e entendi quais eram suas dores e seu passado, fiz uma espécie de levantamento para estruturar a narrativa”, explicou em coletiva de imprensa.
“Mas eu sentia que faltava alguma coisa. Estudei muito sobre escrita criativa e sabia que não tinha chegado no tom da voz narrativa que o romance precisava. A voz narrativa é uma das questões centrais. Se você não tem um narrador que se sustenta em pé, não vale a pena escrever”, analisa. E, durante a pandemia, pela necessidade de encontrar novos mundos, retornou à história. Aprofundou-se em seus personagens e descobriu o que faltava. Depois da primeira versão pronta, enviou para algumas pessoas fazerem leituras críticas. No total, foram 11 versões (e imprimiu todas, porque, na sua perspectiva, existe a “maldição da página impressa”, em que os erros se destacam em uma folha de papel).
Durante a escrita, ainda havia outro desafio: escrever três personagens diferentes que não têm nomes. Aliás, nenhuma das mulheres são nomeadas. “‘A Filha Primitiva’ conta a história de três personagens que não têm nome. Uma avó, uma mãe, uma filha, e trabalha uma relação que envolve o amor e o ódio, que tira a romantização da maternidade. O livro também adentra outras questões, como a ancestralidade e os traumas, sobretudo aqueles que são calados, que são silenciados”, reflete.
Para a escritora, a ausência dessa nomeação é significativa, porque demonstra o silenciamento provocado pelo racismo e pelo machismo. Revela, portanto, o espaço de personagens que estão à margem na vida e também na literatura. “Por várias razões, acredito que elas não deveriam ser nomeadas. Primeiro, para fazer relação entre forma e conteúdo. Nenhuma das mulheres tem nome, e os homens são nomeados. O segundo ponto é que a narradora, a mãe que também é filha, tem uma relação de distanciamento com a filha. Ela não desejava ser mãe, e trabalho a questão da rejeição da maternidade”, explica.
Publicação digital
“A Filha Primitiva” foi primeiro publicado em formato digital na Amazon, por meio do Kindle Direct Publishing, uma ferramenta que permite que escritores disponibilizem suas obras sem os métodos convencionais, por grandes editoras. Vanessa Passos comenta sobre sua decisão de publicar no espaço virtual: “O que é mais bacana é a questão da democratização. Primeiro, existe uma plataforma incrível, e isso te ajuda. Também sou aquela escritora que abraça meu livro, estou perto dos meus leitores, não só coloco na plataforma e espero que as coisas aconteçam”.
“Enquanto, com o livro físico, a gente precisa lidar com o tempo de edição, publicação, de postagem dos Correios, do leitor comprar, no KDP é imediato. Tem o alcance de um clique, as avaliações e as resenhas, os leitores indicam para outras pessoas… (Essa repercussão) vai acontecendo. Muitos autores que não encontram espaços nas editoras, sobretudo no período da pandemia, têm uma ferramenta para tornar o livro conhecido e chegar em mais leitores”, diz.
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