Hallyu: Literatura sul-coreana ganha espaço em editoras brasileiras

A Hallyu, fenômeno de propagação da indústria de entretenimento da Coreia do Sul em outros países, também gera impactos na literatura

A escritora Han Kang era uma criança quando saiu de Gwangju para Seul, a capital da Coreia do Sul. Pouco tempo depois da mudança, viu na televisão algumas notícias sobre o massacre que ocorreu em sua cidade. Em maio de 1980, o exército sul-coreano reprimiu um levante estudantil durante a ditadura de Chun Doo-hwan e matou quase 600 pessoas. Anos depois, a autora decidiu ficcionalizar a situação em “Atos Humanos” (Todavia) e focar na trajetória de Donho, um adolescente que sobreviveu à tragédia, mas busca seu melhor amigo entre as vítimas que faleceram.

Em “Pachinko” (Intrínseca), Min Jin Lee se debruça sobre outras situações que marcaram a história do país. Nos anos 1900, a adolescente Sunja se apaixona por um rico forasteiro e engravida. Ele, porém, já estava casado com outra pessoa. Por isso, a jovem decide se casar com um gentil pastor que estava em migração para o Japão. Mas, no país que invadiu a Coreia do Sul, explorou seus habitantes e tentou modificar sua cultura, os coreanos não eram bem-vindos. Para esses estrangeiros, restava sobreviver à miséria. E, quase um século depois, a escolha de Sunja reverbera nas próximas gerações da família.

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As duas obras, publicadas por editoras brasileiras diferentes, representam um movimento ainda incipiente no Brasil, mas que ganha cada vez mais destaque internacional: a comercialização e tradução de livros sul-coreanos. A hallyu - tradicionalmente associada à música e ao audiovisual com nomes como BTS e Bong Joon-ho - também está presente na literatura. Esse movimento de propagação da cultura da Coreia do Sul chega ao mercado literário alguns anos depois.

“A Intrínseca tem como norte buscar histórias que sejam impactantes e encantem os leitores. Acreditamos na força da literatura e que é importante abrir espaço para mais vozes e outras culturas. Então, nesse caminho de ampliar nosso catálogo e atender à demanda dos leitores interessados pela cultura sul-coreana, nada mais justo que reunirmos esforços para trazer esses títulos para o Brasil”, explica Talitha Perissé, editora de aquisições.

De acordo com a profissional, há um espaço a ser explorado, porque os leitores querem ser desafiados por histórias, culturas e lugares distintos. Esses consumidores gostam de ser apresentados a novas realidades e estilos de escrita diferentes. “Mesmo quem não é familiarizado com certas culturas acaba sendo cativado pela constatação de que há muitos talentos contando histórias que precisam ser lidas. Os leitores têm sido muito receptivos e têm nos pedido ainda mais livros coreanos, e de outros países asiáticos. É uma experiência incrível enfrentar esse desafio de atendê-los”, pontua.

Para Andre Conti, editor da Todavia, a editora já busca publicar no Brasil conteúdos de países diversos. “A gente tinha a ideia, quando começou a Todavia, e segue com a ideia de trazer diversidade de literatura para os leitores. Apostar que, para além do romance norte-americano, também tem o romance norueguês, coreano, islandês… Uma segunda parte é que o acesso que estamos tendo para a literatura coreana, via traduções para o inglês, aumentou muito. É uma literatura muito forte, muito impactante, que mexe com a gente”, explicita.

A Todavia já publicou alguns livros, como “A Vegetariana” e “Atos Humanos”, de Han Kang, além de “O Bom Filho”, de Jeong Yu-jeong. “Esses livros entraram para o imaginário do leitor brasileiro que acompanha a literatura publicada por aqui. Existe uma vontade do leitor não só de conhecer outras culturas, mas também em relação ao enamoramento com a cultura coreana, que chega pela música, pela televisão, pelo cinema. A gente começa a ter uma noção da riqueza dessa cultura”, afirma Andre Conti.

Características

A literatura exportada para Ocidente tem alguns aspectos característicos. Uma das particulares é que a maioria dos autores que se tornam “bestsellers” e ganham repercussão fora de seu país de origem são mulheres. Min Jin Lee, Han Kang, Young-Jeong Jeong e Bae Su-Ah são algumas das escritoras que viraram porta de entrada para essas obras.

Também há outra marca: as histórias costumam tratar - de uma forma ou de outra - de traços marcantes da cultura da Coreia do Sul, como a relação do lugar com o Japão, as consequências da ditadura durante a década de 1980 e os impactos do capitalismo distante do ideal do Tigre Asiático. Com isso, os leitores são apresentados a questões específicas da cultura sul-coreana, como a maneira de tratamento entre os cidadãos, as relações familiares e as questões sociais.

Hallyu e literatura

Com o aumento do espaço da música e do audiovisual sul-coreanos, também surgem novas possibilidades para o mercado literário. Um dos exemplos começou com o k-drama “It’s Okay To Not Be Okay” ("Tudo Bem Não Ser Normal"), disponível na Netflix. O enredo mostra Go Moon Young, uma mulher que lida com os traumas de seu passado e seus sentimentos por meio da escrita de livros infantis.

Ela, que se tornou popular por suas narrativas pouco convencionais, tem vários livros famosos. São eles: “O Cão Alegre”, “A Mão e o Tamboril”, “Em Busca da Feição Real”, “Criança Zumbi” e “O Menino que Se Alimentava de Pesadelos”. Neste último, um garoto é assombrado por pesadelos e vai até a floresta para fazer um pacto com uma bruxa. Ela apagará todas suas memórias ruins, contanto que ele prometa se tornar um adulto feliz.

“Uma série que é assistida por milhões de pessoas certamente dá mais visibilidade a um livro, como aconteceu com as obras de ‘It’s Okay To Not Be Okay’. Com isso, há mais chances de que o título seja procurado por editoras e, por fim, ganhe espaço nas livrarias. Só que isso não é suficiente. A história precisa ser boa e ressoar nas pessoas, cativá-las ou criar identificação”, diz Talitha Perissé, da Intrínseca.

“A coleção traz contos de fadas que tratam de questões muito importantes, como o abandono, os impactos da superproteção, a amizade, a liberdade e o autoconhecimento. Não é preciso ser fã da série para ler as obras, porque essas questões afligem a todos nós. No entanto, conhecer a série com certeza é interessante, porque amplifica o entendimento dos livros e de como eles dialogam com os personagens da produção”, opina.

Para conhecer a literatura

O Vida&Arte separou cinco livros para você conhecer a literatura sul-coreana. Veja alguns títulos publicados pela Intrínseca, pela Todavia e pela Estação da Liberdade.

Livros esperados para 2022

Um dos lançamentos da Coreia do Sul que chegam ao Brasil em 2022 pela Intrínseca é “Kim Ji Young, Nascida em 1982”, escrito por Cho Nam-ju. Kim Ji Young é uma mulher comum de Seul, que passa seus dias em seu pequeno apartamento cuidando de sua filha.

Mas, de repente, ela pode personificar vozes de outras mulheres, que já estão mortas ou ainda estão vivas. A protagonista se aprofunda nesse estado de psicose, e seu marido lhe encaminha para um psiquiatra. A partir disso, a personagem narra sua história desde o nascimento.

Já pela Todavia, haverá o livro “Sete Anos de Escuridão”, de Jeong Yu-jeong, ainda no primeiro semestre deste ano. Na história, uma criança é encontrada morta em um lago, em uma vila remota na Coreia do Sul, e a polícia inicia as investigações.

Mas três homens têm algo a esconder sobre o dia de sua morte: Yongje e dois guardas de segurança guardam segredos que lhe colocarão em um jogo perigoso. Após isso, uma das pessoas é enviada para a prisão. Por sete anos, Sowon, o filho do homem preso, vive na sombra do crime que seu pai cometeu, mas tudo muda quando ele recebe um pacote misterioso.

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