Sem permissão, site vende músicas de banda cearense, BTS e Britney
Plataforma HitPiece promete aos usuários aquisição da propriedade de músicas no formato de NFT, mas venda não é consentida por artistas. Catálogo saiu do ar após reação de artistasEm plataformas de música pagas ou gratuitas, é possível agora mesmo buscar, por exemplo, pela música "O Silêncio é Vermelho", da banda cearense maquinas, que compõe o álbum "O Cão de Toda Noite" (2019). Cada play, seja no Spotify, no YouTube ou no bandcamp, dá valores — em maior ou menor escala — para o grupo. Na manhã desta quarta, 2, no entanto, a banda se deparou com a faixa sendo vendida sem consentimento dela como NFT (sigla em inglês para "token não fungível") no site HitPiece, que clama ser especializado na tecnologia. Além da maquinas, canções de diversos outros grupos independentes e até de artistas como Britney Spears, BTS e da trilha sonora da animação "O Rei Leão" estão sendo ofertadas sem permissão na plataforma.
Já fazem alguns meses desde que o NFT começou a se popularizar no mundo das artes, mas a dinâmica da tecnologia ainda provoca dúvidas e debates. Em termos básicos, o NFT seria um objeto virtual que, uma vez adquirido, vira propriedade inviolável, autêntica e rastreável de quem comprou.
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O fato não necessariamente passa por cima dos direitos autorais de uma obra, por exemplo, e artistas de diferentes linguagens vêm apostando na tecnologia. No caso do HitPiece, porém, a venda das músicas vem sendo feita sem conhecimento prévio ou autorização dos artistas, além de evidenciar o caráter especulativo que envolve os NFTs na arte.
“Foi tudo muito rápido. Fui acompanhando notícias sobre esse site ontem no fim de tarde, começo da noite, e era muito sobre alguns artistas que eu sigo no Twitter, selos conhecidos no cenário alternativo, que começaram a expor as práticas deste site de vender músicas como NFTs, sendo que a maioria de artistas não estavam sabendo e sequer autorizaram o uso”, contextualiza Allan Dias, baixista da maquinas.
Na manhã de hoje, 2, porém, o músico ficou sabendo da oferta da música da banda no site a partir de um amigo. “É muito bizarro e até um pouco assustador como você não tem controle das coisas na internet. A princípio eu não tenho problema nenhum das pessoas usarem a música para consumo, mas não para revenda, porque aí já não é correto”, avança o artista.
A plataforma oferta de maneira não autorizada músicas de artistas independentes, que já vêm se posicionando contra nas redes sociais, e até de grandes nomes mundiais como o grupo de k-pop BTS, a cantora pop Britney Spears e o músico britânico Brian Eno, este último um crítico dos NFTs.
“É uma coisa internacional, então obviamente muitos selos e artistas internacionais já tomaram providências, entraram com processos contra o site. Para a gente, fica aquela coisa de acabar assistindo a briga mesmo que envolva a nossa música, porque a gente não sabe a quem recorrer, fica um desalento”, compartilha Allan.
“A gente oferece (a música) de graça no bandcamp (plataforma de música), mas pegar o seu produto e ser oferecido nesse meio dos NFTs, que eu tenho muitas ressalvas, isso não vamos permitir, mas acaba sendo briga de cachorro grande. Como artistas da margem, a gente fica apenas à mercê”, afirma.
Após críticas e movimentos de artistas nas redes sociais, o HitPiece derrubou todas as páginas de venda de NFTs e emitiu nota afirmando que estão em busca de "criar a experiência ideal para fãs de música".
No texto, a plataforma afirma que artistas são pagos quando NFTs são vendidos no site — apesar de não especificar como — e que se compromete em "evoluir" para atender as necessidades de artistas, selos e fãs.
Não é possível saber até o momento como o HitPiece conseguiu oferecer as canções de tantos artistas e grupos na própria plataforma, mas é possível que isso tenha ocorrido a partir de uma apropriação de dados do Spotify e/ou outras plataformas de música. De acordo com a página do LinkedIn da startup, ela é comandada pelos executivos Rory Felton e Michael Berrin, dos EUA, ligados a majors da música no país.
“Eles vão se aproveitar dessa reação, mesmo que negativa, para benefício próprio, parece uma ação de marketing desonesta para tentar capitalizar em cima disso a qualquer custo. É muito sórdido e desalentador para quem é artista”, avalia Allan.
O caso da apropriação indevida de músicas pelo HitPiece é o mais recente de um movimento de artistas que vêm questionando as dinâmicas da indústria da música. Allan lembra, por exemplo, dos canadenses Neil Young e Joni Mitchell, que retiraram as músicas do Spotify em boicote à presença de um podcast negacionista na plataforma.
Além do movimento de boicote recente, outros artistas reconhecidos internacionalmente já questionaram diferentes práticas do Spotify. A britânica Adele, ao lançar o mais recente álbum, “30”, em novembro de 2021, demandou que o serviço retirasse a possibilidade do usuário ouvir o disco de modo “aleatório” — o que foi atendido. Em 2014, Taylor Swift retirou em 2014 toda a sua discografia da plataforma em defesa de pagamentos mais justos aos artistas. Em 2017, os discos retornaram.
“Para mim, a música é um bem universal. Particularmente, nem sou muito fã de boa parte dessas plataformas de streaming, como o Spotify, porque o artista praticamente não ganha. Você acaba seguindo lá porque boa parte do público consome por esses aplicativos e a gente acaba tendo que seguir”, avança.
“Quando você vê esses casos, acaba tendo que tomar uma posição. Mesmo que muitos artistas não tenham poder de tirar as músicas por não terem tanta expressividade, a gente não deixa de ressaltar que apoia isso porque a música tem que ter um caminho mais justo, igualitário. Como artistas mais alternativos, na margem, a gente acaba sendo engolido todo dia pelos big players, mas temos que tomar uma posição e nos expressar de alguma forma”, conclui Allan.
Confira “O Silêncio É Vermelho”, da banda maquinas, em plataformas autorizadas:
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