Quer criar um hábito de leitura? Influenciadores dão dicas de organização
Quando um novo ano inicia, muitos planejam suas metas. E um dos objetivos recorrentes é a criação de um hábito de leitura. O Vida&Arte conversou com influenciadores digitais para dar dicas sobre como inserir os livros no cotidianoQuando Valter Hugo Mãe escreveu “Contra Mim”, ele expôs sua relação íntima com a literatura. “Para mim, as palavras prometiam milagres, nunca pertenciam ao normal. Eram instrumentos de partida. Iniciavam deslocações e mudanças profundas. Talvez até nos impedissem o regresso, por maior esforço ou inteligência”, afirmou. Ainda pequeno, observava atentamente as palavras como se nelas pudesse encontrar os milagres da vida.
E, para ele, era mesmo uma espécie de fenômeno sobrenatural: “Tínhamos em casa uma Bíblia que era a própria carne de Deus. Não lhe devíamos tocar, não poderíamos passar diante dela sem respeito, sem estarmos lavados, silenciosos, de mãos abertas e nenhuns segredos, de pensamento puro. Deus estava guardado numa cuidadosa gaveta da nossa casa e era feito de papel. Deus era um livro. Pensava: Deus era um livro”.
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Apesar do Brasil ser um País com poucos leitores assíduos (apenas 40% dos brasileiros leram pelo menos um livro em 2019, de acordo com a pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, realizada pelo Instituto Pró-Livro), muitos buscam reencontrar o encantamento descrito pelo escritor luso-angolano. No início de cada ano, brasileiros traçam metas para tornar a leitura um habito diário e para recuperar a magia das palavras - que, às vezes, estava presente na infância e na adolescência, mas que foi perdida com a rotina da vida adulta.
Partindo desse ponto, o Vida&Arte conversou com alguns influenciadores digitais que têm como compromisso incentivar a relação afetiva das pessoas com os livros. Em uma sociedade que não estimula a leitura como um ato prazeroso e lúdico, essas pessoas lutam contra a ideia de que os brasileiros não possuem a cultura de ler. Eles dão dicas sobre como estabelecer a literatura no cotidiano e desenvolver um sentimento de afeto com as obras literárias.
Hábito diário
Considerado um dos maiores influenciadores digitais de literatura no Brasil, o advogado Pedro Pacífico dissemina um pensamento entre seus seguidores: “a leitura é um hábito diário”. É uma frase simples, que também é compartilhada pelas milhares de outras pessoas que promovem a relação mais próxima com os livros. “A minha primeira dica para quem está começando o hábito da leitura é não ter uma cobrança excessiva, porque, caso contrário, a leitura pode se tornar apenas uma cobrança. E a leitura literária é para ser completamente diferente, é para ser algo prazeroso. Então, se a pessoa começar a ler de cinco a dez páginas por dia, já está ótimo”, recomenda Emili Fano, estudante de Letras e influenciadora digital da página “Gente Literária”.
Luiz Ribeiro e Luisa Bertrami, da página “Nota Terapia”, defendem o mesmo: “A principal dica, apesar de ser clichê, é começar. A coisa mais difícil de não ler é não ler. Quando a gente começa a ler, a leitura vai se tornando parte do nosso cotidiano, nossa cabeça pede, nosso corpo reclama. E outra coisa importante: ler não é ficar parado, é um exercício físico, não tem posição adequada, o corpo dói, a perna reclama. Tudo fica chamativo pra tirar a gente dali. Ler é um esforço físico que, depois que a gente supera a fase inicial, torna-se um dos hábitos mais prazerosos de todos”.
Mas, para iniciar, é importante não estabelecer objetivos exagerados, porque facilitam a desistência. “Colocar metas possíveis é a forma mais adequada de conseguir cumpri-las, já metas utópicas pode levar à desistência cedo por não conseguir acompanhar o ritmo. Recomendo começar com um livro menor, de fôlego mais rápido, até pegar o ritmo e ir intercalando leituras mais densas e livros maiores com leituras mais tranquilas e/ou menores. Isso não significa ler livro fácil, pelo contrário, é sempre bom se desafiar, mas em níveis diferentes”, indica Luiz.
Uma pergunta, entretanto, pode vir à mente daqueles que ainda não são leitores: "qual gênero eu gostaria mais"? De acordo com Emili Fano, as pessoas costumam gostar de leituras que se assemelham ao seus gostos por séries e filmes. “Uma coisa que parece que funciona muito é pensar em quais gêneros de filmes e séries a pessoa costuma ver. Se a pessoa gosta muito de ver filmes e séries de romance, por exemplo, então provavelmente vai gostar de livros que tenham essa temática e esse gênero”, identifica.
Karine Leôncio, da página “KabookTV”, compartilha da mesma perspectiva. “Procurar livros que se assemelham aos filmes e séries que você já assiste pode fazer toda a diferença. Leituras leves e mais fluidas e, quem sabe, dar a oportunidade para aquele livro que está todo mundo falando”, pontua.
Organização de leitura
- Post-it
Muitos utilizam pequenos pedaços de papel coloridos para marcar partes da leitura. Cores distintas podem ser usadas para fazer anotações sobre construção de personagem, frases que fazem sentido ao leitor, estruturação de narrativa e outros elementos da história. Os post-its são recomendados para quando você quiser retornar ao livro e manter a memória das partes principais.
- Marca-texto
Marcadores de texto são objetos recorrentes nos estojos de crianças e adolescentes que frequentam a escola diariamente. E, na literatura, ela pode adotar um significado não somente didático, mas também afetivo. Com cores diferentes, é possível marcar os conteúdos que considera mais importante.
- Diário de leitura
Para aqueles que são mais organizados, os diários de leitura são uma opção. Nas páginas, há a possibilidade de registrar trechos favoritos, colocar a ordem dos livros lidos, avaliar as obras e escrever suas metas para o ano. A Tag Livros, um clube de assinatura, vende seu próprio produto, mas no Youtube também há vídeos que ensinam como elaborar um caderno “DIY” ("do it yourself", ou seja, "faça você mesmo").
- Planner literário
Outra maneira de se organizar é fazer um calendário destinado exclusivamente à leitura. Quantas páginas gostaria de ler em um dia? Que livros pretende conhecer em um mês? Quais outras metas quer alcançar no ano que se segue? Esses produtos podem ser comprados em lojas como a Tag Livros e a Shopee, mas ainda há como adaptar os planners tradicionais ao seu objetivo.
- Aplicativos
Aos que preferem formas modernas para organizar as leituras, existem muitos aplicativos - alguns até que funcionam como rede social - para registrar os livros. O mais famoso é o Skoob, onde os usuários podem classificar as obras, organizar o que pretende ler e ainda conversar com outras pessoas. Mas também há outros, como Goodreads, Cabeceira e Bookly.
Clubes de leitura
Você já teve a sensação de ler um livro tão bom que queria encontrar alguém que também conhecesse a história para comentar? Caso não tenha passado por isso, é provável que, ao manter o hábito da leitura, esse sentimento apareça. Nesta perspectiva, existem os clubes de leituras com suas mais variadas formas de organização. “Eu tenho grande experiência em clubes de leitura e tenho certeza de que é muito importante na formação de um leitor, porque, nos clubes, a gente tem a oportunidade de dialogar com pessoas que estão lendo as mesmas obras”, afirma Emili Fano, também criadora do grupo de leitura Gente Literária.
No início da pandemia, ela começou a se reunir em formato on-line com alguns de seus seguidores. O objetivo era simples: ler “O Morro dos Ventos Uivantes”, de Emily Bronte, que nunca havia conseguido terminar. No ano seguinte, todo mês havia um livro novo, baseado em sugestões dos participantes. Alguns dos títulos foram “A Cachorra”, de Pilar Quintana; “Tortor Arado”, de Itamar Vieira Junior; “O Sol É Para Todos”, de Harper Lee; e “O Quarto de Despejo”, de Carolina Maria de Jesus.
Em 2022, pretende abordar obras literárias de autores de nacionalidades diferentes. E os próximos meses já foram organizados. Haverá, por exemplo, “O Estrangeiro”, por Albert Camus; “A Máquina de Fazer Espanhóis”, por Valter Hugo Mãe; “A Guerra Não Tem Rosto de Mulher”, por Svetlana Alexijevich; “Sobre os Ossos dos Mortos”, por Olga Tokarczuk; “A Insustentável Leveza do Ser”, por Milan Kundera; e “Tudo é Rio”, por Carla Medeira.
“Em clubes, só tem vantagens. A primeira delas é que a gente consegue criar afinidade com pessoas que gostam muito de ler. É bem motivador ter várias pessoas lendo os mesmos trechos, as mesmas páginas, os mesmos capítulos e que estão tendo as mesmas angústias e mesmas surpresas. Acho que a segunda questão é a troca de experiências. Cada pessoa tem sua bagagem, então cada pessoa tem suas perspectivas de uma obra, de um trecho. Eu posso pensar uma coisa, outra pessoa pensa outra coisa, e a gente vai dialogando sobre aquele assunto”, pontua Emili.
O grupo de leitura do NotaTerapia surgiu de forma semelhante: quando a pandemia e, consequentemente, o isolamento social começaram, Luiz Ribeiro e Luisa Betrami queriam encontrar novas experiências e atividades. Eles buscavam ideias para a página deles, que surgiu em 2015 e permanece ativa até hoje no Instagram e no Youtube. “Esse foi o primeiro pontapé para tirarmos do papel da ideia do Clube, que já tínhamos o desejo de fazer, mas tinha sempre ficado em segundo plano. Tem sido uma experiência incrível. Fazemos a curadoria buscando apresentar aos participantes uma diversidade em termos de temáticas, países e gêneros”, comentam.
“Nos preocupamos em mesclar clássicos com produções mais contemporâneas, livros nacionais com livros estrangeiros, sempre tendo em mente a questão da diversidade e da representatividade, porque acreditamos que esses são pontos fundamentais”, ressaltam. Para eles, falar sobre literatura permite que as pessoas se conectem umas às outras. “É comum que amantes de livros sejam um pouco mais solitários ou introvertidos; são pessoas que encontram nos livros uma forma de habitar o mundo e se relacionar com os outros e consigo mesmo. Quando compartilhamos de um espaço em que mais pessoas vivem a mesma relação com os livros do que a gente, encontramos um eco dessa experiência que dá ainda mais gosto à leitura”, refletem.
Podcast Vida&Arte
O podcast Vida&Arte é destinado a falar sobre temas de cultura. O conteúdo está disponível nas plataformas Spotify, Deezer, iTunes, Google Podcasts e Spreaker.
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