"Vai dar certo - para quem?": Confira crítica sobre Bienal de Dança do Ceará

Especialista em mídia, informação e cultura, o crítico Henrique Rochelle escreve para o Vida&Arte sobre a 13ª edição da Bienal de Dança Internacional do Ceará
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A Bienal de Dança do Ceará é uma grande área de contato. Todas suas ações misturam gente, misturam danças, misturam origens. Mas tem algo de especial que acontece dentro dos Percursos de Criação, plataforma de residências artísticas curtas, que colocam intérpretes locais para criar. Um dos frutos dos Percursos desse ano, ‘Área’, dirigido por Luís Alexandre e Rosa Primo, foi o ponto alto da programação.

‘Área’ reuniu bailarinos vindos dos Cucas (Centros Urbanos de Cultura, Arte, Ciência e Esporte) para falar sobre o meio ambiente. O resultado, feito com pouco tempo e pouco recurso, testemunha a imensa potência desses jovens artistas.

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Na reflexão que eles propõem, muito rápido a questão ambiental engole questões socioeconômicas. Enquanto debatemos de quem é a preocupação com a crise climática e a guerra iminente, eles nos lembram que, para alguns, a guerra já começou há muito tempo, e a luta nunca diminuiu.

O privilégio sócio-político-econômico-climático-ambiental é uma avalanche destruidora, que esmaga uns para garantir a força de outros. Os derrubados são sempre os mesmos, e caem como as cenas de queda e desabamento da obra. Por Fortaleza toda, muros e propagandas nos dizem: Vai Dar Certo. ‘Área’ repete a pergunta que eu vi pixada pelo centro: vai dar certo — para quem?

Rostos cobertos por sacolas plásticas, sufocados e com a movimentação que pulsa com o peito batendo forte, arfando, sem conseguir respirar, eles nos perguntam o que estamos fazendo com o mundo, o que vai sobrar dele, e quem fica com o que sobrar. A ameaça é real, mas eles continuam. O corpo inventa a sua inteligência. Quando a existência depende tão intensamente de você mesmo, não há lugar para apatia. O corpo precisa ser esperto, e descobrir como inventar a sua continuidade. Eles são. E a continuidade inventa alegria onde só existiria destruição.

O trabalho é emotivo, é inteligente, é perspicaz, e é excelente. Fala do clima, fala do mundo, fala para o mundo, e fala também de um pedaço do mundo para onde nem sempre se olha. A música de Mateus Fazeno Rock que termina a trilha sonora avisa: “quem se cria na selva aprende a caçar / é muito fácil falar não estando no seu lugar / então vai lá para ver”. Aqui, eles vieram para nos mostrar. E muito mais gente precisa ver isso.

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‘Área' expõe um ponto de vista que só tem essa potência toda porque vem de absoluta sinceridade daquilo que esses bailarinos abrem para nós. E por isso bate forte. Atinge e comove o público. Se a plateia atrapalha a experiência, é porque ela insiste em se manifestar e acaba roubando a atenção. Mas a gente entende que isso acontece porque o público se vê em cena, porque (finalmente) se sente parte da dança.

Porém, independente das manifestações de amizade, esse elenco merece ser visto e aplaudido simplesmente porque é incrível. Clarice, Deborah, Ewerton, Fran, Gisselly, Jônatas, Jonathan, Kew, Luan, Lucas, Manu, e Rickson — tomaram a bienal em assalto, e foi difícil continuar a discutir a programação depois disso.

Eles têm uma coisa que fica aparente em muito da dança daqui: um jeito único de fazer arte política, que se nega a ser menos arte, e, por isso, é sempre desconcertante e encantadora. Move a plateia e o mundo. São outros pontos de vista, outras experiências, outras áreas a conhecer. Algumas a serem encontradas, outras a serem invadidas, outras a serem protegidas. A todo custo. 

Henrique Rochelle é Doutor em Artes da Cena, Professor Colaborador da ECA/USP, membro da APCA, e editor do site Outra Dança.

 

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