50 anos de "Imagine": entenda o legado do clássico de John Lennon
Há 50 anos, ex-Beatle John Lennon lançava "Imagine", o segundo álbum de estúdio de sua carreira solo
10:00 | Out. 23, 2021
Há 50 anos, um dos álbuns de maior relevância para o rock mundial, foi lançado. E, para entender o legado, sugiro que você leia a matéria enquanto o escuta:
Os pensamentos políticos ao cantar: “nenhum filho do Richard Nixon careta e covarde vai me engambelar com conversa mole”. Os sentimentos de amor expressados na letra: “oh, minha amada, pela primeira vez na minha vida, minha mente pode sentir”. As angústias de uma juventude sem rumo em meio às guerras ao entoar: “você sabe que a vida pode ser longa e que você tem que ser tão forte e o mundo é tão duro. Às vezes sinto que já tive o suficiente”. As mensagens de positividade e de busca por uma utopia no momento em que diz: “imagine todas as pessoas vivendo a vida em paz. Você pode dizer que sou um sonhador, mas eu não sou o único”. E até ressentimentos destilados em indiretas: “você vive com héteros que dizem que você é o rei. Salte quando sua mãe lhe disser alguma coisa. A única coisa que você fez foi 'Yesterday'”.
Nas dez canções que compõem o álbum “Imagine”, John Lennon revela não apenas seu universo mais íntimo como também reflete o contexto sociopolítico que o mundo vivia na época. Do amor às críticas políticas, e do rancor aos pedidos de paz, o compositor percorre um caminho musical que talvez não faça muito sentido para um leigo na obra do ex-Beatle. Entretanto, é o exato retrato de sua realidade (e de tantas outras pessoas) no início da década de 1970. O segundo disco de estúdio do cantor foi um marco em sua carreira e para as próximas gerações. E está completando 50 anos em 2021.
Na época em que lançou a obra, Lennon recebeu uma confirmação que já tinha sido compreendida com sua estreia em “John Lennon/Plastic Ono Band” (1970): era possível seguir em frente com - e sem - o legado da banda The Beatles. A consagração que obteve pelos sucessos de “God” e “Mother” no primeiro álbum se tornou ainda maior com o single “Imagine”.
“A diferença entre ‘Plastic Ono Band’ e ‘Imagine’ é a urgência. O primeiro foi gravado mais à toque de caixa. Ele chamou alguns amigos, como Ringo Starr, para participar e foi gravando com uma certa urgência. Ele estava fazendo uma terapia do grito primal, aprendeu que as coisas deveriam ser compostas e lançadas rapidamente. Neste disco, ele gravou tudo da maneira mais primitiva possível, agora com bons músicos, bem ensaiado, então é um álbum maravilhoso”, explica José Carlos Almeida designer e editor do portal “Beatles Brasil”.
“Já o ‘Imagine’ foi um álbum gravado com mais tempo, recebendo os músicos em casa. Existem até filmagens das gravações. Foi um disco que John Lennon teve mais tempo para bolar e gravar. Também foi um álbum que teve mais promoção. Teve uma coleção de videoclipes e o famoso clipe da música ‘Imagine’”, pontua as distinções.
Utopia e pós-ruptura
Para além da importância de seu segundo disco como maneira de demarcá-lo na indústria fonográfica durante sua carreira solo, a faixa-título obteve uma repercussão que extrapolou todas as suas outras composições. São incontáveis as regravações, adaptações e homenagens à canção “Imagine”. Escrita durante um contexto de Guerra Fria e em meio às manifestações contra a Guerra do Vietnã, a obra permanece presente por gerações e se molda à realidade de cada época.
“A faixa-título se tornou um hino pacifista até hoje. Atravessou cinco décadas assim. Segundo a Yoko Ono, a música foi criada como parte de uma preocupação com as crianças. Nas Olimpíadas do Japão, teve novamente uma performance que emocionou a todos. É atemporal”, explica o jornalista e radialista Nelson Augusto.
De acordo com a cantora e compositora Mona Gadelha, a música continua relevante, principalmente, na realidade em que a sociedade brasileira vive atualmente. “É uma mensagem universal de não haver barreiras no mundo. É bastante utópica. A gente está em um mundo em plena distopia (...). Mas, ao mesmo tempo, a gente está vivendo em um tempo em que há um esforço muito grande para manter a resistência, a esperança, o sonho e o ideal utópico diante dessa reviravolta que está acontecendo com problemas gravíssimos”.
Outra composição emblemática do disco é “How Do You Sleep?”, dedicada diretamente ao seu antigo parceiro de banda, Paul McCartney. Na época, os ex-membros dos Beatles começavam suas respectivas carreiras solos, mas ainda estavam à sombra do legado deixado por uma das bandas que revolucionaram a indústria musical. Depois da enorme popularidade mundial e da qualidade das produções, um dos principais questionamentos entre a mídia e o público era: o que há depois disso?
Na letra, John Lennon entoa: “Então o Sgt. Pepper o pegou de surpresa/ Melhor você ver direito através dos olhos daquela mãe/ Aqueles malucos estavam certos quando disseram que você estava morto/ O único erro que você fez foi em sua cabeça/ Diga-me/ Como você dorme?”. Segundo Nelson Augusto, “o Paul era mais preocupado com a questão do sucesso das músicas. Depois que os Beatles se separaram, ele se desesperou um pouco, mas conseguiu sucesso com (o disco) 'McCartney I'. Apesar de depois terem voltado a ser amigos, tinha essa rixa de quem faria sucesso primeiro”.
Para Mona Gadelha, “Imagine” foi importante para mostrar a pós-ruptura com a banda. “Antes, ele tinha álbuns bastante experimentais com Yoko Ono, como ‘Two Virgins’, em que os dois apareceram nus na capa. Já se prenunciava um artista bastante inquieto, questionador, iconoclasta, revolucionário e coerente com sua contemporaneidade, com as coisas que estavam acontecendo no mundo”, indica.
Em sua perspectiva, John Lennon estava na busca por entender a si mesmo por meio de suas produções artísticas. “É muito interessante observá-lo nessa busca por si mesmo, por entender o mundo. Há essa questão da arte como interiorização, como mergulho em si, da arte no ponto de vista filosófico. Me parecia que não era só fazer música pop, mas ter uma relação visceral com a música”, avalia.
Apesar de seu segundo álbum solo revelar suas opiniões políticas, foi com “Some Time In New York City” (1972) que estabeleceu seu lado mais ativista. Mesmo com tentativas de deportação por parte de Richard Nixon, John fez músicas como “Angela”, “John Sinclair”, “Sunday Bloody Sunday” e “Born In A Prison”.
“A gente está tão órfão de cantores e compositores. Tem cantores que explodem nas redes sociais e depois passam despercebidos. A obra de John Lennon teve espaço. Ele era o tipo de pessoa que pegava um megafone e ia para o meio da rua. Lutou pela paz, contra a Guerra do Vietnã. Passou por uma briga constante com o governo (estadunidense) em relação ao posicionamento político dele”, cita Nelson Augusto sobre o legado do artista.
Influências de Yoko Ono
É impossível abordar a trajetória de John Lennon sem entrelaçá-la com Yoko Ono. A cantora, compositora, artista plástica e ativista japonesa foi a principal parceira dele em vários momentos de sua carreira. Com ela, o ex-Beatle produziu sete álbuns, como os experimentais “Unfinished Music No. 1: Two Virgins” (1968) e “Unfinished Music No. 2: Life with the Lions” (1969). Também elaborou “Some Time in New York City” (1972), “Double Fantasy” (1980) e outros.
Ela até hoje é apontada por alguns fãs como o motivo de separação da banda. Entretanto, seus antigos membros já se pronunciaram ao falar que isso não é uma verdade absoluta. Mesmo com as controvérsias entre alguns “beatlemaníacos”, Yoko foi uma das principais responsáveis por firmar John Lennon no universo experimental. Em sua carreira, a artista envereda por temáticas feministas, além de desconstruir os padrões do “rock” no início da década de 1970.
“Até o último disco, ele dividiu as músicas com Yoko Ono. Era uma música dele, uma música dela. Ela é uma artista de vanguarda. Apesar de muita gente não entender o que ela queria dizer e reprová-la, era uma artista revolucionária para a época dela. Na música, ela trouxe muitos elementos para as produções de John Lennon”, diz o jornalista Nelson Augusto.
Gerações futuras
As influências do rock atual estão, muitas vezes, diretamente conectadas aos Beatles. Os quatro membros se tornaram ídolos para pessoas de várias áreas da música. “As canções são incrivelmente bonitas. São canções com uma beleza atemporal. Você escuta um disco do começo ao fim e são canções que alcançaram um ponto sublime. Acho que essa capacidade de comover as pessoas com a beleza ultrapassa, inclusive, o sentido de nostalgia”, diz Mona Gadelha.
A cantora afirma que, sempre que escuta uma composição da banda, sente um frescor. “É isso que a arte faz: ter sempre uma nova experiência, uma nova emoção que te comove, que te faz ouvir de novo. É perene, atemporal. É muito impressionante como pessoas muito jovens, até adolescentes, gostam dos Beatles”.
Para José Carlos Almeida, várias gerações de distintas áreas de atuação profissional são influenciadas pelo grupo. “Eles continuam influenciando não só novos artistas como designers, jornalistas… Eu, que não sou músico, mas sou designer gráfico, tenho muita influência dos Beatles. Já fiz até trabalho que são paródias da capa de Sgt. Peppers”, revela.
De acordo com ele, muitos dos músicos atuais têm como referência a banda britânica. “A nova geração do pop coreano, por exemplo, tem muitos fãs dos Beatles. Tanto eles quanto velhos rockeiros, como Led Zeppelin. Mas eles influenciam muito mais que isso: estão no marketing, na poesia, na literatura e até na filosofia”.
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