Chico Bento 60 anos: Maurício de Sousa conta a história do personagem
Chico Bento, da Turma da Mônica e da Turma do Chico Bento, surgiu há 60 anos. Mauricio de Sousa conta detalhes sobre o personagem
10:00 | Set. 04, 2021
Quem cresceu em qualquer cidade brasileira talvez tenha vivido parte de sua infância em um lugar imaginário que, apesar de não existir fisicamente, está presente nas memórias de milhões de pessoas. Ao ler um gibi, ligar a televisão ou assistir a um filme, é possível que você reencontre esse ambiente de vez em quando. Já adulto, existe a expectativa de retornar ao local com os filhos, sobrinhos e outras crianças. Afinal, o Bairro do Limoeiro é o principal cenário de todas as aventuras da Turma da Mônica. Mas, para além das histórias dos quatro amigos, há uma região um pouco mais distante: a Vila Abobrinha. Lá, vive Chico Bento, que completa seis décadas neste ano.
Assim como a maioria das criações do cartunista Mauricio de Sousa, o personagem é um menino simpático. Ele vive um cotidiano simples no sítio, dividido entre a natureza, as tarefas para auxiliar os pais e a Rosinha, sua namorada. Por vezes, rouba as goiabas do Nhô Lau, proprietário de uma plantação próxima da casinha dele. Apesar de agora ser um dos mais populares, Chico Bento teve que esperar muito tempo para ganhar a própria revista.
Tudo começou no início de 1960, quando a Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) pediu que Mauricio de Sousa elaborasse uma história em quadrinhos que retratasse a realidade do campo. “Resolvi criar personagens infantis – era minha especialidade – e nasceram dois meninos para preencherem a página encomendada: Hiroshi, filho de imigrantes japoneses, vivendo numa granja, e Zezinho, filho de chacareiros brasileiros”, explica o autor.
Ele, entretanto, passou a sentir falta de mais pessoas - em específico, um amigo para a dupla. “Criei um personagem bem diferente, talvez meio inspirado no Jeca Tatu do Monteiro Lobato. Os traços no novo personagem eram muito diferentes do Chico atual. Eu demorei um pouco para ir atenuando e arredondando as formas até chegar ao Chico Bento que vocês conhecem”, recorda o cartunista, hoje com 85 anos.
Após um período, a revista da cooperativa parou de circular, mas a história do menino do campo já tinha conquistado várias pessoas. “O Chico continuou a viver suas aventuras roceiras nas tiras de jornais pelo Brasil afora. Ganhou sua própria revista, fez muitas amizades com os leitores e, em alguns momentos, se ombreou nas vendas de revistas com as da Mônica”, afirma Maurício. Segundo ele, os cartunistas podem até criar as narrativas, mas o protagonismo é uma escolha dos leitores.
O garoto, porém, extrapolou os limites da ficção com o objetivo de levar conhecimento ao público infantil. A maneira de falar, por exemplo, é respeitada para que crianças de todos os lugares do País estejam habituadas com a diversidade linguística.
Ainda se tornou embaixador da organização não governamental World Wide Fund for Nature (WWF - Brasil) em prol do Pantanal. “Sem preservação das árvores, não há nascente de rios. Sem rios, não há abastecimento de água para todos, sem abastecimento, não há como manter as cidades. E o Chico Bento tem funcionado bem nestas campanhas”, indica Mauricio de Sousa.
Agora, em um período de transformações tecnológicas e excesso de informação, ele permanece para lembrar aos pequenos que existe um mundo fora das telas. “Crianças gostam de brincar na terra com os pés descalços, gostam de rios e lagos, gostam de natureza e animais. Então o Chico Bento vive onde elas gostariam de viver ou, pelo menos, de passear. É uma forma de formar e informar as crianças de que o mundo não é só tecnologia ou paredes nos quatro lados, mas sim a liberdade que a natureza nos oferece”, expõe.
Chico Bento na universidade
Após décadas com pouca idade, o personagem seguiu o mesmo caminho de “Turma da Mônica Jovem”, revista em formato de mangá lançada em 2008. Após Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali se tornarem adolescentes e enfrentarem situações típicas da idade, foi a vez de Chico Bento crescer e virar um adulto.
Com a revista “Chico Bento Moço”, que teve sua estreia cinco anos depois, o processo foi um pouco diferente. Na narrativa, ele é um adulto que vai para a faculdade com o objetivo de cursar Agronomia. Enquanto vive vários choques de realidade, sonha em retornar à Vila da Abobrinha para traçar sua carreira no lugar em que nasceu.
“Queríamos ele em uma faculdade de agronomia para mostrar que o jovem do interior não precisa só pensar em seu futuro em uma cidade cosmopolita. Pode pensar em ficar em sua cidade menor, mas com melhor qualidade de vida”, afirma o quadrinista.
O sucesso da Turma da Mônica
Quando Mauricio de Sousa começou sua carreira, em meados da década de 1960, o mercado brasileiro de quadrinhos era dominado por produções internacionais. Durante o embate político que acontecia na época, em um País prestes a enfrentar a ditadura militar (1964 - 1984), ele conseguiu convencer editores de jornais a publicarem suas tirinhas sob a justificativa de serem produtos nacionais.
“Isso lhe permitiu quebrar a barreira imposta pelas histórias estrangeiras, que chegavam aos jornais com um custo muito menor, no modelo de distribuição via ‘syndicate’, no qual a mesma tira sai em vários jornais. Sousa adaptou este modelo à realidade do mercado brasileiro”, explica Geisa Fernandes, pesquisadora do Observatório de Histórias em Quadrinhos da Universidade de São Paulo (USP).
Desde então, as obras do universo da Turma da Mônica se tornaram populares no Brasil. Com dez “turmas” publicadas durante os anos, os personagens do impresso se expandiram para outras mídias, como o cinema, a televisão e os games.
Segundo ela, os quadrinhos não pareciam ter, no início, um objetivo pedagógico, o que mudou com a criação de suas versões jovens. Mas as narrativas expostas nas histórias dão visibilidade a contextos variados do Brasil.
“Apesar de jamais terem se proposto a quebrar padrões ou a desafiar estereótipos, há que se admitir que as histórias e os personagens da Turma chamaram atenção para temas importantes, como a ecologia, planejamento urbano, tratamento de lixo, povos indígenas, dentre tantos outros, muito antes desses assuntos se tornarem correntes nos noticiários”, pondera Geisa.
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