Marcas do início do rock, diversidade e transgressão ecoam na popularidade atual do gênero

Com a repercussão atual do rock em espaços massivos, como as paradas da Billboard e as plataformas digitais, Vida&Arte discute as influências sonoras e de atitude do gênero nas produções recentes

O que forma o rock? Uma conjunção de instrumentos específicos que seguem regras sonoras específicas? Uma atitude? O gênero musical vem ocupando novamente espaços massivos como as paradas da Billboard, as rádios, e as plataformas e redes digitais nos últimos meses de uma forma que ressalta a essência de diversidade, mistura e transgressão que marca o estilo - representada nos idos dos anos 1930 pela cantora, compositora e guitarrista pioneira Sister Rosetta Tharpe e, atualmente, encontrando ecos nas referências da estrela pop Olivia Rodrigo, na empreitada nostálgica de Willow e na atitude livre da banda italiana Måneskin, entre outras.

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Foi apostando na mistura e na ousadia que Sister Rosetta Tharpe decidiu incorporar a guitarra elétrica nas gravações de música gospel que produzia. Uma mulher negra e LGBT+ ousou, nos anos 1930, aproximar o mundo religioso de uma sonoridade intensa, cumprindo essencial papel para a fundação do rock.

Em entrevista ao veículo especializado em música NPR em 2019, a autora da biografia da artista, Gayle Wald, destacou que a atitude de Sister Rosetta marca a relação dela com o gênero. “(As pessoas) veem algo acontecendo na maneira como ela segura o violão, a maneira como ela trabalha com ele enquanto canta - veem algo que identificam com o rock”, definiu à época.

Mona Gadelha é um dos principais nomes da música cearense
Foto: Renata Alexandre / divulgação
Mona Gadelha é um dos principais nomes da música cearense

Apesar dos purismos quererem o contrário, essa essência de mistura e de liberdade não somente de experimentar, mas de ser, ecoa nas obras recentes que têm chamado a atenção do público e da indústria. Para a cantora Mona Gadelha - um dos principais nomes do rock do Estado e que vem trabalhando a canção "Essa Menina" - porém, o momento não é necessariamente uma “retomada” do gênero.

“Esses movimentos de ida e volta sempre acontecem na indústria”, atesta. “É muito interessante acompanhar essas ‘mutações’ e ao mesmo tempo a ‘permanência’ de uma indústria de música pop que emergiu a partir da fonte do rock. Para mim, que acompanho muito além do mainstream e nunca fiz parte dele, o rock sempre esteve presente, com essas idas e vindas no grande mercado musical”, avalia Mona.

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O artista Mateus Fazeno Rock - que lançou no ano passado o disco de estreia “Rolê nas Ruínas”, marcado por misturas musicais, e está atualmente em processo de financiamento coletivo de novo trabalho, “Jesus Ñ Voltará” - aponta para o caráter nostálgico das produções estrangeiras.

“Até a Miley Cyrus tinha trabalhado o rock”, exemplifica, citando a cantora estadunidense ligada ao pop que, recentemente, lançou um álbum influenciado pelo gênero e entrou no top 5 de uma das listas de rock da Billboard com um cover de “Nothing Else Matters“, do Metallica. “Sinto que alguns trabalhos têm vindo numa atmosfera bem nostálgica, remetendo a outras épocas e trabalhos”, avalia.

Mesmo com a popularização do gênero, porém, o aprofundamento do público para conhecer artistas e ideias além da superfície depende de outros fatores. “Gente que sempre gostou (de rock) vai gostar de ter essas pessoas fazendo música com essa atmosfera. Mas um interesse de se aprofundar vai muito de como isso pode ser construído através das mídias”, afirma Mateus.

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“Há muita informação disponível. De livros a podcasts, rádios e revistas especializadas online. Discografias praticamente completas também disponíveis nas plataformas digitais. Se a pessoa navegar e garimpar, vai obter muita informação’, acrescenta Mona.

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No nível massivo, Olivia Rodrigo lançou no final de maio o álbum “Sour”, que traz elementos da sonoridade pop rock em faixas como “good 4 u” e “deja vu”. Ambas as faixas estão no top 10 na lista “Hot 100”, da Billboard, assim como o disco voltou a encabeçar a parada “Billboard 200”.

Segundo Courtney Love, a imagem de divulgação da "Sour Prom" de Olivia Rodrigo é uma cópia da capa do álbum "Live Through This"
Foto: Reprodução / Popline
Segundo Courtney Love, a imagem de divulgação da "Sour Prom" de Olivia Rodrigo é uma cópia da capa do álbum "Live Through This"

Além disso, recentemente, Rodrigo divulgou uma imagem de promoção de uma live em que aparece na mesma situação registrada na capa do álbum “Live Through This” (1994), da banda Hole. Courtney Love, líder do grupo, insinuou plágio pelo Instagram, mas a estrela pop respondeu com um comentário falando que “amava” Courtney.

Quem também está no Hot 100 da Billboard é Willow, com “transparentsoul”. O novo álbum da artista, “Lately I Feel Everything”, será lançado na sexta, 16, e traz participações de Travis Barker, do blink-182 (na faixa citada), e Avril Lavigne, nomes centrais do rock produzido entre o fim dos anos 1990 e o começo dos anos 2000.

Também na parada da Billboard está “Beggin’”, cover de uma canção do grupo The Four Seasons feito pela banda Måneskin. O conjunto italiano explodiu depois de vencer o concurso EuroVision deste ano e vem angariando recordes nas plataformas digitais.

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A atitude vem sendo uma marca do grupo, cujos posicionamentos já foram bem explicitados. Foi o caso de uma apresentação que fizeram em uma TV na Polônia, país que vem atacando os direitos da comunidade LGBTQIA+. Na performance, o vocalista Damiano David e o guitarrista Thomas Raggi se beijaram. “Todos devem ser completamente livres para ser o que quiserem”, discursou o cantor.

Os três são exemplos não somente de projetos que reavivam e referenciam o gênero, mas que reforçam, cada um de maneira própria, a atitude do rock e o fato de que ele é um espaço de diversidades. Vale citar, ainda, que a categoria “Melhor Performance de Rock” da mais recente edição do Grammy só teve projetos liderados por mulheres entre os indicados.

“Era e é notória a pouca presença feminina no rock, por exemplo, mas nos últimos anos vem melhorando com o surgimento de guitarristas como Annie Clark (St.Vincent), Brittany Howard e Anna Calvi, entre tantas outras. No Brasil, Monica Agena”, elenca Mona.

“A Billboard, pródiga em listas, já incluiu algumas com ‘selo’ pride (orgulho). No Brasil é notória a ascensão de uma música criada e produzida por artistas LGBTQ, que deu uma bem-vinda sacudida na MPB com referências de rock e blues, como Johnny Hooker, As Baías, Mahmundi, Filipe Catto e mais”, avança.

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Conquistas como essas em meio à lógica da indústria são importantes, mas não “resolvem” problemas estruturais. “Aqui, a luta é diária e constante e, muito além da música, que vem desempenhando esse papel relevante de dar voz à causa juntamente com outras linguagens artísticas”, defende Mona. “É preciso o combate à transfobia, que coloca o País no ranking vergonhoso do ódio e assassinatos de pessoas LGBTQIA+”.

É sintomático, por exemplo, que artistas trans ainda estejam menos presentes não só no rock, mas na indústria de forma geral, em um reflexo da forma com que a sociedade trata as pessoas T. Além de Filipe Catto e de As Baías, citadas por Mona, vale citar também a cantora Verónica Valenttino, cujo trabalho na banda Verónica Decide Morrer é essencialmente roqueiro.

 
 
 
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“O mainstream não é só um espaço de imaginário, onde se elaboram coisas. É um lugar empresarial, de investimento coletivo, de mídias e de culturas. Falando de grana, mesmo”, lembra Mateus Fazeno Rock. “Muita coisa precisaria caminhar em conjunto pra que a gente conseguisse imaginar uma prosperidade coletiva”, observa.

“Politicamente, na mente das pessoas, nas perspectivas estruturais de um país como o Brasil, um país racista, colonizado e colonizador, que tende a destruir um monte de coisa que é essencialmente nossa, da nossa memória”, elabora o artista. "A ampliação da visibilidade e da diversidade é uma conquista de longos anos, mas há muito por se alcançar e lutar", resume Mona Gadelha.

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