Animais e a pandemia: a busca de uma relação saudável durante o isolamento
Com o início da pandemia e o retorno gradual das atividades econômicas, várias questões se impõem na relação entre animais e tutores. Veja histórias e dicas de quem teve que lidar com a ansiedade e o estresse dos seus animais
10:00 | Jul. 10, 2021
Os humanos criaram para si uma estrutura urbana que os distancia da natureza. Os edifícios, as ruas, os automóveis e as fábricas são corriqueiros em uma cidade. A paisagem natural, restrita a ambientes específicos, se ajusta aos grandes centros. Talvez seja - com várias observações a serem levantadas - um ambiente propício para as pessoas. Mas não é favorável às outras espécies que habitam no mesmo lugar. Como os animais, retirados de seus modos de viver mais orgânicos, principalmente aqueles domesticados, podem existir com naturalidade?
Esse é um questionamento que atravessa os pensamentos de muitos tutores e adestradores. Intensifica-se também com a pandemia, que obrigou todos a permanecerem dentro de suas casas para evitar a disseminação do coronavírus. De acordo com Ceres Berger Faraco, médica veterinária e diretora científica do Instituto de Psicologia Animal, esse período afetou sobretudo os cães. Ela cita vários aspectos que causam problemas físicos e mentais, como o sedentarismo, a mudança das rotinas, a falta de interações e a privação de passeios.
É uma consequência dos próprios problemas que se alastraram entre os humanos. No caso da psicóloga Amanda Antunes, seu dia a dia mudou de repente, assim como a de milhares de pessoas. Antes do isolamento social rígido, ela costumava manter uma rotina diária de exercícios fora de casa com seus cachorros Nalu e Pacco.
“Acho que ninguém estava esperando passar por tudo que a gente passou, que fosse demorar tanto tempo e que fosse tomar as proporções que tomou aqui no Brasil. Foi muito complicado porque meus cães são de alta energia. Eles têm uma rotina de gasto de energia alto, então são acostumados a correr, nadar... A gente foi privado de sair para ter as atividades que costumamos fazer em praia, parque e na rua”, explica.
“Isso começou a bagunçar um pouco a cabeça deles. Então acho que afetou muito nessa questão da ansiedade, porque se tornaram cães ansiosos, com muita energia acumulada. Foi um período muito estressante. Agora as coisas pouco a pouco vão voltando ao normal, a gente vem restabelecendo a nossa rotina de exercícios e conseguindo colocar as coisas no lugar. Eu moro em apartamento, então a gente precisa de uma rotina muito bem estruturada para fazer dar certo. Foi um caos, mas sobrevivemos”, lembra.
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Uma das adversidades que Amanda também identificou foi a dependência, que aumentou após precisarem retomar gradualmente à rotina. “A pandemia afetou não só os animais, mas a vida dos tutores. As pessoas passaram a ficar mais em casa e ficaram ali, com aquele estresse, aquele desespero, várias pessoas passando por situações terríveis. Tudo isso vai acumulando em nós e os animais também sentem. Vários cães deixaram de socializar, desenvolveram reatividade, ansiedade por separação, simplesmente porque estavam com mais ansiedade”, indica a adestradora Valência Martins.
Apesar da pandemia e da vida urbana, existem maneiras de promover um ambiente mais natural para os pets, principalmente, por meio do denominado “enriquecimento ambiental”. O equilíbrio pode acontecer a partir da promoção de atividades que façam os cães agirem da forma como sua espécie atua comumente.
“Enriquecer o ambiente é dar oportunidade do animal exercer coisas do comportamento canino de uma forma planejada. É muito diferente você oferecer uma caixa de papelão para o seu cachorro rasgar e ele simplesmente rasgar uma almofada sua. É o mesmo comportamento, a diferença é que, como a gente não deu oportunidade para aquele comportamento, ele foi e arranjou uma forma de tirar aquela necessidade dele”, pontua a adestradora.
Já a veterinária Ceres Faraco comenta que o importante é identificar as necessidades específicas de cada espécie e adaptá-las ao ambiente em que vivem. “Cães são animais sociais e necessitam destas relações para terem um bom estado, portanto, interagir com eles e evitar o isolamento prolongado é fundamental. Gatos gostam de estar em locais elevados para observar o ambiente, exclusivos para eles e com uma rota de escape, para o caso de se sentirem ameaçados”.
Sinais de estresse e ansiedade
Alguns indícios podem ser identificados nos animais quando eles estão enfrentando ansiedade ou estresse. Esses sintomas, pontuados por Valência Martins e Ceres Faraco, não são necessariamente um diagnóstico. É necessário, assim, perceber a frequência e a maneira que acontecem.
- Inquietude
- Morder as patas e a cauda
- Lamber demais
- Comportamentos compulsivos
- Fixações em objetos
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Relação humanos e pets
A distância entre as pessoas e a natureza extrapola o espaço físico. Mesmo com parques nas grandes metrópoles, plantas dentro de casa e contato constante com animais de outras espécies, existe uma separação que ocorre por inúmeros fatores. A principal é a rotina extenuante de trabalho e estudo que faz com que as pessoas tenham que se levantar cedo e se deitar tarde demais. Há pouco tempo para aproveitar - de verdade - o ambiente em que vivem. Esse era o caso da psicóloga Amanda Antunes, que vivia em um ciclo exaustivo, sempre atarefada para dar conta de todas as obrigações. A situação mudou apenas quando conheceu Nalu.
Após o falecimento de sua cadela, a jovem começou a procurar outro cachorro. Por viver com animais desde a infância, era quase inimaginável compartilhar o cotidiano sem esses bichos. Logo encontrou Nalu, que tinha sido adotada por outras famílias, mas não permaneceu com nenhuma delas. Depois de conhecê-la pela internet, marcou a primeira visita. No dia seguinte, levou-a para casa.
Apesar de seu apreço pela natureza, Amanda estava afastada de várias questões que amava por causa da alta carga de trabalho e estudo. “A Nalu foi uma cachorra que me deu muito trabalho, porque era extremamente danada. Ela era agitada e destruiu a nossa casa. Por isso, ela me demandou uma postura diferente, me fez enxergar que eu precisava ter um espaço na minha vida para me dedicar a coisas pessoais que me faziam bem”, recorda. Até mesmo para acompanhar o ritmo de sua cadela, voltou a praticar esportes ao ar livre.
Há cinco anos, criou a conta no Instagram @vidadenalu, que hoje conta com mais de 14 mil seguidores. Nas redes sociais, compartilha experiências e dicas. A partir disso, retomou um hobbie que também estava adormecido antes de Nalu: a fotografia. “O perfil tomou algumas proporções que eu não esperava. Ele cresceu e me trouxe oportunidades de trabalho, experiências e me fez voltar a querer investir na fotografia”, comenta.
Desde o fim de 2019, a cadela não é a única que aparece nas imagens. Ao seu lado, está o dálmata chamado Pacco. São, como a legenda mesmo diz: “Timão e Pumba só que cachorros”. “O Pacco tem uma entrada diferente na minha vida. Ele é um sonho muito antigo. Quando eu era criança, sempre sonhei em ter um dálmata e nunca tive oportunidade de ter um. Me programei muito pra isso”, afirma Amanda.
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Para ela, seus cachorros são uma maneira de fugir da turbulência do cotidiano. “Eu acho que meus cães me conectam comigo mesma, me mostram um outro lado da vida, me tiram um pouco daquela zona bem turbulenta da vida humana, de trabalho, problemas, responsabilidades e cobranças. Eles recarregam nossa energia”, reflete.
Humanização dos animais
Os animais já fazem parte da família brasileira. De acordo com dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2015, os cães estão presentes em 44,3% dos lares no Brasil. Estima-se que eles são mais de 52 milhões, no total. Já os gatos formam aproximadamente 22 milhões. Esses números são maiores do que os de crianças: segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2013, o país tinha quase 50 milhões de pessoas de 0 a 14 anos.
Essa situação pode ter inúmeras justificativas. O tempo que é exigido para cuidar de filhos talvez seja uma das principais. Mas, com o processo de inclusão dos bichos nas famílias, um problema também surge: a humanização dos animais. “O risco (da humanização) é de configurar maus tratos e negligência, por ignorar o que é essencial para as espécies que convivemos. Nossa percepção de mundo e formas de conduzir nossas relações e comportamentos são típicos da espécie humana, mas não necessariamente se aplicam aos cães e gatos”, explica a veterinária Ceres Faraco.
Existe, portanto, uma diferença entre inserir os pets na rotina familiar e o de humanizá-los. Amanda Antunes, por exemplo, cita várias atividades que gosta de fazer: “Eu tenho cachorros para aproveitar a vida ao lado deles. Gosto que estejam inseridos na minha rotina, gosto de viajar com eles, de passear com eles. Eles são, para mim, uma verdadeira companhia mesmo. Estão aqui para dividir a vida o máximo que puderem”.
Mas ela pontua: “Não tenho cães para humanizá-los, naquele sentido de ter um animal em forma de uma pessoa, uma minipessoa. De forma nenhuma. Tento criá-los da maneira mais respeitosa possível, respeitando a natureza deles, os instintos deles, todas as demandas que eles têm, que são muito diferentes da nossa. É buscar esse equilíbrio entre vida urbana e vida natural”.
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A adestradora Valência Martins ainda cita que o adestramento existe para melhorar o diálogo entre animais e tutores. “As pessoas não entendem os cães, e os cães não entendem as pessoas. O adestramento está aqui para poder ajudar a melhorar essa comunicação. A comunicação entre os dois vai levar a um bem estar muito maior da família”, diz.
Segundo ela, os bichos estão felizes quando podem ser eles mesmos. No caso dos cães: “Correr, cheirar uma plantinha, cavar buraco em areia, se esfregar em lama. Isso tudo que, para nós, é estranho, para eles, é natural. Quando eles têm essa possibilidade de exercer conhecimentos naturais, vão sempre fazer com que se sintam bem e felizes”, finaliza.
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