"A Viagem de Chihiro" completa 20 anos; conheça o Studio Ghibli
O filme "A Viagem de Chihiro", considerado uma das obras-primas do diretor Hayao Miyazaki e do Studio Ghibli, foi lançado há duas décadas
08:00 | Jul. 03, 2021
Quantas mudanças acontecem em uma vida? Algumas são sutis e ocorrem na rotina. Também há transformações bruscas, que se sucedem por causa de um trauma ou por um fator extraordinário. Todas essas transições são subjetivas, mas algumas podem ser compartilhadas entre a maioria das pessoas. Elas se apresentam durante o processo de crescimento, estão naquele limbo quando alguém nem é isto, nem aquilo.
O animador e cineasta japonês Hayao Miyazaki identificou essa situação. Percebeu que poucas obras audiovisuais abordavam as particularidades do universo feminino no período infância em que as meninas estão perto da adolescência, mas ainda são crianças. Assim surgiu a ideia para “A Viagem de Chihiro”, que completa duas décadas de lançamento neste ano.
Aos 10 anos, Chihiro e a família estão de mudança para uma outra cidade. Ela, que é uma garota mimada, não está contente e não tem a mínima vontade de se adaptar ao novo ambiente que lhe espera. No caminho, o pai pega um atalho para economizar tempo, mas se perde.
Eles, então, param em um lugar abandonado e descobrem que, dentro, há um restaurante vazio com comida. Contra a vontade da criança, os pais logo se sentam e decidem comer o que está à sua frente. Isso tem consequências inimagináveis: os dois se transformam em porcos, e Chihiro tenta investigar. Só que o ambiente começa a virar um “mundo dos deuses”.
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Então depara-se com uma figura misteriosa, o jovem chamado Haku, que guia a menina pelo lugar. Assim ela começa uma jornada por um universo diferente daquele que conhece. Enquanto busca uma saída, encontrará seres fantásticos e espíritos, e descobrirá que os humanos não são bem recebidos no lugar. Até mesmo seu nome muda para “Sen”.
As produções de Miyazaki já eram conhecidas no Japão e também internacionalmente. Mas foi com “A Viagem de Chihiro” que ele recebeu reconhecimento mundial. Com o apoio da Disney, o filme chegou aos cinemas de vários lugares. Ganhou, em 2003, a categoria de “Melhor Filme de Animação” no Oscar, tornando-se o primeira e único filme de língua não inglesa a levar esse prêmio.
Repleto de simbolismos, o longa-metragem revela muitas questões: a passagem da infância para a vida adulta e até mesmo o esquecimento da atual sociedade japonesa acerca de suas tradições. “O Miyazaki traz algo muito interessante, porque ele mescla várias influências e coloca dentro dessa animação. Uma delas, que é muito forte não só em ‘A Viagem de Chihiro’, é a influência do xintoísmo”, comenta Victor Hugo Kebbe, antropólogo e estudioso da cultura japonesa.
“Aqui no Ocidente o xintoísmo é encarado como religião, mas isso é super discutível, porque são práticas de devoção às entidades da natureza. Cada elemento da natureza pode ser habitado por um deus ou uma deusa, uma divindade”, explica.
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Apesar disso, o pesquisador indica que alguns japoneses não conseguem identificar os elementos. “As pessoas mais jovens, por exemplo, não têm o costume de visitar santuários xintoístas ou visitam em situações específicas. Então ele acaba mostrando para a própria sociedade japonesa alguns elementos do passado dele, da infância dele. Ele está vivenciando tudo isso de novo quando coloca na animação”.
Studio Ghibli
A palavra “Ghibli” vem do árabe e significa um vento quente que sopra no deserto do Saara. Dialoga diretamente com a ideia do estúdio de levar novos ares para a indústria do anime no Japão.
O Studio Ghibli foi fundado em 1985 pelos cineastas e animadores Hayao Miyazaki, Isao Takahata, Toshio Suzuki e Yasuyoshi Tokuma. A empresa surgiu logo depois do sucesso de “Nausicaä do Vale do Vento”, também de Miyazaki e baseado em um mangá homônimo.
Antes de “A Viagem de Chihiro”, o estúdio de animação já detinha uma dezena de títulos famosos, incluindo “Princesa Mononoke” (1997), que também ganhou grande repercussão internacional.
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O filme do fim da década de 1990, inclusive, enfrentou várias polêmicas no processo de tradução para o inglês. Neil Gaiman, escritor britânico de livros como “Coraline” e “Lugar Nenhum”, era o responsável na época.
Entretanto, na autobiografia “Sharing a House with the Never-Ending Man: 15 Years at Studio Ghibli”, o produtor-executivo Steve Alpert revela alguns dos problemas que tiveram com a Disney e a produtora Miramax.
Os profissionais estadunidenses, por exemplo, queriam mudar pontos da história por acreditar que o original ficaria incompreensível para o público. Gaiman, entretanto, defendeu o enredo de Miyazaki.
Além de “Princesa Mononoke” e “A Viagem de Chihiro”, o estúdio conta com muitas obras de destaque, como “O Castelo Animado”, “Contos de Terramar”, “Vidas Ao Vento” e “As Memórias de Marnie”. Todos os títulos do Studio Ghibli estão disponíveis na plataforma de streaming Netflix.
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Internacionalização dos animes
Os animes se popularizaram na década de 1960 por meio de um de seus precursores, o Osamu Tezuka (1928 - 1989). O escritor, desenhista e animador reúne uma dezena de animações e mangás, como “Black Jack”, “Dororo” e “Magma Taishi”.
Apesar disso, uma indústria consolidada surgiria apenas em 1970 e passaria a se popularizar em regiões como os Estados Unidos e a Europa. “Considerando as décadas de 1960 a 1980, a cultura japonesa vai ser internacionalizada, entre aspas. O Ocidente sempre olhou para o Japão de uma maneira estereotipada. Depois da Segunda Guerra Mundial, o Ocidente continua olhando dessa forma, mas começa a agregar outras coisas na imagem do Japão”, diz Victor Hugo Kebbe. A partir disso, o Japão investe mais em sua cultura.
“O anime chega no Brasil na década de 1980, porque o país percebe que é um trending no mundo inteiro e passa a fazer parte de alguns canais de televisão. A gente tem a chegada do Cavaleiros do Zodíaco, por exemplo”, cita Victor Hugo Kebbe. “O Brasil tem a maior comunidade de descendentes de japoneses fora do Japão, mas não foi o suficiente para trazer os animes para a programação da televisão brasileira, em si. Precisou ter esse movimento mundial”, explica o pesquisador.
Foi no final dos anos 1990 que as animações japonesas se tornaram consumidas em maior quantidade no País. “Pokémon”, “Dragon Ball Z”, “Sailor Moon” e “Sakura Card Captors” eram alguns dos títulos famosos que tiveram amplo espaço na grade de programação voltada, principalmente, para o público infantil.
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Após isso, a década de 2000 também foi de grande importância para a indústria dos animes: surgiram, por exemplo, “Yu-Gi-Oh!”, “Beyblade”, “Digimon”, “Death Note”, “One Piece” e “Naruto”.
O Japão é tão forte no Ocidente que deu origem aos “otakus”, que são fãs e consumidores da cultura japonesa. Há eventos anuais para reunir esses grupos no Brasil.
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