Artista Antonio Bandeira completaria 99 anos nesta quarta, 26; veja trajetória do cearense
Criativo, carismático e boêmio, Antonio Bandeira peregrinou entre Fortaleza, Rio de Janeiro e Paris. Em sua obra, o artista espelhou diferentes experiências e paisagens"Mais um retorno a Fortaleza. Volto a terrinha com a mesma alegria e cada vez sinto mais que esta cidade do Nordeste brasileiro não tem nada de provinciana. Clara cidade, fura-vento, rompe-nuvem, sem nada de tradição nem de folclore, nem de falso. Jovem cidade sempre pronta a receber o que se lhe dá com amor". Antonio Bandeira (1922 - 1967) declarou seu amor a Fortaleza em um artigo publicado no O POVO no dia 1º de julho de 1963.
Na época, o artista cearense, que completaria 99 anos nesta quarta-feira, 26, já estava há quase duas décadas em um movimento incessante entre sua cidade natal, Rio de Janeiro e Paris. Apesar de sua trajetória quase peregrina, ele comentava sobre o amor que detinha pela capital em que nasceu. "Fico me indagando às vezes que mistério tem por que me inspira este amor tão forte, tão constante, tão fiel. A mim mesmo respondo que é brisa, é luz, é gente".
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Mas não tardou muito para que o sentimento afetivo que guardava se tornasse insuficiente para mantê-lo aqui. Exatamente três semanas depois, o jornal lançou uma nota que afirmava que o pintor já estava - de novo - de partida.
"Antonio Bandeira está arrumando as malas para voltar à Copacabana. As ruas da província, apesar de terem a dimensão dos seus dias de adolescente, estão lhe enchendo de tédio (se é que é tão fácil descobrir-se isto num artista). O vazio das conversas, a palidez dos pseudoburgueses e detalhes outros, convidam-lhe ao retorno para ganhar as páginas das revistas cariocas. Que artista mesmo é para a fama", detalhava o conteúdo divulgado em 22 de julho do mesmo ano.
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Assim era Antonio Bandeira - também conhecido como "monsieur Bandeira", que, no sotaque francês, aproxima-se de uma sonoridade semelhante a "Banderrá". O fortalezense de ascendência negra e indígena viveu, principalmente, entre três lugares e, em cada um dos locais, deixou seu impacto.
O artista era uma figura carismática, um boêmio. Costumava passar as noites nos bares parisienses. E, mesmo com as mudanças de moradia que fazia com certa constância, tinha vários amigos que o acompanhavam - ou tentavam acompanhá-lo - nos eventos sociais em que estava presente. Apesar disso, nunca se casou e também não teve filhos.
Quando saiu pela primeira vez das terras alencarinas, em 1945, já enveredava pelas obras figurativas e havia se tornado um dos fundadores da Centro Cultural de Belas Artes (CCBA), que daria origem à Sociedade Cearense de Artes Plásticas (Scap). Chegou na capital carioca e teve maior contato com artistas abstratos.
Em 1946, recebeu uma bolsa de estudos na França, onde rompeu com suas pinturas que representavam elementos mais realísticos e adentrou no movimento abstracionista. Ingressou na Escola Nacional Superior de Belas Artes e na Académ1ie de La Grande Chaumière, mas deixou as duas instituições em busca de um trabalho não acadêmico.
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O país estrangeiro ainda estava devastado pela Segunda Guerra Mundial (1939 - 1945), mas era um cenário propício para o retorno da arte abstrata, que tinha sido rejeitada por um extenso período pelo nazista Adolf Hitler (1889 - 1945).
O artista, porém, se diferenciava em alguns aspectos. "Algumas de suas obras são totalmente abstratas, mas na grande maioria, você vê certos elementos. Ele sempre dá título às obras, enquanto a maioria dos artistas abstratos nomeiam como 'Composição 1', 'Composição 2'... Também tinha árvores, barcos, assim como a cidade", explica Almerinda da Silva Lopes, pesquisadora de artes visuais.
Ele não apenas descrevia suas produções, como também refletia suas próprias experiências de vida entre as formas. Os lugares por onde passou, por exemplo, fazem parte de seu imaginário artístico. "Ele coloca a cidade queimada de sol, iluminada, como Fortaleza, e correlaciona com algumas coisas de Paris. Do seu subconsciente, ele passa para a tela", comenta o gravador, pintor e fotógrafo Francisco Bandeira, que é também sobrinho de Antonio Bandeira.
Deixou em vida um legado extenso, como "Auto-Retrato" (1944), "Mulher na Rede" (1945), "Mulher Lendo" (1947), "Pequena Cidade em Formação" (1953), "A Grande Cidade Atormentada" (1953) e "A Árvore" (1955). O cearense teve um trabalho tão amplo que atuou em dois movimentos distintos. Foi um dos consolidadores do mercado artístico do Ceará, além de atuar na arte figurativa ao representar o Estado para além dos estereótipos.
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Ainda tornou-se um dos principais precursores do abstracionismo no Brasil e levou as obras brasileiras para o exterior. "Mas a carreira internacional dele foi muito rápida e também foi interrompida cedo (porque morreu em Paris, aos 45 anos). Ele começava a ganhar fama e ia embora. Vinha para o Brasil e logo queria voltar. A sorte dele é que ele era uma figura carismática", indica Almerinda Lopes.
Mesmo com a relevância, o pintor ainda enfrenta uma situação recorrente no âmbito artístico: a perda de sua memória. Quando Almerinda decidiu produzir sua tese "Informalismo e Utopia: o mundo transfigurado por Antonio Bandeira", apresentada em 1997, havia quase nenhum estudo sobre o artista. Ela foi até Paris para buscar mais informações e, apesar disso, encontrou poucas pessoas e instituições que pudessem ajudá-la. Alguns até sabiam quem era o cearense, mas as recordações estavam distantes.
Agora, já existe o "Instituto Antonio Bandeira", criado pela família. Francisco Bandeira também iniciou um processo de pesquisa para reunir informações e trabalhos do artista. Segundo o sobrinho: "Antonio Bandeira não precisava de palavras para fazer poesia".
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No OP+, Almerinda da Silva Lopes, pesquisadora de artes visuais que escreveu a tese de doutorado "Informalismo e Utopia: O Mundo Transfigurado por Antonio Bandeira", analisa trajetória do artista cearense. Kadma Marques, colunista do O POVO, também avalia o uso da cor azul nas obras de Bandeira.
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