A "guarda de honra" de Gilmar de Carvalho

Jornalista do O POVO relembra a primeira despedida do professor, quando o mestre deixou a docência em prol de uma merecida aposentadoria

11:51 | Abr. 18, 2021

Por: André Bloc
O professor Gilmar de Carvalho (foto: Deisa Garcêz/Especial para O Povo)

Versa a tradição futebolística, nos rumos de Espanha e Inglaterra, que o primeiro jogo após título nacional é momento de homenagem. Assim, mesmo os rivais mais dedicados devem se dobrar em aplausos na primeira rodada após a taça ser levantada, em tradição conhecida no país ibérico como "pasillo" e na nação britânica como "guarda de honra". 

No Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC), nos idos de 2006.2, aquele seria o último semestre de Gilmar de Carvalho antes da aposentadoria. Eu mal sabia quem era o dono do mundo, mas se avisavam isso a um "bixo" (calouro) qualquer, ele deveria ser alguém que merecia ser conhecido.

Descobri, como tantos antes e depois de mim, que o tal capítulo final era boato. E eu queria que o capítulo final deste domingo, 18 de abril de 2021, fosse mentira também.

Sempre com a sombra da aposentadoria, Gilmar seguia. Até meu sexto ou sétimo semestre, quando disseram novamente que era o último do professor e ninguém acreditou. 

Foi na aula final da disciplina que ficou escancarado que o boato era real. Gilmar tinha uma voz empostada, um jeito lento de falar que até dificultava a atenção de jovens pós-adolescentes. Mas naquele dia tinha um travo a mais. E talvez porque o semestre já houvera acabado, a aula foi protocolar. O professor parecia até mais rabugento e amargo. 

Saímos todos, alunos e professor, rumo ao estacionamento do Centro de Humanidades 2, como mandava o trajeto por um local que parecia mais ocupado por espaços para veículos do que por salas de aula.

Entre os carros, surgiu um professor. Talvez Wellington Júnior, que dedicava um naco das aulas para dimensionar a grandeza literária e intelectual de Gilmar. Talvez fosse Ronaldo Salgado, que viria a ser meu mentor. Talvez fosse Agostinho Gósson, que agora recepciona o colega. Fosse quem fosse, começou um papo e, em dois segundos, já deviam ser cinco, oito professores. Aqueles seres inatingíveis que nos guiam pela formação, todos dobrados por alguém que se despedia.

Fiquei pouco. Eu me senti, com razão, um invasor. E talvez refaça o erro ao relatar uma memória que nem minha é. 

Os outros professores não eram rivais de Gilmar de Carvalho. Eram mais como mentorados, como afluentes. Mas a cena de meus tantos mestres sentados nos gelos baianos do CH2, desejando internamente uma cerveja gelada ou uma cachaça bem forte, foi uma homenagem que se encerrou em si.

Parecia, para mim, como um "pasillo". Uma "guarda de honra" que dava a roda de aplausos que Gilmar merecia.

Assim ficou na minha memória, seja real ou não. O legado de Gilmar, o saber de Gilmar, por bem não necessita da precisão das minhas lembranças. Está cravado na mente de tantos tão maiores que eu.