Relembre a história de Belchior; cantor faria 74 anos hoje
Cantor sobralense ganhou notoriedade com o disco Alucinação, de 1976. Belchior morreu há três anos e deixou uma vasta discografia considerada importante para música brasileira, mas também muitas polêmicas
15:17 | Out. 26, 2020
O rapaz latino-americano mais famoso das bandas de cá completaria 74 anos hoje, 26 de outubro. Cantor, compositor, músico, artista plástico e professor, Antonio Carlos Belchior Fontenelle Fernandes marcou a música brasileira. O sobralense, que morreu há três anos, deixa saudades, polêmicas e muitos mistérios. Deixa também um acervo musical único, que ganha força nesse novo momento difícil pelo qual passa o mundo. Afinal, mais do que nunca, a alucinação é suportar o dia a dia. Nessa data, O POVO relembra história de Belchior e lista 5 músicas para você celebrar o dia.
A trajetória de Belchior começa quando o artista abandona a faculdade de Medicina no quarto ano e o Nordeste para tentar a carreira na música. Era 1971, cinco anos antes de sua grande obra-prima, o LP Alucinação, ganhar as paradas. O destino foi o Rio de Janeiro. As informações são do arquivo do projeto Festival Nacional da Canção.
Os anos que antecederam à aventura já eram marcados pela música. Entre 1965 e 1970 participou de alguns festivais. Pouco antes de largar tudo e rumar para o Rio, trabalhava em um programa de TV que apresentou à nova geração da música cearense. Ficou pouco tempo em terras cariocas e seguiu para São Paulo para encontrar o sucesso.
Com a canção Mucuripe, já em 1972, começou a mostrar sua cara e sua música, como compositor, em uma parceria com o também cearense Fagner. A faixa foi gravada na voz de Elis Regina. Dois anos depois, se lançou como cantor. O primeiro LP trazia músicas como Na Hora do Almoço, A Palo Seco e Todo Sujo de Batom, em uma época em que Belchior ainda não havia atingido os grandes palcos e suas apresentações aconteciam em escolas, teatros e até penitenciárias.
O primeiro LP não vingou, mas Alucinação, de 1976, consolidou sua carreira. A coletânea contava com as marcantes Velha Roupa Colorida, Apenas um Rapaz Latino-Americano e Como Nossos Pais, outro grande sucesso eternizado por Elis, desta vez regravado depois pela cantora.
O disco está marcado na lembrança de Marcos Maia, que começou a escutar Belchior ainda adolescente e hoje é professor de música na Universidade Estadual do Ceará (Uece), onde ainda carrega memórias das canções do sobralense.
Essa é, inclusive, a principal marca e contribuição de Belchior na opinião de Marcos: "Ele é um dos pilares da canção brasileira", contou ao O POVO. O gênero é híbrido e envolve elementos linguísticos e extralinguísticos (a melodia e o ritmo).
Maia destaca a melodia e as longas letras das canções de Belchior, características presentes também na música de outros artistas contemporâneos a ele, como Fagner e Ednardo. "Lembro muito bem do lançamento do Alucinação. Marcou bastante. A efervescência dos anos 1970 nunca vi se repetir em outros anos. Uma coisa muito impactante. E Alucinação é um disco icônico. Grandes composições da carreira dele estão nesse disco", complementa o professor.
Para Marcos Maia, Belchior deixa um legado importante para a música brasileira, principalmente no gênero já citado, a Canção. Outro ponto importante são suas letras, que carregam grandes reflexões sociais, pessoais, quase divinas. E para Maia, esse é um elemento que hoje traz de volta a importância do artista. Se nesses meses de isolamento social, estávamos todos mergulhados em nós mesmos, refletindo, tentando sobreviver à pandemia, os discos de Belchior podem ser de grande ajuda.
"Acho que o Belchior pode ser uma luz. As canções sempre foram reflexivas. Tem um ponto de encontro (com esse contexto), era canções que colocavam a gente para pensar. É um momento propício", diz Maia.
O músico e fã de Belchior destaca as canções:
A palo seco: Mas ando mesmo descontente/ Desesperadamente, eu grito em português/ Tenho 25 anos de sonho, de sangue/ E de América do Sul;
Como nossos pais: Minha dor é perceber/ Que apesar de termos feito/ Tudo, tudo, tudo, tudo que fizemos/ Ainda somos os mesmos/ E vivemos/ Ainda somos os mesmos/ E vivemos/ Como os nossos pais; e
Velha Roupa Colorida: Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo/ Que uma nova mudança em breve vai acontecer/ O que há algum tempo era jovem novo/ Hoje é antigo/ E precisamos todos rejuvenescer.
Polêmicas
Auto-Retrato, de 1999, foi o último CD lançado por Belchior. As polêmicas, os problemas financeiros e a reclusão marcaram as últimas duas décadas da vida do artista. Abandonou o casamento de 35 anos com Ângela Margareth Henman Belchior no final de 2006 para viver com a artista Edna Prometheu (nome utilizado por Edna Assunção de Araújo), que conheceu um ano antes.
O cantor estava afundado em dívidas e simplesmente foi embora. Abandonou o flat onde morava com a mulher e os dois filhos, além de dois carros – um ficou no Aeroporto de Congonhas e o outro em um estacionamento próximo à antiga residência. Dois anos antes, já não aparecia mais publicamente, nem sequer fazia shows. Tornou-se um foragido da polícia pela falta de pagamento de pensão alimentícia à Ângela e uma outra mulher, com quem teve um filho fora do casamento.
Uma reportagem do programa Fantástico, da Rede Globo, em agosto de 2009, encontrou Belchior em San Gregorio de Palanco, no Uruguai, e revelou alguns de seus passos durante o período no anonimato. O compositor negou que estivesse desaparecido e não quis falar sobre os problemas financeiros, além de afirmar que continuava vivendo em São Paulo e prometer um novo CD só com músicas inéditas, que nunca ganhou vida. Andanças pelo Sul do Brasil e mais dívidas acumuladas em cada lugar que passou marcaram seus últimos anos.
O POVO SEPAROU CINCO MÚSICAS PARA VOCÊS ESCUTAR:
Sujeito De Sorte
Apenas Um Rapaz Latino Americano
Coração Selvagem
Alucinação
Como Nossos Pais
O POVO entrevistou cantor em 2004. Clique aqui para ler.
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